Gênero e poder

16/10/2013

Gênero e Poder

Pa. Ms. Marcia Blasi1

A maneira pela qual, hoje, nos entendemos como homens e mulheres é uma construção social que aconteceu durante centenas de anos. Para melhor compreender a relação existente entre gênero e poder, precisamos conhecer um conceito que é muito utilizado nas reflexões em torno deste assunto: o patriarcalismo.

Em breves palavras, patriarcalismo é uma ideologia e um sistema coletivo que, em uma escala de importância e prioridade, coloca o homem (ser humano do sexo masculino) acima da mulher (ser humano do sexo feminino).

Trata-se, portanto, de uma ideologia na qual o homem é a maior autoridade, devendo as pessoas que não são identificadas fisicamente com ele (isto é, que não sejam também adultos do sexo masculino) serem subordinadas, prestando-lhe obediência. Isso faz com que as relações entre as pessoas (seja em uma família ou uma comunidade) sejam desiguais e hierarquizadas. Sendo o patriarca quem decide e estimula essas desigualdades, de forma a manter o poder, ele se torna a mais alta autoridade do lugar, a pessoa mais importante, impondo suas concepções que justificam a manutenção tanto de seu status superior quanto do status inferior de seus subordinados2.

Por séculos esta ideologia ditou as regras no mundo, desde os relacionamentos entre homens e mulheres até os grandes tratados entre os povos. O pensamento patriarcal não se reflete somente nas relações entre homens e mulheres, mas sobre toda forma de a sociedade se organizar e sobre toda história. A ideia de um líder centralizador, que comanda tudo e decide o que bem quer, é fruto desse pensamento.

Atualmente, se fala pouco em patriarcalismo. Na sociedade brasileira, as leis que dizem respeito aos deveres e direitos de homens, mulheres e crianças, já deram um grande passo na construção de uma justiça de gênero. Isso não quer dizer que o sistema patriarcal seja algo do passado. O patriarcalismo se encontra em nossa sociedade de muitas maneiras, geralmente oculto, silencioso, emaranhado e mascarado no jeito em que vivemos e contruímos as nossas relações, no jeito como vemos outras pessoas e a nós mesmos, nos salários diferentes pagos para homens e mulheres, nas pessoas escolhidas para liderar nossas instituições e organizações, no que entendemos ser o jeito “natural” de ser homem ou mulher.

O patriarcalismo moldou todas e todos nós. Por exemplo, crescemos pensando que homens são fortes, pouco emotivos e racionais; da mesma forma, acreditamos que mulheres são fracas, emotivas e sentimentais. Na verdade, tanto homens quanto mulheres podem possuir qualquer uma dessas características, dependendo da maneira como receberam estímulos ou foram reprimidas. Isto é uma questão de gênero e de poder.

Gênero, como categoria de análise social, refere-se a construções sociais, culturais e teológicas usadas para definir o que é ser homem e o que é ser mulher em um dado contexto, determinando o que é valorizado, esperado e permitido para homens e o que é valorizado, esperado e permitido para mulheres.

O substantivo poder, de acordo com o dicionário Aurélio, significa: possibilidade, faculdade. Força física, vigor do corpo ou da alma. Império, soberania. Mando, autoridade. Força ou influência. Posse, jurisdição, domínio, faculdade, atribuição. Governo de um Estado. Importância, consideração. Grande quantidade, abundância. Força militar. Eficácia, efeito, virtude. Capacidade de fazer uma coisa. Mandato, procuração. Meios, recursos.3

Poder em si não é algo de todo ruim. Todas e todos nós temos algum poder, mas algumas pessoas escolhem usar seu poder sobre as outras, diminuindo a fatia de poder e a capacidade que elas têm de exercê-lo, que deveria lhes ser garantido. Algumas pessoas, por causa da sua biologia, foram consideradas seres superiores e, por isso, com mais poder do que as outras. Confundem também o poder que lhes é concedido para liderar com o poder de oprimir.

Observa-se, no mundo atual, uma carência de modelos de poder que sejam inclusivos e transformadores. Há muita resistência em criar novos modelos de liderança e exercício de poder. As mulheres estão aprendendo a reivindicar seu espaço e isso causa insegurança nos homens, pois eles se sentem deslocados, não sabem como ser, agir, nem para onde ir. O processo de empoderamento das mulheres é longo, com avanços e retrocessos, com corridas e paradas, mas é, sem dúvida, uma necessidade absoluta na construção de justiça de gênero na família, na igreja, na sociedade e no mundo. Como diz Izabel Allende, “ Eu quero um mundo bom, não melhor.” Queremos trabalhar em conjunto na construção deste novo mundo. É tempo de transfomar corações, mentes, mãos, pés, estruturas, instituições, sociedades.

Deus compartilhou poder com Jesus Cristo, que encarnou e exemplificou o correto uso de poder e autoridade. Jesus tinha autoridade na terra para perdoar todos os pecados, curar todas as enfermidades e expulsar demônios. Jesus compartilhou livremente esse poder com os discípulos ... Capacitar as pessoas, compartilhar o poder com elas e delegar responsabilidades é uma parte essencial da administração do poder.4 

Criar novas maneiras de nos relacionarmos como seres humanos, elaborar novos jeitos criativos e compartilhados de exercer poder e autoridade não são questões impossíveis. Deus nos dá pistas a seguir; Jesus nos ensinou possíveis caminhos e o Espírito Santo continua agindo entre nós, movendo-nos de um lado para outro, fazendo arder nosso coração; fazendo nossos sonhos de justiça, solidariedade e amor se tornarem realidade. Como igreja, muitos passos já foram dados, mas ainda há muito para ser construído em conjunto.

Para refletir e conversar:

Assim Deus criou os seres humanos; ele os criou parecidos com Deus. Ele os criou homem e mulher... E Deus viu que tudo o que havia feito era muito bom. Gn 1. 27 e 31

Mas entre vocês não pode ser assim. Ao contrário, quem quiser ser importante, que sirva as outras pessoas. Mc 10.43

1. De que maneira lemos e interpretamos os textos acima? Nos reconhecemos como pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus?

2. Como interpretamos o servir? Culturalmente, o serviço sempre ficou destinado às mulheres enquanto que a liderança era exercida pelos homens. Será que esta divisão de tarefas deve acontecer segundo o gênero ou segundo as habilidades, dons e capacidades? Como é a experiência em nossas comunidades?

3. Quais foram os seus modelos de liderança e poder?

4. Quem é hoje uma inspiração na construção de um modelo de poder transformador e compartilhado?

5. Como podemos criar em conjunto novas maneiras de nos relacionarmos como homens e mulheres?

Notas:

1. Ms. Marcia Blasi: mestrado em Aconselhamento Pastoral, bacharel em Teologia. Pastora. Professora. São Leopoldo/RS.

2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Patriarcado. Acessado em 12/12/12.

3. http://webdicionario.com/poder. Acessado em 05/12/12.

4. “No será así entre ustedes!” (Mc 10.43) Una Reflexión en la Fe sobre el Género y el Poder. Federación Luterana Mundial. Ginebra. Tradução própria.

 

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Autor(a): Márcia Blasi
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Estudos de Gênero / Ano: 2013
Natureza do Texto: Artigo
ID: 25310
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