Ezequiel 33.7-9

08/09/2002

Prédica: Ezequiel 33.7-9
Autor: Ricardo Willy Rieth
Data Litúrgica: 16º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 08/09/2002
Proclamar Libertação - Volume: XXVII

1. Texto/Contexto

Em 597 a.C., Nabucodonosor conquistou Jerusalém e deportou para a Babilônia parte da nobreza de Israel. Inclusive Ezequiel, homem de linhagem sacerdotal. Em 586 a.C., em resposta a uma tentativa de rebelião, Jerusalém foi brutalmente submetida e o templo destruído. A pregação de Ezequiel, neste capítulo 33, é posterior a essa tragédia. Aqui, o profeta anuncia promessas e prega a esperança depois de ter anunciado o juízo. As palavras dos vv. 7-9 já aparecem, quase na mesma forma, no cap. 3, vv. 16-21, sendo colocadas ali na seqüência ao chamado do profeta. Com isso, reforça-se o peso de sua responsabilidade, que é a de dizer a verdade.

O capítulo 33 faz a transição entre tudo o que precede, no livro de Ezequiel, principalmente a mensagem do juízo divino e a mensagem de esperança que inicia no capítulo 34. Marca também um novo estágio na missão do profeta. Ezequiel passa a falar agora no grande milagre da restauração de Israel. Suas palavras não serão mais tão duras e desagradáveis como antes.

Nas partes anteriores do livro, o povo demonstrava uma incrível confiança no futuro. Só que essa confiança, em última instância, era irreal. Deus chamou o profeta para dizer palavras de juízo a um povo que quase tornara impossível a si próprio ouvir essa mensagem. Aqui, as circunstâncias são opostas. O povo está em desespero e tem motivos para isso. Jerusalém foi violentamente submetida e o templo destruído. Deus, então, chama o profeta para liderar o povo na confiança por sua restauração – outra tarefa quase impossível. Uma tarefa bem mais difícil do que superar o obstáculo da incredulidade no próprio povo. Ezequiel havia tido que conduzir o povo a aceitar o julgamento de Deus. Agora, deve levá-lo a aceitar a salvação de Deus.

No texto, é retomada a metáfora do vigia (sentinela, atalaia), que está diretamente relacionada ao profeta e sua missão. Ao mesmo tempo, porém, o foco é dirigido aos exilados e a suas reações frente ao profeta. A metáfora é suficientemente clara. Durante o dia, parte das pessoas que vivem em uma cidade fortificada trabalha nos campos, do lado de fora das muralhas. Para que trabalhem com tranqüilidade, um vigia fica no alto da muralha para observar no horizonte uma eventual aproximação do inimigo. Quando o vigia vê forças hostis, ele faz um sinal – toca trombeta – para as pessoas que estão no campo. A responsabilidade delas então é abandonar seu trabalho, retornando para a segurança da parte interior dos muros da cidade. Tanto o vigia como as pessoas têm responsabilidades muito claras. Ele deve olhar à frente e denunciar o perigo iminente. O povo deve ouvir seu alerta e reagir imediatamente. Ezequiel é apresentado como o vigia de Judá.

Ezequiel apresenta a situação de seu povo como a de uma nação que se prepara para a guerra. Uma das primeiras coisas a fazer é colocar vigias, sentinelas. O que deve fazer alguém que é selecionado para ser vigia? Que serviço deve prestar ao povo? Não é responsável para avisar toda gente tão logo o perigo se faça presente? Diante da ameaça, quem vigia dá imediatamente o aviso com a trombeta, sem se importar se esse sinal perturba ou aterroriza. Se é repreendido, xingado ou atacado por causa disso, não importa! Ele não recebeu uma trombeta nas mãos para entreter as pessoas. Ao vigia cabe cumprir sua tarefa, alertando o povo na hora certa.

Depois disso, tudo fica a cargo de quem ouviu sua advertência. O aviso foi dado. Ouvi-lo e acatá-lo se torna crucial para a salvação ou não. Quem vigia fez sua parte. Agora é a vez de quem foi advertido. Para alguns, o melhor teria sido não ouvir o alerta do vigia. Isso porque, agora, se morrerem, foi por sua própria culpa. A desgraça que os atinge se torna juízo para eles.

2. Meditação e direcionamento para a prédica

Ezequiel havia proclamado, com veemência, a desgraça e a condenação dos povos vizinhos de Israel (caps. 25-32). Na época, a maioria desses povos era aliada de Israel. Juntos, queriam se livrar da sujeição à Babilônia. Especialmente a parcela do povo que estava no exílio – à qual pertencia o profeta e que era alvo de sua pregação – tinha esperança de que essa política de alianças viria em seu benefício. Pregar a desgraça e a condenação dos povos vizinhos, portanto, era contrário a tudo o que o povo e o rei gostariam de ouvir. O que quer Ezequiel? O que quer esse homem, atacando o templo, o rei, o próprio povo e o reino, tudo que é mais santo, importante e fonte de esperança?

