Filipenses 2.5-11

Auxílio Homilético

01/01/2008

Prédica: Filipenses 2.5-11
Leituras: Números 6.22-27 e Lucas 2.15-21
Autor: Werner Fuchs
Data Litúrgica: Ano Novo: Nome de Jesus
Data da Pregação: 01/01/2008
Proclamar Libertação - Volume: XXXII
Jesus deu a volta por baixo – e vocês?

1 Concretude

O período da Quaresma remete-nos ao chão da realidade: super-rapinagem e corrupção, desemprego e ignorância, celebridades artificiais e rompimentos conjugais, violência sexual e exploração infantil, degradação ambiental e balas perdidas, escravos em fazendas de gado e carvoarias do século XXI. Não permite escapar para a superficialidade, ensejada pelo carnaval, pelas veleidades da propaganda e pelo comodismo. Não tolera a pregação alegórica, tão monotonamente frequente, sempre conservadora (cf. J. Jeremias, p. 9s.) e aviltantemente fechada para o inusitado de Deus nas cruzes e encruzilhadas da vida (cf. At 14.22). Não negligencia a omissão da igreja, não é indiferente à indiferença dos cristãos e não aceita reinar no etéreo enquanto o reino é térreo. O caminho da cruz não pode ignorar as cruzes do caminho.

2 Inquietude

O contexto de Filipenses 2 é de “exortação em Cristo” e “consolação de amor” (v. 1). Trata dos relacionamentos, da unidade, ou melhor, da unanimidade (v. 2), tão ameaçada por discórdia e egoísmo. A trajetória de Cristo gera fatos e afetos. No entanto, são fatos e afetos reversos: humanamente buscamos o divino, Deus busca o humano. Diante das agruras da vida tentamos “dar a volta por cima”. Diante do “privilégio” do divino Cristo “dá a volta por baixo”. Para vencer, humanos sacrificam o amor. Negando-se a derrotar, Cristo faz acontecer o amor. Esvazia-se, despoja-se, mas não se anula. Gera vida.
Desconsiderar “aquilo que havia em Cristo” (v. 5) põe em risco ser humano e ser igreja. “Agarramos, dilapidamos e usufruímos nossa vida e nossa sorte realmente como ‘roubo’ [v. 6]... Paulo conhecia bem o sedutor que havia tentado os humanos no paraíso com o ‘ser igual a Deus’... Para ele (o Filho), ser igual a Deus é puro presente de amor” (de Boor, p. 207).

“Forma de escravo” e “obediente” (v. 7 e 8): por nossa natureza egoísta, olhamos apenas para o que Cristo pode render para nós, esquecendo que ele devotava seu amor primeiramente ao Pai e à causa dele.

“Reconhecido em estatura como humano” (v. 7): a compreensão disso passa pelo recurso a figuras. Por exemplo, “imaginando um pai que, ao lidar com o filho, ‘existindo na qualidade de adulto, se esvazia e assume o modo de ser de uma criança’... A verdadeira divindade de Jesus é justamente despir-se de toda a ‘divindade’ e escolher a figura de escravo. É justamente disso que é capaz somente quem é participante do poder criador de Deus” (de Boor, p.209). Que fragilidade inquietante! 

“Morte de cruz” (v. 8): é morte sem Deus, morte de um maldito, é rendição ao inimigo (1 Co 15.26). Um morrer que demandou aprendizado (Hb
5.8). Desobedecer seria pecar. Ignorar o Pai seria insolência máxima: tudo é meu! Porém, não se agarrando a nada, Jesus restabelece a honra do Pai, espezinhada pelos humanos no afã de honra ignóbil. Por isso Deus o “elevou à altura máxima” (v. 9).

“Nome acima de todo nome”: não lhe foi acrescentado mais um título. “Jesus”, o nome de sempre, passou a ser o nome para sempre. Diante dele se dobrará todo joelho (cf. Is 45.23), de celestiais, terrenos e subterrâneos. “Tudo o que Deus fez, faz e fará como ‘Javé’, o Deus da aliança, aquele que instituiu a comunhão com os humanos, tudo isso foi entregue a Jesus! Agora todos o descobrem e reconhecem: todo o amor de Deus aos seres humanos, toda a graça que Deus jamais demonstrou, toda indulgência, toda paciência com um mundo pecador – tudo repousa exclusivamente em Jesus, no esvaziamento, serviço e obediência de Jesus, e aconteceu unicamente por causa dele” (de Boor, p. 213s.). Isso também significa que Deus não permitirá que seja prejudicado ninguém que se esvaziar, obedecer e servir.

