HOMENAGEM AO PROFESSOR
Mozart Noronha
Professor, tua função extrapola a condição de gênero.
No ventre do teu “eu profundo” engravidaste
E és pai e mãe de diversos seres que te escutam
E contigo se tornam sujeitos do conhecimento.
Tua alma tornou-se masculina e feminina.
Hoje, 15 de outubro, é o teu dia.
Na verdade todos os dias são teus
E tu és de todos os dias.
O tempo está sob teu ir e vir. Descer e subir.
Não sei se descansaste neste dia que te é dado.
Os teus alunos, professores em potencial,
Aproveitam este dia para dormir e brincar,
Enquanto tu despertas ciúme no teu companheiro
Ou companheira de vida quando nas caladas
Da noite te levantas e vais acariciar os autores
Que moram dentro dos teus livros
E, placidamente, repousam na tua estante.
Tu te levantas e tocas com o pensamento em cada um,
É a maneira segura de não despertá-los.
Nesta madrugada, levado pelos braços da insônia,
Desafiei a lei da gravidade e entrei na minha
Sala-biblioteca para dialogar com algum professor.
Entrei na ponta do pé e toquei em Castro Alves
Que logo despertou e não ficou zangado.
Bem humorado fez-me ouvir seu canto de ternura
Enquanto declamava “O LIVRO E A AMÉRICA”.
Falamos sobre a corrupção no Brasil e sobre a educação.
Estava indignado com a escravidão negra e branca,
Da mulher, do homem e da criança,
Certamente fofoca de algum anjo de esquerda
Pedi-lhe um conselho para os estudantes
Da Mackenzie-Rio a da Cândido Mendes.
Ele sorrindo e acariciando a vasta cabeleira
E o imponente bigode espalhado sob o nariz,
Disse-me com a voz firme e retumbante
Com os versos das “Espumas Flutuantes”:
“Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro – esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos”.
Fiquei encantado com a sabedoria
Do “poeta dos escravos” e pela devoção
Que tinha pelos mestres livros.
Com os olhos da imaginação eu vi
O realista Machado de Assis,
Que escreveu sobre a tragédia humana.
Vi o romântico José de Alencar
E o simbolista Cruz e Souza.
Todos no céu e amigos do poeta.
Como no céu não há espaço nem tempo
Eles, também, moram na terra,
E nas estantes dos professores.
Já era alta madrugada e minhas pálpebras
Escureciam a lâmpada da biblioteca-sala.
Pedi ao eterno jovem poeta mais um
Conselho para nós mestres e alunos.
Então ele, também com sono, vaticinou:
“Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.
Desejei boa noite ao mestre da poesia,
Que voltou para a companhia dos imortais.
Quando ia colocar meu corpo na horizontal
Lembrei do amigo e professor Ruy.
Pedi a Luís da Camões que tinha o olho
Aberto uma palavra sobre ele.
E logo o poeta dos poetas respondeu:
“E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte”.