Há 40 anos o Concílio Extraordinário ( Constituinte ) da IECLB

20/10/2008

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Em 1968 a Igreja da Paz acolheu um momento significativo na história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. 
 
Tinha muita coisa inquietante junto em 1968. Este Concílio ajudou a alterar  a lógica tradicional, buscou colocar a Igreja no espaço público mais aberto a novas vozes e maneiras de  levar a vida e a experiência de fé, num momento em que o regime militar se fechava ainda mais e vozes eram caladas.

A investidura dos Pastores Regionais Vath, Stoer, Burger e Kunert, presidida  pelo então Vice presidente Gottschald, na presença do Secretário Geral da Federação Luterana Mundial, André Appel, e do Pastor Wichmann,  Departamento do Exterior da Igreja Evangélica da Alemanha, por si só é ilustrativa. Os vitrais, em forma de mosaico, da Igreja da Paz em Santo   Amaro –  São Paulo, acrescentam um brilho que, no conjunto, transcende a biografia louvável e significativa dos líderes da época. Eles são testemunhas e   fazem alusão direta aos sonhos e expectativas de milhares de luteranos e luteranas nas respectivas Comunidades, um poder espalhado  que é tão ou mais decisivo do que o poder encravado na instituição. 

Fica a sensação  de que alguns dos impulsos libertários de 40 anos atrás se perderam. A Constituição aprovada  e  celebrada naquele Concílio parece  soterrada pelos anos e a  nova Constituição de 1997. A vitalidade de 1968 está justamente em não ver qualquer dificuldade em chacoalhar as instituições que ajudou a inventar.

É assim que 1968 sobreviveu a todas as amarras históricas, um sinal de que o princípio protestante, no poder do Espírito Santo, continuará atuando em nosso jeito e em nossa forma de promover a vida e de cultivar a fé nas comunidades – igreja, na sociedade e em nosso país.

Hermann Wille, Pastor
 

 


UMA IGREJA PARA UM NOVO TEMPO
Rolf Droste

Constituir-se como uma só Igreja, de matriz evangélica luterana, foi um marco histórico na vida da IECLB. Isso se deu em 1949, quando os quatro Sínodos formaram a Federação Sinodal. Outro marco destacado foi a decisão dos Sínodos históricos de abdicarem da sua personalidade jurídica para formar um só corpo eclesiástico, com um só estatuto e uma só direção e administração central. Esse processo teve o seu ápice no Concílio Extraordinário de São Paulo, realizado de 23 a 27 de outubro de 1968 na Igreja da Paz, em Santo Amaro.

A busca por união e unidade
Nos primeiros decênios depois da imigração alemã, com a qual aportaram evangélicos luteranos, predominou o individualismo de pastores e o independentismo das Comunidades. Mas havia pastores e Comunidades que sabiam que união e unidade significariam proteção e fortalecimento da vida eclesiástica. E quando os Sínodos se constituíram entre 1886 e 1912, verificamos que eles deixavam aberta uma janela para o relacionamento e até para uma caminhada conjunta com os outros Sínodos. O Pastor Dr. Rotermund, por exemplo, dirigiu o convite para a reunião de fundação do Sínodo Riograndense (1886) “aos pastores ordenados nas Comunidades Evangélicas no Brasil”. Mesmo assim, o caminho foi longo até a constituição da Federação Sinodal-IECLB e a inauguração da nova “casa eclesiástica”, em 1968, na qual as Comunidades ocupam o espaço, como membros constitutivos da IECLB, no lugar dos antigos Sínodos. Estes, tinham cumprido a sua tarefa de “preceptoras” (educadoras e formadoras). O passo da retirada de cena foi dado sem reservas, mas com alegria e na certeza de que era chegada a hora de ser uma Igreja para um novo tempo.

