Filipenses 2.1-4

Auxílio homilético

25/07/1982

Prédica: Filipenses 2.1-4
Autor: Augusto Ernesto Kunert
Data Litúrgica: 7º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 25/07/1982
Proclamar Libertação - Volume: VII


I — Pequeno histórico

A partir de At 16.11-15, a comunidade dos filipenses é a primeira fundada em território europeu. A cidade ocupou uma localização geográfica privilegiada. Situada à beira da estrada geral do comércio entre a Europa e o Oriente, participava do movimento comercial e político, do intercâmbio cultural e da confrontação das religiões existentes entre a Grécia, Macedônia, Itália e diversos países orientais. Seu nome vem do Rei Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande. A cidade, fundada por volta de 350 a.C., foi logo elevada a capital da Macedônia. Na época em que Paulo escreveu a Epistola aos Filipenses, a cidade já não mais era a capital. A população de Filipos era, em parte, de origem oriental. Havia também um pequeno gueto judeu. Bom número de seus habitantes eram veteranos de guerra do exército romano. O Imperador Augusto, denominando-a Colônia Augusta Julia Philipensis, fundou em um de seus arrabaldes uma colônia militar romana, dotando-a dos privilégios do direito romano. Em sua época Filipos foi considerada a pequena Roma Oriental.

Lídia, a vendedora de púrpura, uma moça de espírito adivinho (provavelmente uma prosélita judia), o carcereiro que se convertera são membros da comunidade e nos dão uma ideia da diversidade existente em seu meio. (At 16.11-35)

Textos como At 20.6; Fp 2.19,24,25 dão a entender que Paulo e outros pregadores do Evangelho visitaram a cidade por mais de uma vez.

É de aceitação pacifica que Paulo escreveu esta carta como prisioneiro. A controvérsia começa com a determinação da cidade em que Paulo se encontrava preso ao escrever a carta. Nesse sentido enumeram-se Éfeso e Cesaréia (At 23.23-25), por exemplo, fixando-se; porém, a maioria em Roma (Fp 1.13). Determina-se, como época em que foi escrita, o período entre 55 e 58, quando, sob o governo do Imperador Nero (54-68), se lançou a perseguição e, assim, um verdadeiro martírio sobre a comunidade. O martírio da perseguição e a prisão unem comunidade e Paulo no sofrimento. A situação do apóstolo era séria (1.20, 2.17). Está por acontecer o desfecho do processo. Cairá a decisão, esta será de vida ou de morte? Contudo, o apóstolo alimenta esperanças de libertação (2.24). Ainda assim, está preparado para sofrer o martírio e, mesmo que aumente o desejo de partir e de estar com Cristo (1.23), reconhece e aceita que é mais necessário permanecer na carne por causa dos irmãos na comunidade (1.25).

Diz Barth (p. 1) sobre a Epístola: Chama-se a epístola, seguidamente, a mais pessoal das cartas paulinas.

Nela se salientam: o amor, a humildade, a fidelidade, a alegria e a obediência da fé na vida da comunidade.

Lohmeyer vê como característica da carta o sofrimento advindo das perseguições. Nele reside, segundo Lohmeyer, o motivo que levou Paulo a escrever a carta. Muitos membros se desligaram da comunidade, como em época de crise costuma acontecer. Alguns não agüentavam as pressões. A maioria da comunidade permaneceu fiel, coesa e resistiu às perseguições. As perseguições, a luta, o sofrimento marcaram a comunidade. Nessa situação, opina Lohmeyer, a congregação pede orientação do apóstolo Paulo (p. 4) e o apóstolo, respondendo, escreve a Epístola aos Filipenses.

II — Considerações exegéticas

V.1: As exortações não iniciam com 2.1. Elas têm início em 1.27, vivei, acima de tudo. Em 2.1-4 temos a continuação das exortações com algum desdobramento. Os conceitos da união e da humildade merecem atenção especial na perícope 2.1-4. Tais pensamentos não surgem de repente. Já foram introduzidos com 1.27, estais firmes em um só espírito e uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica. Na perícope 2.1-4 os mesmos conceitos recebem novo tratamento e são aprofundados, dada sua importância na vida da comunidade. Vejo, assim, que 2.1-4 é o desdobramento, uma continuação do pensamento anulado em 1.27-30.

