Ezequiel 34.1-2 (3-9) 10-16

Auxílio Homilético

14/07/1996

Prédica: Ezequiel 34.1-2 (3-9) 10-16
Leituras: Romanos 8.9-13 e Mateus 11.25-30
Autor: Leonídio Gaede
Data Litúrgica: 7º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 14/07/1996
Proclamar Libertação - Volume XXI


1. Tragédias

Ezequiel viveu a Tragédia e percebeu as tragédias. Como bom profeta, se deu conta de que uma grande tragédia anda mal acompanhada. Sentiu e denunciou que uma tragédia tem causa e efeito. Algo diferente acontece com o chamado cidadão comum, o popular, o transeunte. Este fixa sua observação e seu comentário na tragédia. Todo o espaço de sua apreciação é ocupado pela tragédia.

Ezequiel tem como questão a tragédia do Exílio Babilônico: o Império conquistou o Estado de Judá e deportou 4.600 judeus, no início do séc. VI a.C. (Jr 52.30), para as margens do Rio Quebar, na Babilônia.

Uma vez ou outra, a contemporaneidade entre o Exílio e Ezequiel é questionada. Diz-se que a análise feita por este profeta, i. é, o conteúdo de seu livro, se encaixa melhor numa época anterior.

Parece-nos bem fundamentada a argumentação de von Rad, dizendo que estudos profundos mostraram que os argumentos científicos avançados contra a atividade do profeta durante o exílio não são fundados (p. 211). O mesmo autor acrescenta que a análise que questionou a localização de Ezequiel no exílio e propôs situá-lo antes de 587 a.C. supõe uma crítica que atinge profundamente a substância de sua pregação (ibid.).

Aí vem a nossa hipótese: a característica do profeta Ezequiel — que dá margem à suspeita de que ele não seja contemporâneo do Exílio — é justamente a sua especialidade neste assunto. Em outras palavras, é aquilo que já falávamos: ele viu que a tragédia andava mal acompanhada. Por isso resolveu dar um pau naquilo em que a tragédia veio montada: a monarquia.

Foi a forma de analisar o Exílio que levou à suspeita de que não se trata de um profeta exílico. Quem suspeitou não percebeu que Ezequiel conseguiu escapar do sensacionalismo próprio do tragedismo. Ele tem o mérito de conseguir enxergar o contexto do que está mais em evidência.

2. Monarquia

A tragédia antes da Tragédia foi aquilo em que o Exílio veio embutido e que com ele afundou: a monarquia. A tragédia depois da Tragédia foi a articulação impossível que visava reconstruir a monarquia numa eventual volta do Exílio.

Ezequiel sentiu ter recebido de Deus a incumbência de dizer algo sobre essa canoa furada, que afundou com o Exílio e na qual tinha gente querendo embarcar de novo, quando se tentava reorganizar a volta para Jerusalém. Era indispensável que aparecesse alguém com a coragem de olhar para o Exílio e falar da monarquia. Ezequiel assumiu essa tarefa. O profeta veio para dizer que Deus estava com raiva desse sistema que não cumpria a sua função e permitiu que a tragédia acontecesse e o povo fosse dispersado.

3. Texto

Os vv. l e 2 apresentam o drama que justifica o chamamento do profeta e o conteúdo de sua pregação. Ezequiel puxa o passado para o presente. Se o futuro deve aprender do passado, uma aproximação entre ambos se torna necessária. Por isso ele fala do passado como se fosse o presente. Este alerta pode evitar que no pós-exílio se cometam os erros do pré-exílio. O ai dos pastores que apascentam a si mesmos é proferido contra os monarcas que não souberam evitar a Tragédia do exílio. O ai está em pleno vigor!

Os vv. 3 a 9 formulam a denúncia. É a tragédia da monarquia pré-exílica.

No v. 3 nota-se que a Casa da Dinda está a todo o vapor. É banquete a todo momento. É desfile de moda. E governar, que é bom, nada.

No v. 4 transparece a falta de políticas sociais. A fraca, a doente, a quebrada, a desgarrada e a perdida são as categorias que poderiam dar sentido ao Estado, se ele cumprisse sua função social. Mas parece que tem sido sempre assim: não tem crédito para os pequenos produtores, o sistema de saúde está falido, a previdência social não funciona e o imposto recai com dureza sobre os pobres.

