Isaías 25.6-9

Auxílio Homilético

15/04/2006

 

Prédica: Isaías 25.6-9
Leituras: Marcos 16.1-8 e 1 Coríntios 15.19-28
Autora: Marga Janete Ströher
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 15/04/2006
Proclamar Libertação - Volume: XXXI

1. O contexto de Isaías

O conjunto do livro profético de Isaías corresponde a três épocas diferentes da história de Israel e seus embates com a dominação estrangeira: a época monárquica (início do séc. VIII e final do séc. VII), a época do exílio babilônico (séc. VI) e a época persa (séc. IV). Pertence, pois, a um círculo profético, com dinâmicas de continuidade e descontinuidade em tempo e espaço, não apenas a um profeta em particular. Formam em sua estrutura três livros diferentes.

A profecia de Isaías no livro chamado de Primeiro Isaías (cap.1-39) localiza-se em Jerusalém e demonstra que o profeta tinha proximidade com os círculos de poder e do templo (1.21; 6; 8.16-18; 14.32). Ele, contudo, não está de acordo com as instituições, mas fala a partir das tradições de Israel. Sua ênfase é o resgate da esperança no povo pobre e oprimido.

As esperanças isaiânicas transformam o templo, para que esse seja abrigo de pobres (14,32) e supere o davidismo do poder militar por outro da fragilidade das crianças (8,18 e 9,5). Ainda que Isaías saiba ver templo e davidismo de modo positivo, esse valor não reside no que essas instâncias sociais eram, mas do que poderiam vir a ser: lugares sem armas, espaços de crianças (veja o cap. 11).1

A composição literária está encharcada de linguagem simbólica, de metáforas e elementos litúrgicos (cânticos, aclamações, orações, louvor). E alguns conceitos teológicos são fundamentais em todo o livro; esse é convidado a ser lido a partir dessas chaves: a justiça, o direito e a salvação. O conceito de salvação corresponde à salvação política, social e espiritual e é desdobrado em várias outras expressões: libertar, remir, resgatar, fazer escapar.2 E, conforme Severino Croatto, nesse livro aparece desenhada a esperança na libertação, no retorno e na construção de uma sociedade justa. “O livro de Isaías aponta para a reconstrução da esperança nos momentos mais difíceis da vida do povo. Tal esperança, elaborada genialmente numa linguagem carregada de utopia, tem como meta a salvação, mensagem programaticamente condensada no nome de ‘Isaías’”3 – Javé salva.

2. O texto de Isaías 25.6-9

O texto de Is 25.6-9 faz parte do material de cunho mais litúrgico do bloco dos capítulos 24-27, que tratam da parte do caráter escatológico do Primeiro Isaías (1-39), conhecido como “Apocalipse de Isaías”. Não há consenso sobre a datação histórica desse bloco. A presença de idéias anti-urbanas (25.2,12; 24.10-12; 26.5; 27.10) pode representar uma resistência ao projeto helenista de urbanização, com a introdução de valores e estilos de vida mais identificados com a vida citadina.4

Nesse bloco, evidencia-se a esperança pela intervenção de Deus e pela transformação da realidade de Israel, pela esperança dos oprimidos, pela derrota dos poderosos e pela resposta salvífica de Deus. O texto reflete o período pós-exílico e a esperança pela restauração do povo de Israel, pela possibilidade de reconstruir uma nova vida e pela recuperação da auto-estima. A comunidade presente no texto corresponde às pessoas “que ficaram à margem dos benefícios que o domínio helenístico trouxe para a terra (...) comunidade alternativa, que alimentava a expectativa de um juízo de Deus que pusesse fim a esse abismo que separava o povo do sacerdote, o escravo do seu senhor, a escrava da sua patroa, o comprador do seu devedor, o devedor do seu credor (24.2)”5 .

Is 25.6-9 apresenta o banquete escatológico preparado por Deus, em cuja mesa todos os povos terão lugar. Em resposta às lágrimas, ao sofrimento e à pobreza, Deus preparará um banquete com pratos suculentos e vinhos saborosos e enxugará as lágrimas de cada rosto. No mesmo capítulo, há um tributo a Deus como a fortaleza do pobre e do necessitado (25.4), evidencia- do na expressão de louvor: “Eis que este é o nosso Deus em quem esperávamos, e ele nos salvará; este é o Senhor, a quem aguardávamos; na sua salvação exultaremos e nos alegraremos!” Ele vai retirar as evidências de morte e sombras de sofrimento de todos os povos e todas as nações (25.8). E atende- rá a necessidade, as carências e a fome de seu povo. As chaves de leitura de Isaías, a partir da justiça, do direito e da salvação, estão concretamente manifestas pela fartura de comida, pelo fim dos sofrimentos, pela superação da morte e pelo consolo de Deus-presente – Deus Emanuel.

3. Releitura de Isaías na perspectiva cristã

Isaías é um dos textos do Antigo Testamento mais usados pela tradição cristã. Mais uma vez, é apresentado para uma data cristã importante no cristianismo, com vínculos na tradição de fé judaica, a Páscoa. Faz-se assim uma releitura do texto, que não é uma mera atualização, mas também um exercício de propor outros significados ao texto, de modificar sua interpretação e interagir com o texto num contexto religioso substancialmente diferente daquele para o qual o texto foi escrito. Essa questão precisa ser considerada no momento de refletir sobre esse texto na perspectiva cristã. O que poderia ser destacado no texto é que o mesmo se caracteriza como uma confissão de fé e expressa um louvor que aponta para a ação histórica de Deus na vida de seu povo. Esse é um dos aspectos a serem destacados em relação ao significado do texto à luz da Páscoa cristã. A Páscoa caracteriza- se como uma reafirmação da fé em Jesus Cristo, um louvor por sua ressurreição e o resgate da esperança do povo. “O banquete, símbolo do reinar de Deus, passou a ser paradigma para o reino da alegria do Messias tanto no judaísmo como no cristianismo.”6