Para Lohmeyer - e isto na sua opinião é muito importante - o v. 1 repete, como acontece em 2 Co 13.13, a fórmula trinitária. O exegeta salienta que em 2.1 Cristo também é citado em primeiro lugar e que, como geralmente ocorre na teologia paulina, o amor está ligado a Deus. Poucas são as exceções, onde não ocorre assim: Rm 8.35; 2 Co 5.14; Ef 3.19. (p. 82)

Manifestar e receber a exortação é possível a partir do amor de Cristo que nos constrange (2 Co 5.14). Esse amor, assim interpreta Barth, leva Paulo a escrever aos filipenses: se tenho acesso a vocês como apóstolo, devem ouvir o que lhes tenho a dizer. (p. 45) A exortação apostólica dá a entender que Paulo está preocupado com a comunidade. O período histórico e a época em que a carta foi supostamente escrita, deixam entrever que as perseguições do Imperador Nero fizeram rica colheita e levaram o sofrimento, em forma de martírio, ao seio da comunidade. O medo e a angústia se instalaram na comunidade a tai ponto que muitos membros ticaram confusos.

A comunidade é o endereço da misericórdia de Deus. Todo plano de salvação, desde que o Verbo se fez carne, até o enaltecimento de Cristo como Rei e Senhor, acontece pela comunidade, para a comunidade. Como Cristo é o centro da comunidade, esta é o centro do amor de Deus. E Paulo insiste, aqui, que a comunidade compreenda e que no sofrimento não esqueça que a misericórdia de Deus está em ação em seu favor. O apóstolo Paulo quer que a comunidade tenha bem presente que Deus realmente é amor e misericórdia. (Lohmeyer, p. 84)

V.2: O HINA TO AUTO FRONETE, Lutero o traduz com und seid eines Sinnes. Lohmeyer acompanha o pensamento da tradução de Lutero, quando diz dass ihr gleichen Sinnes seid (p. 80). Almeida mantém o mesmo sentido, penseis a mesma cousa, e a Bíblia na Linguagem de Hoje o confirma com tendo o mesmo modo de pensar. Barth vê no HINA TO AUTO o motivo da reflexão, a razão do meditar, o centro do pensamento a partir do qual vale a pena pensar e até viver. Em consequência dessa compreensão, Barth traduz dass ihr auf das Eine sinnt (que vocês tenham em mente esta única questão - p. 46). Entendendo 2.1-4 como continuação e aprofundamento das exortações que se iniciaram em 1.27, vejo no HINA TO AUTO a complementação da alegria de Paulo. Sua alegria será completa, se pensarem a mesma cousa e tiverem o mesmo amor, unidos de alma, tendo o mesmo sentimento.” Daí por que opto pela tradução de Lutero/Almeida.

O v.2 começa com um pedido: se vocês fizerem isto e aquilo. minha alegria será completa.
A exortação de pensar da mesma maneira, assim entende Lohmeyer (p. 85), parte da colocação em 1.30, onde Paulo lembra a semelhança entre o seu combate e o da comunidade. No combate conjunto se expressa a participação, a causa comum, a co-responsabilidade. O assumir em conjunto o combate vem do pensar do mesmo modo, vem do ser unidos de alma. no ter o mesmo sentimento.

Combatendo o mesmo combate, ligados pela mesma maneira de pensar, unidos em alma e sentimentos, faz com que nem Paulo na prisão em Roma nem os membros em Filipos, sofrendo perseguição e expostos ao martírio, estejam sós. Há a comunhão entre os irmãos. Vivendo em Cristo Jesus - aí está a chave para a compreensão do texto - há comunhão, há propósito de união. Em Cristo Jesus vivemos na comunhão de irmãos que pensam de maneira semelhante, são guiados e ligados pelo mesmo amor e alimentam o mesmo sentimento.

