Gênesis 8.20-22

Prédica

Gênesis 8.20-22 - DOMINGO APÓS TRINDADE

Nós, cristãos, geralmente costumamos entender nossa fé como uma coisa muito pessoal, muito interior. Como algo que se processa unicamente entre Deus e a nossa humilde pessoa. E, via de regra, não percebemos que com isso nossa fé se torna incrivelmente unilateral, parcial. Com isso ignoramos que ao nosso redor há multidões, que ao nosso redor há outros seres, que ao nosso redor há uma natureza, há rios e prados e mares e desertos e nuvens e chuva e seca e montanhas. Nós esquecemos, na estreiteza da nossa fé pessoal, que habitamos o planeta Terra, que é o nosso lar - e que, se Deus é Deus, ele deve ter algo a ver com tudo isso.

Pelo menos, se for verdade o que costumamos confessar com nosso Credo Apostólico. Ar testemunhamos, por um lado, que Deus é o Criador dos céus e da terra, o Criador de tudo o que existe. Que ele, por sua vontade espontânea, livre e soberana, fez, chamou à existência tudo o que há. 

Por outro lado, confessamos no Credo que algum dia virá das mãos do mesmo Deus o fim sobre toda a criação, quando Cristo vier para julgar os vivos e os mortos. E, assim, vemos que nosso Deus ultrapassa os limites da nossa piedade pessoal. Ele é o Deus do começo e do fim e da história do mundo. É o Deus que decretou o começo e decretara o fim: dos rios, dos prados, dos mares, do solo, das montanhas, dos animais, dos homens. O fim. 

Até há bem pouco tempo os homens tinham uma enorme dificuldade em compreender, em imaginar um fim do mundo. E este era talvez um dos aspectos menos aceitáveis da fé cristã. Hoje a possibilidade de um fim do mundo já aparece no horizonte. Hoje sabemos que o homem, com o poderio militar que vai desenvolvendo e armazenando, se defronta com a possibilidade de destruir o planeta em que vive.

E nós, cristãos, vivemos neste planeta Terra, nosso lar. Nós somos responsáveis por ele. Somos responsáveis pelos nossos conterrâneos. E, com nossos conterrâneos, vemos diariamente como vão sendo destruídas as possibilidades de vida ao nosso redor - como a água vai se tornando intragável, o ar irrespirável, as cidades inabitáveis - como sobre este nosso planeta-lar se ergue o fantasma do suicídio voluntário, criminoso.

Nós, cristãos, temos algo a ver com tudo isso. Por isso, convido-os a refletir um pouco comigo sobre um texto que o AT nos legou. Terminado o dilúvio, a arca de Noé pousa em terra seca. Obedecendo á ordem de Deus - que no AT é chamado de Javé No é e os animais saem da arca. E aí o texto de Gênesis 8.20-22 diz o seguinte: 

Então Noé construiu um altar para Javé. E ele tomou de todos os animais puros e de todos os pássaros puros e sacrificou holocaustos sobre o altar. Javé aspirou, então, o aroma apaziguador e disse, de si para consigo: Nunca mais amaldiçoarei a terra por causa do homem, pois o que o homem concebe em seu coração é mau desde a sua infância. E nunca mais ferirei tudo o que vive, como fiz. Enquanto existir a terra, não cessarão: semeadura e colheita, frio e calor, verso e inverno, dia e noite. 

II

Precisaríamos dias de conversa para penetrar toda a profundidade deste texto. Vamos ver se conseguimos captar pelo menos alguns pontos principais: 

1 - Enquanto existir a terra .... Isto é: a terra não existirá sempre. Enquanto existir ... - ela terá um fim, assim como teve um começo. E aquele que lhe deu o começo também lhe trará o fim. Eterno é Deus, o Criador; sua criação, no. A criação está limitada no tempo e no espaço. O Criador, não. Daí a sua incomensurabilidade. Portanto, a terra teve um começo e terá um fim. 