A metáfora do banquete escatológico refere também o banquete e a fartura do povo, tão necessária em tempos de fome e necessidade. Nomear o que necessitamos é um dos primeiros passos para a superação das carências. Uma pergunta reflexiva: Quais são os véus que encobrem o testemunho e a esperança da ressurreição em Cristo Jesus e quais véus encobrem a nos- sa vinculação com a vida em seu conjunto e com a presença de experiências de ressurreição na vida das pessoas? É uma reflexão provocativa: até que ponto a fé na ressurreição é alimentada e mobiliza para ações de transformação de experiências de morte em experiências de vida, descrença em esperança, carência em fartura, injustiça em justiça, sofrimento em consolo, desgraça em salvação? Ao mesmo tempo em que salientamos a ressurreição de Jesus Cristo, testemunhado no Evangelho de Marcos e em nossa ressurreição, na primeira carta de Paulo à comunidade de Corinto conectamo-nos com a tarefa de já colocar evidências da ressurreição por intermédio de posturas e atitudes éticas e de compromisso com a vida. O éschaton futuro está vinculado ao presente. Assim, Jesus desafia-nos a sair da perplexidade da transfiguração (Mt 17.1-8 e paral.) para descer e assumir a cruz do testemunho. Em Atos, é apresentado que a vinda de Jesus acontecerá da mesma maneira como subiu (At 1.11), ou seja, de baixo para cima.

3.1 – Possibilidades de trabalhar o texto em culto e estudos

Ao trabalhar o texto, destacaríamos as questões de direito, justiça, esperança e a alegria de compartilhar a ressurreição presente e futura. Como possibilidade de trabalhar o texto em pregações e estudos, apontamos dois subsídios, que podem ser utilizados separadamente ou em conjunto e que de forma explícita nomeiam as necessidades e os desejos de bem-estar e vida plena e abençoada: (a) uma música cantada pelos Titãs, Comida e (b) O pão nosso de cada dia na explicação de Martim Lutero, conforme o Catecismo Menor. Refletir, a partir do contexto da comunidade, sobre os sinais de ressurreição a serem colocados no mundo, vinculados com a esperança da ressurreição escatológica prometida por Jesus Cristo.

(a) Comida

Titãs

Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte, A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.


(b) Pai-Nosso
Quarto Pedido: O pão nosso de cada dia nos dá hoje.
O que significa pão de cada dia?
Tudo o que se refere ao sustento e às necessidades da vida, como, por exemplo: comida, bebida, roupa, calçado, casa, lar, meio de vida, dinheiro e bens, marido e esposa íntegros, filhos íntegros, empregados íntegros, patrões íntegros e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, amigos leais, bons vizinhos e coisas semelhantes.

3.2 – Uma oração

Páscoa7
Deus, criador do céu e da terra, que és como um pai e uma mãe para todos nós! Nós queremos agradecer porque podemos celebrar mais uma vez a Páscoa em nossa vida e comunidade.
Agradecemos porque Jesus veio ao mundo para nos tirar da prática do pecado, que leva à morte, e para nos chamar de volta para o caminho da vida. Agradecemos porque, por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo destruiu os poderes da morte. Ele nos oferece vida em abundância.
Perdoa-nos quando celebramos a Páscoa e não nos comprometemos com a ressurreição de Jesus Cristo, nem levamos vida para o nosso mundo, onde há tantos sofrimentos e sinais de morte.
Ajuda-nos a ser discípulos e discípulas de Jesus neste mundo. E permite que possamos celebrar a Páscoa com alegria pela vitória da vida sobre a morte. Amém!

Notas:

1 Milton SCHWANTES, Armas não armam tendas de paz, p. 208
2 Veja José Severino CROATTO, Composição e querigma do livro de Isaías, pp. 49-69
3 Veja José Severino CROATTO, Composição e querigma do livro de Isaías, p. 76.
4 Quanto a essa discussão confira Renatus PORATH, 21o Domingos após Pentecostes, pp.
258-259.
5 Renatus PORATH, 21o Domingos após Pentecostes, p. 259.
6 Renatus PORATH, 21o Domingos após Pentecostes, p. 260
7 Marga STRÖHER, Páscoa. In: Pastoral Popular Luterana, Orações para o seu cotidiano, p 64.

Bibliografia

SCHWANTES, Milton. Armas não armam tendas de paz: observações sobre Isaías 8,1-4. Estudos de Religião, n. 25, ano XVII, dez 2003, UMESP. pp. 207-214.
CROATTO, José Severino. Composição e querigma do livro de Isaías. Revista de Interpreta- ção Bíblica Latino-Americana, vol./n. 35/36 (2000). pp. 42-76.
CROATTO, José Severino. Isaías: A palavra profética e sua releitura hermenêutica. – vol. I: 1-19 – O profeta da justiça e da fidelidade. Petrópolis, São Paulo, São Leopoldo: Vozes, Metodista, Sinodal.
PORATH, Renatus. 21o Domingos após Pentecostes. In: SCHNEIDER, Nélio, DEIFELT, Wanda (Org.). Proclamar Libertação, v. 21. São Leopoldo: Sinodal, 1995. pp. 258-263. Pastoral Popular Luterana, Orações para o seu cotidiano. Palmitos: PPL, 1995.

 

 

 

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Autor(a): Marga Janete Ströher
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa

Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 25 / Versículo Inicial: 6 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23634
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