V 3 Os termos ERITHEIA - KENODOXIA não pertencem ao vocabulário comumente usado peio apóstolo Paulo. Lohmeyer conclui daí que, com eles, Paulo assinala uma situação especifica na comunidade de Filipos, que se trata de uma situação concreta, existencial, que atingiu a comunidade; que a união, a comunhão, o pensar do mesmo modo estavam prejudicados por intrigas na comunidade; que a situação foi criada por membros que se julgavam mais importantes, melhores, superiores aos demais, que procuravam os próprios interesses (p. 85). Para Lohmeyer, o partidarismo tem a ver com conceitos teológicos, com conduta ética, e não com desavenças internas, caracterizadas como briguinhas corriqueiras a partir de motivos de ordem material. Entende ele que também a vanglória pode se expressar na eloquência com que pensamentos teológicos são apresentados e defendidos (p. 67) Barth complementa esse pensamento, quando afirma que ERITHEIA determina a conduta, a atitude da pessoa que sempre quer ter razão, que quer saber tudo melhor do que os outros (p. 49).

Ao mesmo tempo, a KENODOXIA, traduzida por Almeida com vanglória e na Bíblia na Linguagem de Hoje com desejos tolos de receber elogios - Bauer (p. 711), leere Ruhmsucht - tem o sentido de ufania, vaidade, vangloriar-se, referindo-se assim ao elemento papudo oportunista, ao elemento que, mesmo sem base para tanto, se dá ares de máxima importância.

Em contraposição a tal conduta refutável está a vivência em humildade, que considera os outros mais importantes. A humildade deve SIM o sinal que caracteriza a comunidade, o relacionamento dos membros entre si e destes com as demais pessoas. O estar em Cristo Jesus' quebra, vence, acaba com a arrogância, com o cerrar de cima. com o individualismo, com o egoísmo e supera impertinências pessoais. O estar em Cristo Jesus é o estar em comunhão com os irmãos, dai é possível pensar do mesmo modo, ter o mesmo sentimento' , o que se manifesta no convívio das pessoas. A humildade é um dom de Deus. Aceitar a graça de Deus significa viver em humildade relacionar-se com as pessoas de maneira humilde.

A comunidade é o lugar onde a humildade se concretiza (ou nau) no convívio do dia a dia dos membros. A vivência em humildade caracteriza-se pelo aceitar, receber, respeitar o outro. A reconhecida superioridade do outro jamais poderá caracterizar-se por urna qualificação de quem se sabe melhor, de quem quer ser mais do que os outros, mas unicamente pela própria humildade, ou seja, pelo reconhecimento de que nada tenho e nada sou perante Deus.

Humildade por causa da humildade; o entregar-se por causa do entregar-se vem a ser o sentido da atuação da fé como conduta ética”. (Lohmeyer, p. 88)

O andar em humildade nada tem a ver com estar por baixo, com deixar-me pisar, com calar a boca por medo, com sentir complexos de marginalizado ou de empurrado para escanteio. 'Nada disso Na compreensão evangélica, andar em humildade é o saber-se libertado para a vivência em humildade, e a grandeza ao viver amor. Vivei em humildade é possível a partir do estar em Cristo Jesus.

V.4: O v. 4 desenvolve o pensamento de 3b: a conduta em humildade. O pensamento não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros é viável a partir da humildade, ou melhor, é um agir a partir da humildade. E a atitude de quem se sabe responsável pelo outro, pelo que pertence ao outro; é o respeito para com a outra pessoa, é valorizar a outra pessoa. Paulo refuta claramente quem coloca no centro os seus interesses, TA HEAUTON. A humildade não se dá com quem age de maneira interesseira, aproveita e usa as pessoas. As pessoas que enxergam em tudo primeiramente os seus interesses, que pensam e agem a partir dos próprios interesses, concentram tudo sobre a própria pessoa.

