Isaías 40.25-31

Auxílio Homilético

29/04/1984

Prédica: Isaías 40.25-31
Autor: Augusto E. Kunert
Data Litúrgica: Domingo Quasimodogeniti
Data da Pregação: 29/04/1984
Proclamar Libertação - Volume: IX

 

I — Delimitação da perícope

Com Fichtner, entendo que a perícope inicia no v. 25. Faço meus argumentos:

1. O profeta começa, costumeiramente, seus testemunhos com uma pergunta.

2. O tratamento dado aos textos 40.12-17,18-24 e 25-31 apresenta flagrante semelhança.

3. O tema que perpassa as perícopes a partir de 40.12-31 é a majestade e a soberania de Deus.

4. As três perícopes (40.12-17,18-24 e 25-31) iniciam com uma pergunta e terminam com uma afirmação.

5. Tanto o v. 18, da pericope 40.18-24, quanto o v.25, da perícope 40.25-31, começam com uma pergunta muito semelhante: quem poderá comparar-se com Deus?

II — Algumas explicações sobre Dêutero-Isaías

O Livro de Isaías, como é chamado na Bíblia, compreende 66 capítulos. Afirma-se, de maneira generalizada, que ele se divide em três partes: caps. 1-39; 40-55; 56-66. Nesta compreensão, assim é colocado, os caps. 40-55 são da autoria de um profeta desconhecido, denominado Dêutero-lsaías. Conforme Horst Dietrich Preuss há bons motivos para diferenciarmos entre os autores dos caps. 1-39 e 40-55, ou seja, entre Isaias e Dêutero-Isaías:

A partir do cap. 40, nos fala, sem dúvida alguma, outra pessoa. Os caps. 1-39 se referem aos acontecimentos e à situação em Judá. Em contrapartida, os caps. 40-55 deixam reconhecer que: o povo de Israel não mais se encontra na área de Judá e de Jerusalém, mas está no Exílio da Babilônia (40.2; 42.14-22; 43,14; 46.1-3); Judá e Jerusalém estão destruídas (44.26s; 49.14-16; 51.3;-52.8s); o povo sofre séria agressão (42.22-25; 41.6-7); os opressores, ontem os assírios, são hoje os babilônios (47.1; 48.14). É importante verificar que as acusações contra situações injustas no terreno social e no campo político, tão típicas no profeta Isaias, não existem nos caps. 40-55. Admitimos, pois, que estes pertencem a outro profeta e se localizam historicamente no Exílio da Babilônia. Portanto, a época da atuação de Dêutero-Isaías compreende o período entre 597-539 (Preuss, p. 13).

Na interpretação de textos bíblicos é importante saber-se quem os pronunciou, quando as palavras foram ditas, em quais circunstâncias foram proferidas. Também estes textos (caps. 50-55) foram colecionados para que dessem testemunho no futuro. Os pronunciamentos foram importantes na situação histórica vivida pelo povo. Por isso, não se pode deixar de perguntar pelo lugar e pela situação em que os pronunciamentos aconteceram.

Deus fala através de pessoas. Faz delas seus mensageiros. E pessoas vivem seu momento histórico e são contemporâneas de outras. Elas vivem e falam em determinados períodos. Vivem em certos lugares e falam em situações históricas, guiadas por uma motivação e perseguindo um objetivo.

O profeta que chamamos de Dêutero-Isaías é um homem importante. É reconhecidamente um dos grandes profetas do AT. Sua mensagem profunda não teve validade somente em sua época, mas alcançou penetração central no NT. Dêutero-lsaías foi chamado de Evangelista do Antigo Testamento. E, afirma Preuss (p. 12), este profeta é um grande pregador e um grande teólogo, ao mesmo tempo.

III — O Domingo Quasimodogeniti e a perícope de Is 40.25-31

A indicação do texto Is 40.25-31 para o Domingo Quasimodogeniti me deixou um tanto intrigado. Não entendi, inicialmente, esta escolha. Quasimodogeniti é o primeiro domingo depois da Páscoa. O termo significa, em português: como os recém-nascidos; também se diz simplesmente: como os renascidos. Na comunidade antiga havia o costume de se batizar os novos cristãos na noite de Páscoa. E, assim conta a tradição, os recém-batizados participavam do culto no primeiro domingo depois da Páscoa, portanto no Domingo Quasimodogeniti, vestidos de suas vestes brancas de batismo. Os renascidos — esta ligação com a Páscoa faz sentido — se apresentavam à comunidade depois da ressurreição de Jesus Cristo.

Mesmo assim, por que a perícope de Is 4.25-31 neste domingo, como texto para a pregação?

Dêutero-lsaías é conhecido como anunciador da mensagem sobre o Servo de Deus, o escolhido sobre o qual está o Espírito (42.1). Especialmente o texto 52.13-15 e o cap. 53 tratam do Servo de Deus. Este Servo é o cordeiro levado ao matadouro. Ele foi traspassado pelas nossas transgressões. Este Servo levou o pecado de muitos e pelas transgressões intercedeu.