3. Atitude

No mesmo bairro vivem duas mulheres. Ambas sofrem com as farras e traições dos maridos. A primeira, quando ele retorna das noitadas, abre a porta. Não diz nada. Não faz exigências. Não briga. Faz de conta que está tudo bem. Lava a roupa suja dele. Ensina as crianças a respeitá-lo, ainda que embriagado. Diz: Como cristã tenho de perdoá-lo. A segunda, quando ele bate à porta de madrugada, nega-se a abrir. Ele suplica: Querida, prometo que vou mudar. Não beberei mais. Ela responde: Prove primeiro que você está arrependido e mudou de vida. Então deixa-o dormir na calçada e vagar pelas ruas.

Qual delas está certa? Com qual simpatizamos mais? A primeira ou a segunda? (Nas pregações realizadas, a maioria simpatizou com a segunda, a durona.) A resposta é complexa: Ambas estão erradas e ambas estão certas. Erradas: A primeira se sacrifica em favor de um relacionamento inautêntico, a segunda sacrifica o relacionamento em favor de uma vida inautêntica. A primeira anula a si mesma, a segunda anula, ou suspende, o relacionamento. Certas: A primeira se dispõe a perdoar, uma sinalização de que qualquer pecador precisa para ter força para mudar. A segunda exige mudança, algo a que qualquer pessoa que busca sinceramente o perdão precisa se dispor.

4 Amplitude

Como se relacionar em uma igreja fossilizada, que não arrisca mais nada com Deus, que já se rendeu ao “programismo” sem fim e sem finalidade e que se nega a desmascarar falsos poderes em nome do poder de Jesus? Como pregar reconciliação quando todos acham melhor ser “politicamente correto” (em todas as linhas teológicas), posando de vítimas para não admitir culpa? Como se esvaziar sem abrir mão da dignidade e ainda gerar um relacionamento positivo? Como traduzir essa “conformidade” com Jesus (Rm 8.29), como ter o “mesmo sentimento” dele (v. 5)? Primeiramente: não dobrando os joelhos a nenhum outro exceto para Jesus.

“Jesus é único...” E ele se identifica conosco. “E nós somos únicos também, criados e planejados a ser criaturas e criadores ao lado de seu domínio, fiéis à intenção última de Deus” (Bakken, p. 219). Ou seja, precisamos conhecê-lo bem. Ele, sendo rico, fez-se pobre, para nos tornar ricos (2 Co 8.9). Ele nos concederá ser livres de nosso eu, bem como criativos para arriscar e encontrar formas de relacionamento que confiem no inusitado de Deus, preservem a dignidade pessoal e apostem alegremente no engajamento das partes. Quem não dobra os joelhos para ele não sabe o que está perdendo e faz parte de um grupo em extinção: “Para que toda língua confesse...”.

“No hino, o foco não é o indivíduo devoto, nem mesmo a igreja cristã, mas o evento de revelação de amplitude mundial. Deus e mundo são os poderes que determinam a cadência do salmo” (Käsemann, p. 55). Rompe-se o estreitamento eclesiástico. O alcance é universal, o horizonte é amplo. Os fatos e afetos são realidade palpável para todos. Assim, o inusitado não se torna excêntrico. Emerge a doxologia, a exaltação cabal (cf. os pastores no campo, Lc 2.15-21), e derrama-se bênção em profusão (Nm 6.22-27). Não aos demais insignificantes poderes e senhores: um só Senhor, Jesus Cristo!

Bibliografia

BAKKEN, N. K. Auxílio homilético sobre Fp 2.5-11. In: MALSCHITZKY, H. e WEGNER, U. Proclamar Libertação, v. XI. S. Leopoldo: Sinodal, 1985. p. 216-220.
DE BOOR, W. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Comentário Es- perança. Curitiba: Esperança, 2006. p. 206s.
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus. 5. ed. S. Paulo: Paulus, 1986. KÄSEMANN, E. Kritische Analyse von Phil. 2,5-11. In: idem, Exegetische Versuche und Besinnungen, v. I. 4.ed. Göttingen, 1965. p. 51-95.


Autor(a): Werner Fuchs
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Ano Novo

Testamento: Novo / Livro: Filipenses / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 5 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18554
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