Os próprios interesses podem ter as mais diversas motivações e causas. O texto não as determina. Em tudo, porém, o mais difícil é descer do pedestal e enquadrar-se com os demais, ser igual aos outros, deixar de usar vantagens que a posição oferece e viver, portanto, em humildade. A briga por interesses, o firmar-se no pedestal por causa de vantagens, de direitos, de tratamento privilegiado, resultam sempre em desentendimento, ferem a comunhão, desintegram a união, afugentam a humildade, alimentam a arrogância. O descer do próprio pedestal, assumindo humildade, abre caminhos, leva ao encontro de pessoas, traz o diálogo, possibilita a paz, fomenta a união e fortalece a comunhão. Ajuda a zelar pelo outro, aceitar o outro, estar com o outro, valorizar o outro. Somente quando vejo o outro, eu vejo realmente as pessoas. Ao refletir sobre pensamentos dos outros, consigo avaliar os meus próprios pensamentos. Ao dar liberdade, sou livre. Na obediência, ensaio o governar. O irmão sempre é minha barreira, mas, ao mesmo tempo, ele é a minha porta. Não há caminho, que não leve ao irmão. (Barth, p. 53)

III — Meditação

A indicação da perícope 2.1-4 me surpreendeu. Nunca preguei sobre estes 4 versículos, isoladamente do hino cristológico 2.5-11. Enfim, estou com 35 anos de pastorado. Também na literatura à minha disposição, os vv. 1-4 sempre estão ligados ao hino cristológico. Alguns comentários sugerem 2.(1-4) 5-11. Considerei, inicialmente, que os vv. 1-4 seriam de menor ou de pouca importância.

Weber, mesmo aceitando 2.1-4 como perícope, afirma claramente que uma separação de 2.(1-4) 5-11, em termos homiléticos, não é defensável. (p. 294) Concordo, depois de muita reflexão sobre o texto, que podemos aproveitar 2.1-4 como perícope para a prédica. Mas, associando-me a Weber, não podemos isolar os quatro versículos iniciais do estar em Cristo Jesus, conforme o v.5, que é determinante para uma pregação evangélica. Caso contrário, e ai está a dificuldade com toda pregação exortativa, corremos o risco de nos perder no legalismo e no moralismo. Portanto, é decisivo que a prédica parta do centro, do estar em Cristo. Então será uma pregação evangélica da graça, que se concretiza na vivência da comunidade da fé, como humildade, como prestação de serviço, como conduta e posicionamento éticos frente aos problemas, na vivência em profissão, família e sociedade.

Nesse contexto, Weber tem um pensamento importante: O apóstolo Paulo entende a existência cristã somente em uma direção, a partir de Cristo Jesus. (p. 295) Isto significa para a nossa perícope, como mensagem evangélica, que a podemos assumir a partir do estar em Cristo; que a vivência em humildade e obediência, vencendo o partidarismo e a vanglória, somente nos é possível na fé em Jesus Cristo. Ele é o centro orientador para a compreensão do texto e sua atualização em nosso contexto, como de resto para a nossa vida.

Cristo é o humilde, o obediente, o servo que se esvaziou em nosso favor. Ele entrou em nossa vida, não para ser por nós imitado. Ninguém pode imitar Cristo. Ele ë único. Sua morte de cruz e sua ressurreição têm finalidade e efeito único. Ele nos serviu, nos serve e nos liberta para o serviço cristão. Sua vida é vida em favor dos homens. Ele entra em ação como aquele que tem direito total sobre nós. E nós o aceitamos na fé como nosso Rei e Senhor.

A prédica deve deixar claro que todo comportamento ético está ancorado em Cristo, que assumiu livremente a morte em nosso favor sem conhecer o pecado (2 Co 5.21); que se entrega em humildade» como quem sendo rico, se fez pobre por amor de vós (2Co 8.9). Onde esta dimensão do Evangelho é assumida, não corremos o risco de cair numa teologia da glória e Fp 2.1-4 não será anunciado como lei nem como moral; pelo contrário, como vivência pela graça de Deus, como vivência impulsionada pelo amor de Cristo Jesus.