O v. 5 mostra que não poderia dar noutra. O povo foi deportado. O texto está carregado de estrangeirismos. Que as ovelhas se espalharam pelo campo e se tornaram pasto para as feras por não haver pastor, é uma referência clara ao Exílio. Aqui no Brasil também se falou, especialmente na década de 1980, que o governo levava agricultores para a Amazônia e lá os transformava em pastel para os tigres. Isto era uma referência à incompetência do Estado no seu papel de acolher e proteger os cidadãos que se movimentam no próprio território nacional.

O v. 6 fala do andar desgarradas por todos os montes. Em cada montinho tem alguém acendendo alguma vela para algum deus. Quando a gente está na pior, vai apelando para tudo que aparece pela frente. É para ver se de algum lugar vem alguma ajuda. Na realidade do Exílio, o único monte do Deus único é esquecido e substituído por qualquer monte. Em nossa realidade, quando se lida com doença grave, p. ex., também não há um princípio básico. Recorre-se à benzedeira e à penicilina, à cigana e ao bisturi, à médium e ao raio laser. E que, depois da última vaquinha, se vá também a propriedade da terra!

Os vv. 7 a 9 fazem a ponte entre a denúncia e a proposta. O tema se desenvolve na relação de três sujeitos: as ovelhas, os pastores e Deus.

O v. 10 é chave porque nele Deus se posiciona claramente contra a monarquia. Depois da denúncia vem, pois, um posicionamento que, imediatamente, é seguido de uma proposta.

Os vv. 11 a 16 formulam a proposta.

O v. 11 afirma que Deus mesmo vai tomar a frente da história, sem a mediação da monarquia.
Por trás do v. 12 está a noção de que a motivação do retorno para Jerusalém deve ser a fé em Deus e não a ideia de reconstruir a monarquia. Como poderia a causa da dispersão ser motivo agora de re-união? A reconstrução nacional não pode nascer como projeto de quem já sugou o sangue do povo.

O v. 13 expressa a finalidade da re-união dos dispersos. Eles estarão, com dignidade humana, reunidos para receber os serviços de Deus (Gottesdienst = culto) na mesma fé.

O v. 14 relaciona os bons pastos com a mesma fé no mesmo Deus. A justiça social que traz a dignidade humana é recuperada simultaneamente com a adoração do único e verdadeiro Deus. Na forma inversa, a dispersão por muitos montes (leia-se a adoração de muitos deuses), está relacionada com a falta de pastagens para as ovelhas. A idolatria tem natureza exploradora.

O v. 15 diz que Deus mesmo fará. Aqui o período em que Israel teve reis é visto como dispensável. Que saudade do tempo em que Deus falava direto com as famílias, direto com Noé, direto com Abraão e Sara, direto com Isaque e Rebeca, direto com Jacó e Raquel...! Esse negócio de construir torre (Gn 11) para fazer Deus falar uma linguagem única através do funil do rei tem de ser destruído mesmo.

O v. 16 anuncia a bênção para as categorias cuja miséria causada pelos maus pastores é denunciada no v. 4. O retorno para Jerusalém terá sentido com a inclusão dos excluídos. Por isso a proposta do texto é voltar atrás para Sião, mas não para a monarquia. Mais grave é a última frase do texto: a gorda e a ' 'forte serão destruídas. Não se trata só de voltar para Deus; a justiça terá de ser feita.

4. Hoje

Também nós temos hoje nossa Tragédia, nossas tragédias, nossa monarquia e nosso texto. Na realidade a Tragédia é chegar ao século XXI com 100 milhões de miseráveis no planeta. Só que disso poucos falam. No tempo do profeta era o contrário: falava-se muito em exílio e não se relacionava isso com a monarquia. Hoje se fala muito em neoliberalismo e não se relaciona isso com a fome, que é o nosso pior exílio.

O profeta nomeou a monarquia como aquela que, em última análise, era a causa de tudo. Isso ele fez quando parece ter existido a mania de culpar o Exílio pelo exílio. Hoje, quando é mania culpar o pobre pela pobreza dele, o profeta certamente apontaria para a ideologia neoliberal. Têm muita gente em muitos montes sonhando soluções a seu modo.
Pregue sobre isto!

5. Bibliografia

RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, ASTE, 1974. vol. 2.


Autor(a): Leonídio Gaede
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 7º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Ezequiel / Capitulo: 34 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 16
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1995 / Volume: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14219
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