De que tempo estamos falando?
Falamos da conturbada década de 1960. No Brasil, vivia-se sob o regime militar. Na IECLB, era  o tempo das “escolas de líderes” da JE. Jovens da JE começavam a realizar encontros intersinodais. Falavam em ser uma só Igreja, sem as restritivas fronteiras sinodais. Os estudantes da Faculdade de Teologia da  IECLB realizavam “semanas acadêmicas” no recinto da Câmara de Vereadores de São Leopoldo, com palestras e discussões abertas ao público. Os migrantes estavam pondo os pés na estrada. Entre eles, muitos membros da IECLB. Em Brasília, membros da IECLB se reuniram em comunidade, e a IECLB criou a pastorado da nova capital federal. O Seminário de Pregadores foi construído em Araras-RJ, como sinal claro de que o lugar da IECLB não era de confinamento regional, mas de abrangência nacional. A Igreja sentia o desafio da responsabilidade social. O trabalho da Academia Evangélica, direcionado principalmente aos membros da Igreja,  realizava encontros de estudo sobre temas relevantes para a vida política, social e eclesiástica. O serviço da Mordomia Cristã abordava a questão do compromisso entre fé e dinheiro, pensando-se especialmente na manutenção dos serviços eclesiásticos com recursos próprios. Foi criado o Pastorado da Diaconia. A Legião Evangélica incorporara a Legião dos Construtores da Faculdade de Teologia e se tornara um trabalho intersinodal. Havia muitas comissões intersinodais. Ações de abrangência nacional se sobrepunham sempre mais às questões domésticas dos Sínodos. A Igreja assumia uma participação crescente em organismos ecumênicos mundiais, latino-americanos e brasileiros, como Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Federação Luterana Mundial (FLM), Confederação Evangélica do Brasil, Sociedade Bíblica do Brasil. A Assembléia da FLM estava marcada para 1970 em Porto Alegre (em última hora transferida por razões políticas para Evian, França). Estas são algumas facetas do tempo que se vivia na IECLB. Os Sínodos já não eram instâncias suficientes para corresponder ao que se passava no Brasil e na IECLB. A sua fusão atendia ao imperativo da hora. 

Fatores que favoreceram o processo de fusão dos Sínodos.
Destacamos, aqui, apenas três fatores. Primeiro: Bom número de pastores obtivera a sua formação teológica na mesma Faculdade de Teologia de São Leopoldo. A grande maioria já se conhecia do tempo de internato no Instituto Pré-Teológico, também no Morro do Espelho. Eram naturais de diversos Estados e Sínodos. Aqui, firmaram amizades profundas, que persistiram quando foram servir nos diferentes Sínodos. Segundo: A experiência de ser inexpressivo e viver isolado, feito durante as duas Guerras Mundiais, fortaleceu o desejo por união. Os evangélicos luteranos já vinham com aquela experiência negativa de “cidadania tolhida” pelas leis do Império. E nas Guerras Mundiais sofreram muitas injustiças por causa da sua origem étnica. Era chegada a hora de superar todos esses traumas, enfrentar a realidade de ser minoria na diáspora e assumir, de cabeça erguida, a missão de ser Igreja de Jesus Cristo no Brasil. Terceiro: A presença de um líder inconteste e confiável. A autoridade do Dr. Ernesto Th. Schlieper, Pastor Presidente da IECLB desde a morte de Dohms (04.12.1956), era reconhecida em todos os Sínodos. Era pessoa serena, de grande fé, teólogo profundo, paciente nas negociações e firme nas decisões. Dedicava atenção especial às Comunidades, à formação de obreiros, à missão e à responsabilidade ecumênica da Igreja. No entanto, não lhe foi dado participar do Concílio. Esteve hospitalizado em Porto Alegre, gravemente enfermo. Veio a falecer um ano depois, no dia 31 de outubro de 1969. Mas seu nome foi várias vezes lembrado durante o Concílio. Substitui-o, na direção dos trabalhos, o Pastor Karl Gottschald, Pastor Vice-Presidente da IECLB.

A pergunta para hoje.
Entrementes, passaram-se 40 anos desde o memorável Concílio de São Paulo. Relembrando o que ali foi dito e decidido, não é difícil ouvir a pergunta: E nós, estamos preparados e organizados para ser Igreja no nosso tempo?