O conceito da união se destaca em nosso texto. Ela é importante nas situações difíceis que a comunidade sofre. No caso dos filipenses se tratava da perseguição e do martírio sofridos por muitos membros. E nesta situação - sem dúvida houve, quem fraquejasse e se afastasse da comunidade - a discórdia é o pior que pode acontecer. Ela é o bacilo pernicioso da desintegração. Os perigos para a união não só e nem sempre atacam de fora. Eles surgem das próprias fileiras. Daí a importância de sermos unidos de alma, de termos o mesmo sentimento. União, comunhão, igualdade de sentimento e o pensar do mesmo modo são dádivas do Cristo e jamais conquista do homem.

Outro pensamento valorizado na perícope é a alegria. O viver em Cristo possibilita compreensão e participação tanto na alegria quanto no sofrimento. O viver em Cristo Jesus é a libertação da pessoa. E toda pessoa que experimenta sua libertação do domínio do pecado, da culpa, e também dos poderes dominantes e demoníacos, explode em alegria. E os irmãos explodem em alegria sempre que mais alguém é libertado.

O partidarismo e a vanglória recebem a contestação do apóstolo. Quando estes dois falarem mais alto do que o amor, a misericórdia e a humildade, ocorre a quebra de união na comunidade. Quando interesses pessoais e os de grupos se polarizam, não se vê mais o todo, a comunidade. Onde os interesses pessoais predominam, a humildade que usa misericórdia para com o irmão não tem lugar. A resposta obediente da fé não acontece como serviço em favor dos irmãos.

Vejo as situações de 2.1-4 como experiências que a comunidade vive em um contexto de perseguição. Os versículos manifestam a preocupação com o relacionamento dos membros, com sua vivência, testemunho e ação. Evidentemente, a prática da exortação, o uso da consolação em amor, a comunhão do Espírito, a vivência de misericórdias são possíveis a partir do nosso estar em Cristo Jesus.

O texto é o testemunho do Cristo presente na comunidade. Não se trata do Cristo distante, do Cristo no além e, sim, do Cristo atuante no hoje da comunidade, na vida do membro. E é nossa tarefa pregar Cristo presente. Cristo atuante no hoje. Isto é decisivo, evitando-se assim que Jesus Cristo seja visto como personagem importante, do passado, como alguma figura importante na história da humanidade.

Nesse contexto, ligando a realidade vivida pelos filipenses com a perseguição e martírio sofridos hoje, temos diante de nós o medo a dominar as pessoas, o medo da violência, o medo da insegurança, o medo da inflação, o medo de uma realidade social e econômica discriminatória, marginalizante, o medo de uma convulsão social com todas as suas consequências desastrosas diante da fome de milhões de cidadãos sem participação no desenvolvimento, sem ganho, sem emprego, sem atendimento de saúde, sem possibilidades educacionais para crescer e conseguir melhor emprego.

Em nosso mundo, assim chamado moderno e esclarecido, conceitos de cunho técnico e filosófico conquistaram o domínio quase que total sobre o homem. O domínio alcançou tal grau. que o homem não mais considera a presença de poderes demoníacos. Mesmo assim o medo esta a., tomando conta da maioria. Geralmente esquecemos, nos enganamos ou ainda nos falta a compreensão de que a tecnologia desumana vem a ser um poder demoníaco que desvaloriza, oprime e ofende o homem em sua imagem de Deus; de que conceitos filosóficos criam estruturas, sistemas políticos, econômicos, sociais que marginalizam, preterem, oprimem, manipulam o homem, revelando-se assim como poderes demoníacos, que arrastam o homem ao sofrimento. Daí, tenho para mim que no mundo de hoje os poderes demoníacos, de origem diversificada, estão fortemente presentes e são uma ameaça contínua para o homem em sua vivência de comunhão, de fé em Cristo Jesus, de consolação de amor, do uso da misericórdia, da vida em humildade, são sofrimento e martírio.