2 - Mas, até que venha este fim, diz Javé: Nunca mais amaldiçoarei a terra por causa do homem ... E nunca mais ferirei tudo o que vive como fiz. Eis aí uma garantia: Até que venha o fim decretado pelo Criador, não haverá no nosso planeta outra catástrofe universal como foi o dilúvio. Assim como daquela vez Deus não mais ferirá a terra. É claro, não deixarão de acontecer catástrofes - secas, enchentes, terremotos - mas nestas catástrofes sempre haverá sobrevivência. Não serão destruição total como foi o dilúvio. 

O Criador dá uma colher de chá. Prescinde de um direito que lhe cabe. E por quê? Qual é o motivo? 

3 - Porque o que o homem concebe em seu coração é mau desde a sua infância. Por este motivo, Javé decretara o dilúvio. E agora, Javé como que reconhece que nem o dilúvio conseguiu mudar o homem - e resolve aceitar o homem com a sua maldade - enquanto existir a terra. Enquanto existir a terra, Javé vai tolerar este homem, vai tolerar a nós, que somos maus desde a nossa infância. 

Meus amigos, nós estamos vivendo o tempo da longanimidade de Deus, o tempo da paciência, da tolerância de Deus. Como diz Calvino: Deus deveria castigar o homem com dilúvios diários. E ele não o faz. Pelo contrário. 

4 - Javé decide, por sua espontânea, livre e soberana vontade, que, enquanto existir a terra, não cessará aquele ritmo básico, sem o qual o homem e toda a criação pereceria. Mas Deus garante: estas condições básicas da existência não cessarão - semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite. Nem o homem do século XX, que administra sua técnica com titanismo, com sede de poder e ganância econômica, com desprezo pelo semelhante e com insensatez - nem este homem do século XX é capaz de anular esta garantia do Criador. Enquanto existir a terra, o homem poderá contar com essas condições básicas de vida: semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite. Apesar de ser mau desde a sua infância.

5 - Quando sentamos à mesa temos à frente o pão que vem dos trigais de Passo Fundo ou Ibirubá; temos o arroz que vem dos campos de Cachoeira; temos a carne que vem de Uruguaiana ou Livramento. Respiramos o oxigênio das plantas que dormiram no frio do inverno e vem desabrochar no calor da primavera e verão. E, se não morremos de cansaço, e porque a noite nos dá a calma para o repouso. E quando acordamos, o dia esta ar, com seu brilho e calor. 

Tudo isso, porque o Criador deu a garantia. Tudo isso, apesar de nós. Tudo isso, porque Deus decidiu, na sua vontade paciente e tolerante, que assim fosse. Nos só temos o pio, o arroz, a carne que comemos, o ar que respiramos, o descanso da noite, o calor do dia, porque Deus assim quer. Cada um desses é um presente da sua vontade. Um presente imerecido, incompreensível. 

6 - Por isso, meus amigos, nossa atitude diante deste nosso Deus Criador só pode ser aquela de Noé. Ele sai da arca e a primeira coisa que faz é um ato de culto, é entrar em contato com Deus. E, como Noé, só nos resta confessar, dia a dia: Se eu vivo, é porque tu me aceitas como sou e apesar do que eu sou. Se eu vivo, é porque tu na tua vontade me dás condições de vida. Para viver eu preciso da tua longanimidade, da tua paciência. 

Oremos: Senhor, nosso Pai, se nós vivemos, é porque tu nos aceitas como somos e apesar do que somos. Se nós vivemos, porque tu, tu, na tua vontade, nos dás condições de vida. Para viver nós precisamos da tua longanimidade, da tua paciência. Nós te agradecemos porque nos permites viver, porque nos dás as condições básicas de vida: semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite. E também porque nos dás seres humanos, que cruzam o nosso caminho, que falam conosco, que nos ajudam, que precisam de nós, que nos amam, que querem ser amados por nós. Dá que apesar da maldade desde a nossa infância saibamos contribuir para a vida do nosso semelhante. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 21º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Gênesis / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 20 / Versículo Final: 22
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 20327
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Nada pode nos separar do amor de Deus: nem a morte nem a vida; nem o presente nem o futuro.
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