 

De comunidades dispersas a uma estrutura eclesiástica nacional 40 anos de caminho
Rolf Schünemann

Quando duas pessoas procuram um cartório para casar no civil,  pressupõe-se que elas estabeleceram previamente algum tipo de aproximação, de conhecimento mútuo e de convivência. Ou seja, a vida antecede à lei. A lei, neste caso, procura regular as relações entre as pessoas. Procura dar estabilidade e segurança a estas relações com o fim de salvaguardar e promover a justiça e a equidade.

As leis e os regulamentos na vida eclesiástica obedecem a mesma lógica. Primeiro vem a vida de fé e depois a organização desta vida de fé sob algum dispositivo legal. A estruturação da IECLB passou por várias etapas. Começou com a organização das pessoas evangélicas luteranas em comunidades. Estas se estruturaram em sínodos em diversas regiões do Brasil. O passo final foi a unificação destes sínodos sob uma estrutura jurídica nacional.

Esta última etapa começou logo depois da II Guerra Mundial (criação da Federação Sinodal em  -1949 -, depois Federação Sinodal, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – 1954 – e apenas Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – 1962 -) e culminou em 1968 com a extinção formal dos Sínodos até então existentes e a aprovação de uma nova Constituição.

Durante o Concílio Extraordinário realizado em Santo Amaro – São Paulo em 1968 soaram os  sinos “fé”, “esperança” e “amor” da Igreja da Paz  após a aprovação de uma nova Constituição. Inauguro-se, assim, uma nova era nas relações intercomunitárias. A Constituição veio a ser um novo marco regulatório para a vida relacional das comunidades congregadas na IECLB com vistas a seu esforço testemunhal no território brasileiro.

É importante dizer que, apesar do fato de todas as questões legais da Federação Sinodal tivessem como foro a cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal até 1961), pela primeira vez se realizava um Concílio fora dos três estados do sul do Brasil. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil sinalizara anteriormente de forma afirmativa o desejo de superar um certo complexo de minoria e de isolamento. Criara o Seminário de Pregadores em Araras – Petrópolis/RJ.  Dera cobertura a iniciativas diaconais significativas em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Estabelecera-se em Brasília – a nova capital federal e adentrava  Mato Grosso e Rondônia.

1968 torna-se um marco, uma referência  para este novo momento de presença na cena brasileira. O discurso e a ação de uma igreja nacional encontra uma forma de articulação por meio de comunidades, distritos, regiões eclesiásticas em todo o país. Mesmo que a base da Igreja seja a comunidade, o saber-se parte de um corpo maior dá um tom e uma legitimidade nova para o testemunho. Findo o almoço de encerramento do Concílio, as lideranças seguiram para o lançamento da pedra fundamental do Centro Social Heliodor Hesse e Igreja da Ressurreição em Santo André/SP (então 10ª cidade brasileira em termos populacionais e parte da região do Grande ABCD). Lembramos o entusiasmo e a animação de dezenas de lideranças que viveram este momento importante da história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Em meio a acertos e erros, frustrações e alegrias, homens e mulheres procuraram ao longo de décadas fazer jus aos sonhos e projetos destas lideranças.
 

 

Extratos da ata de 1968:
“Deixando de existir como entidades eclesiásticas juridicamente constituídas e, fundindo-se, assim, num só corpo eclesiástico com jurisdição em todo o território Nacional, os Sínodos incorporados trans-ferem a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, já sob sua forma ora alterada, todas as suas atribuições e funções administrativas e eclesiásticas, passando a ser a referida Igreja, para todos os efeitos legais e sem solução de continuidade, a sucessora das entidades incorporadas.

Adotadas estas alterações, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil passa a ter como membros componentes e constituintes as COMUNIDADES EVANGÉLICAS dos Sínodos incorporados, sobre as quais es­trutura a sua organização e as suas atividades de Igreja de Jesus Cristo no Brasil,(...)”


Autor(a): Paróquia Santo Amaro
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Santo Amaro (São Paulo-SP)
ID: 1708
COMUNICAÇÃO
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Quem conhece Deus também conhece as criaturas, as compreende e as ama, pois, nas criaturas, estão as pegadas da divindade.
Martim Lutero
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