O homem anseia por liberdade. Buscamos liberdade da culpa, do medo, da opressão, da insegurança, lambem não faltam os momentos em que nos iludimos, achando que estamos livres, tamanho é o nosso desejo de liberdade, e tão profundo é, ao mesmo tempo, o reconhecimento de nossa dependência e prisão. Mas não nos faltam, e agradeço a Deus por isso, as experiências reais na vida - o confronto com a palavra de Deus; a reflexão em trabalhos bíblicos juntamente com irmãos; a vivência no culto; a vida em oração; a experiência da presença de Deus em tantas situações de minha vida - quando reconhecemos nossos condicionamentos, culpa, dependências e inibições. Para compreendermos a ação libertadora de Cristo, que nos liberta da prisão do pecado e da culpa para a liberdade do serviço em amor, para a vivência em humildade, em obediência de fé, e que nos faz vencer o partidarismo e a vanglória, é indispensável o nosso confronto com a palavra de Deus. Ela nos questiona, nos leva ao arrependimento e nos dá a mensagem do amor de Deus, da nossa reconciliação pela graça, da salvação e da libertação em Cristo Jesus, que, procedendo da comunhão com o Pai, é o homem verdadeiro e Deus verdadeiro que, sendo o sacrifício agradável a Deus, venceu com a cruz e com a ressurreição c pecado, a morte, o medo e todos os poderes demoníacos que nos possam oprimir.

IV — Pensamentos para a orientação da prédica

É importante que a pregação mantenha a exortação em sua seriedade apostólica, evitando que caia no legalismo que corra o risco de neutralizar os fatos do convívio, que caia no sentimentalismo ou se perca em tiradas políticas, que omita o chamado ao arrependimento para uma vivência em comunhão, em serviço cristão. (Elsässer, p. 385)

O centro da comunidade, de minha vida, é o Cristo. A partir do estar em Cristo Jesus é possível exortar e também é possível ouvir e aceitar a exortação. O texto todo nos exorta para que o nome de Jesus Cristo, o nome acima de todos os nomes, Rei e Senhor do mundo e dos homens, seja enaltecido em palavras e ações. Ele trouxe ao mundo o novo sentimento (v. 2), um novo significado de vida; uma nova realidade de vivência no relacionamento dos homens com Deus e entre si. Ele trouxe a possibilidade de vivência em comunhão. Tudo isso está presente, nos é dado, é viável a partir do Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14). A comunhão do mesmo sentimento, a conduta e a vivência em humildade são possíveis a partir da revelação de Deus em seu esvaziamento de servo (v. 7).

Deus nos chama para vivermos uma vida em responsabilidade perante ele. O seu chamado nos encontra em nosso dia a dia, no exercício da profissão, em nossa vivência em família e sociedade, em nosso lazer. Isso quer dizer que o chamado de Deus nos vem no contexto de nossa vivência. Essa dimensão é importante para a pregação. Em nosso dia a dia somos chamados a viver nossa fé na obediência, na renuncia, no aceitar do senhorio de Jesus Cristo.

Diariamente enfrentamos situações que nos exigem decisões. O texto 2.1-4 nos quer prestar o seu auxilio nas decisões a serem tomadas por quem vive em comunhão, por quem busca união. O texto, partindo da vivência e experiência do apóstolo, sublinhadas pelo sofrimento do martírio e de prisões, é uma oferta de orientação para a conduta de vida cristã. Mesmo que Deus não nos engrandeça perante o mundo de maneira perceptível, ele tem maneiras para nos conduzir, orientar, guiar, proteger, para que sejamos ricos em sua graça e vivamos impulsionados pelo seu amor para o serviço em favor dos irmãos.