Assim, Ezequiel vê-se na iminência de prestar contas à comunidade quanto à sua postura e seu ofício de profeta. Em si, ele não se sentia na obrigação de fazer algo assim. Em seu serviço à Palavra, não tinha levado em consideração a si próprio. O que o povo em Jerusalém ou no exílio pensava de sua pregação era irrelevante para ele. Se ele expõe ao povo as razões de seu ministério, então é porque aquele que está na origem de sua pregação profética o permitiu. A comunidade deve saber que o profeta não prega o que é de sua preferência ou o que ele próprio pensa e acha. Como alguém a serviço da Palavra, o profeta não está livre. Também não pode pregar ao povo o que está de acordo com o rei que o governa, beneficiando-o dessa maneira.

Ezequiel é um vigia assim. Deus deu-lhe a tarefa de se preocupar com a salvação de seu povo. Em uma época extremamente difícil, Deus o colocou nessa função. Deus mostrou a Ezequiel que o perigo que ameaça seu povo não vem dos caldeus e de Nabucodonosor, como supostamente se pensava. Não, o perigo vem de outro lugar, vem do alto. Deus enfureceu-se com o seu povo, quer puni-lo e julgá-lo, pois o povo não o confessa mais. O povo não o adora mais exclusivamente como seu Deus. Num esforço de anos, Ezequiel alertou o seu povo quanto ao templo em Jerusalém, quanto à cidade santa, quanto à política equivocada do rei Zedequias, quanto aos povos vizinhos e aliados. Tudo disso viria abaixo no juízo de Deus. Israel deveria estar atenta quanto ao falso consolo. Cada israelita deveria reconhecer o perigo que ameaça. Se o templo, a cidade santa, o rei e as nações aliadas não ajudam mais para nada, haverá ainda alguma esperança?

Ezequiel ocupa-se com essa pergunta e mostra que o vigia não só adverte quanto ao perigo, mas também aponta para o caminho de salvação. Como se lê, logo em seguida a essa perícope: “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que haveis de morrer, ó casa de Israel?” (v. 11).

Olhando para o século XXI, percebemos ser prática corrente tentar sempre dizer o que as pessoas querem ouvir. Não contrariar as pessoas. No comércio, a bajulação – muitas vezes descabida – é a “alma do negócio”: “A senhora está linda nesse vestido!”. No escritório: “Que grande idéia, patrão!”. Na igreja: “Lindos, o culto e a pregação, pastor!”. Na mídia, especialmente TV e rádio, passa “o que o povo quer ver e ouvir”. Ser direto, ser sincero, dizer a verdade, seja a quem for, doa a quem doer, é muito difícil. Além de tudo, é muito arriscado.

Ezequiel estava consciente de que as coisas são assim. Provavelmente estava até conformado e adaptado a esse jeito de ser das pessoas. O problema é que Deus resolveu chamá-lo para ser profeta. Isso foi muito significativo para ele e para seu povo, em sua época. Mostra como Deus quer as coisas. Certamente também é significativo para os dias de hoje.

Nossas cidades estão cheias de vigias. Como os vigias públicos são escassos, multiplicam-se os vigias particulares. Há milhares de vigias nas ruas, empresas, negócios e residências. Dia e noite. Não tocam trombetas. Normalmente usam apitos. Passam apitando na frente das casas que vigiam.

O apito dos vigias em nosso cotidiano faz lembrar o profeta Ezequiel. Mais do que Ezequiel, lembra-nos do compromisso de anunciar a Palavra do Senhor, em qualquer circunstância, mesmo quando essa Palavra não é exatamente o que os ouvintes querem ouvir. O exemplo do profeta leva-nos, muitas vezes, à prática da denúncia: de injustiças, pecados, crimes, desigualdades que ocorrem na sociedade. Anunciamos o juízo de Deus. Isso é certo. Cabe às pessoas e Igrejas cristãs fazê-lo, unindo-se também nessa tarefa a grupos com outras crenças, objetivos e visões de mundo. O simples fato de haver tantos vigias pelas ruas é um indício de que as coisas vão mal e que é preciso denunciar.

Por outro lado, cabe às pessoas e Igrejas cristãs pregarem por aí também a imensa vontade, o infinito amor que Deus tem. A Palavra de Deus não é só de juízo, mas de salvação e restauração. É preciso anunciar de igual modo a restauração, a salvação que Deus quer fazer. Principalmente porque é comum haver gente desanimada, que perdeu toda e qualquer esperança. Mais do que nunca, Igrejas e pessoas cristãs estão diante do desafio de elaborar uma teologia e empreender uma pregação que considere, com equilíbrio e bom senso, tanto a Palavra de juízo como a Palavra de salvação, ditas por Deus ao mundo por meio da cruz e ressurreição de Jesus Cristo.

Bibliografia

VAWTER, Bruce, HOPE, Leslie J. A new heart : a commentary on the Book of Ezekiel. Grand Rapids; Edinburgh : Eerdmans; Handsel, 1991. (International Theological Commentary).
BRUNNER, Robert. Das Buch Ezechiel : 2. Teil: Kapitel 25-48. 2. Aufl. Stutt-gart : Zwingli, 1969. (Zürcher Bibelkommentare).
MONARI, Luciano. Ezequiel, um sacerdote profeta. São Paulo : Paulinas, 1992. (Coleção pequeno comentário bíblico – AT).

Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Ricardo Willy Rieth
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 16º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 33 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2001 / Volume: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 6983
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