Devemos ver, aceitar e compreender o texto, a partir daquilo que aconteceu em Cristo a favor do mundo e dos homens. A falta desta visão e compreensão vai deixar a prédica morrer no moralismo/legalismo, perdendo-se a boa oportunidade de uma exortação evangélica à comunidade. Eu diria que 2.1-4 é uma mensagem evangélica a partir do Cristo por nós. Ele venceu os poderes dominantes, o pecado, assume a culpa, é o preço do nosso resgate. Ele, com sua morte e ressurreição, liberta-nos para uma nova vida. A prédica poderá dizer quais são os poderes dominantes que sofremos. Isso lhe dará boa atualização. Devemos, porém, deixar claro, evitando também aqui moralismo/legalismo, de quem, de que e para que Cristo nos liberta.

A prédica deve destacar que Jesus Cristo é a. nossa libertação para o serviço. Com essa compreensão, 2.1-4 é interpretado a partir do propter Christum: (por causa de Cristo) podemos viver no campo magnético de Cristo e podemos viver na obediência e no serviço que, conforme o texto, se manifestam nos conceitos arrolados e outros que manifestam obediência, união, serviço.

Sugestão para a prédica a partir da proposta de Voigt (p. 188): Tema: Vivemos no campo magnético de Cristo.

1. Da renúncia de Cristo

2. Da obediência de Cristo

3. Do senhorio de Cristo

1. Vivemos no campo magnético da renúncia de Cristo

O próprio Cristo se esvaziou em favor do mundo e dos homens. O seu esvaziamento é expressão máxima do seu amor para com os homens, é a concretização do plano de salvação de Deus. O seu esvaziamento vem a possibilitar a nossa renúncia de vanglória, de separatismo, de egoísmo para buscar comunhão, união, viver misericórdia.

2. Vivemos no campo magnético da obediência de Cristo

A obediência de Cristo, que culminou com a cruz e resultou na ressurreição, é a nossa libertação do pecado e da culpa. É a possibilidade da renovação do nosso homem interior (veja a 4a parte da explicação de Lutero sobre o Batismo) para uma vida em serviço na comunidade.

O viver em Cristo Jesus tem as suas consequências: começo a ver a minha vida em função da união, da comunhão, dos outros, deixando de me isolar e de separar-me dos outros. Reconheço que não se trata do meu engrandecimento, mas de viver a minha vida como serviço em favor do mundo e dos homens.

3. Vivemos no campo magnético do Senhorio de Cristo

Jesus Cristo é Rei e Senhor, assim cantamos e confessamos. Ele é Senhor e Rei em nosso favor, é Senhor a serviço do mundo e dos homens. Trata-se, portanto, de um senhorio diferente: Jesus não nos domina com o medo; não nos força com exigências de produção; não nos escraviza com opressão e poder; não nos usa nem nos manipula com força. Ao contrário, é o senhorio que nos serve com amor: que nos liberta do pecado, da culpa, do medo e de todos os poderes dominantes; é o Senhor da paz que nos reconcilia em sua graça, estabelecendo novo relacionamento conosco e entre os homens. O fundamento do senhorio de Cristo não é a força, o poder, a violência, a opressão, mas a sua cruz e a sua ressurreição.

V — Bibliografia

- BARTH, K. Erklarungen des Philipperbriefes. 3.ed. Berlin, 1937
- ELSÄSSER, H. Meditação sobre Filipenses 2.1-11. In: Arbeit und Besinnung. Ano 28. Caderno 6. Stuttgart, 1974.
- LOHMEYER, E Der Brief an die Philipper. In: Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. Vol. 9. 9a ed. Göttingen. 1953.
- MICHEL, O. Meditação sobre Filipenses 2.1-11. In: Arbeit und Besinnung. Ano 8. Caderno 8. Stuttgart, 1954.
- ROLOFF, J. Meditação sobre Filipenses 2(1-4) 5-11. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 12. Stuttgart, 1973.
- VOIGT G. Meditação sobre Filipenses 2.5-11. In: -. Das heilige Volk. Göttingen, 1979.
- WEBER, O. Meditação sobre Filipenses 2.(1-4) 5-11. In:.Predigtmeditationen. Göttingen, 1967.


Autor(a): Augusto Ernesto Kunert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 8º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Filipenses / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 4
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1981 / Volume: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14619
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