No contexto do sofrimento dos exilados, quando nenhuma esperança lhes restava, veio-lhes a mensagem do Deus presente, do Deus Criador, do Deus soberano e atuante. Isto, de maneira especial se manifesta no texto 40.25-31. Este texto é a confissão da presença de Deus que atua em favor de seu povo. É o Deus da História que se manifesta no sofrimento como o Deus que tem misericórdia de seu povo. Na sua atuação se evidencia que o plano de Deus para com o seu povo é de paz e de redenção. Deus, o soberano, o Senhor, o Criador não se fatiga e não se cansa. Ele renova e transmite novo alento aos cansados e oprimidos. Parece-me que a indicação da pericope 40.25-31 para o Domingo Quasimodogeniti pretende ressaltar que Deus, o Criador, Deus, o Soberano, Deus, o Senhor do mundo e da História, que não se cansa e não se fatiga, agiu em favor de seu povo no Servo de Deus que vai como cordeiro ao matadouro para redimir o seu povo, trazendo-lhe nova vida, nova esperança.

IV — Exegese

A perícope 40.25-31 faz parte dos textos chamados de discussão teológica (Preuss, p. 52), e, nesta roupagem, traz uma das mais belas palavras de consolação do Livro de Isaias (Fichtner, p. 284).

O profeta tem a intenção de testemunhar a glória e a soberania incomparáveis de Deus, querendo superar nos exilados as dúvidas e preocupações que surgiram com insistência no novo e estranho ambiente da Babilônia. A pergunta, colocada na boca de Deus, com a qual o profeta introduz a perícope, A quem, pois, me comparareis...?, prepara a resposta: com ninguém e com nada Deus é comparável. Ele é o único, o soberano, o incomparável. Ele é santo. Pergunta semelhante à do v. 25 é feita já no v. 18, seguindo-se. então, o anúncio do senhorio de Deus somente a partir do v. 22. A pergunta do v. 25 recebe resposta no v. 26. Os ouvintes ou os leitores são estimulados a levantarem ao alto os vossos olhos e vede para constatarem quem criou estas coisas. A resposta do profeta é instantânea: O que faz sair o seu exército de estrelas... A capacidade e o poder de Deus são ilimitados. Ele tem a mais ampla supervisão, por isso as estrelas são bem contadas. Ele as conhece todas, pois as '.'chama pelo seu nome. E este Deus, Todo-Poderoso, criador e soberano, não se descuida das coisas pequenas, mas marca presença em sua criação a tal ponto que, em referência às estrelas, por exemplo, nem uma vem a faltar.

Os exegetas consultados são unânimes em reconhecer no testemunho do profeta uma maneira sublime de louvar o poder criador e a soberania de Deus.

O Criador, em sua sabedoria e entendimento, conhece as estrelas (v. 26). Ele faz com que estejam, noite após noite, brilhando no céu. Elas, conforme o termo SABA, que significa exército de guerra, patrulham o firmamento. Estas colocações, talvez até um tanto simplórias, são maravilhosas em sua compreensão do senhorio de Deus, diz Fichtner (p. 286). Não podemos esquecer o contexto em que vive Israel, no Exílio, nem podemos deixar de considerar o ambiente religioso da Babilônia. As estrelas representavam para os babilônios deuses ou o trono dos deuses. E estes deuses, na concepção religiosa dos opressores, determinavam o destino dos homens. Esta concepção exigia do povo que as estrelas fossem adoradas como figuras representativas dos deuses. Em tal realidade, dominada pelo politeísmo, entra o testemunho do monoteísmo que anuncia Deus como Criador e Senhor soberano, ao qual os deuses da Babilônia estão submissos; eles são um nada, como criação perante o Criador. O Deus do Primeiro Mandamento é o Senhor, nosso Deus, a quem devemos temer e amar e confiar acima de todas as coisas. O profeta dá um testemunho muito corajoso. Na época, o culto astral dominava na Babilônia. Marduque era o deus-sol; o próprio rei era o sumo sacerdote do deus-sol e, com isso, seu representante na terra. Trata-se aqui de uma confrontação com a religião seguida pelo dominador de Israel. Nesta confrontação a mensagem do profeta entra em choque com o rei da Babilônia e com toda estrutura religiosa do pais.

Ao mesmo tempo, o profeta tem um recado importante para o povo exilado. O ambiente politeísta deve ter influído sobre os israelitas. O texto dá a entender que o povo se sentiu abandonado por Deus. As palavras o meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu direito passa desapercebido ao meu Deus (v.27) são exemplo do que se passava no pensamento dos exilados; dão conta da confusão, pelo menos das dúvidas e até das queixas que surgiram no povo. É bem provável que sob influência do politeísmo babilônico, o mesmo desejo, que outrora levava o povo a querer deuses visíveis e palpáveis (lembre o bezerro de ouro) induzisse novamente muitos israelitas a quererem acompanhar os costumes do seu meio ambiente. Esta tentação se manifestou periodicamente em Israel. Jr 8.2, Sf 1 .5 e Dt 4.1 9 nos dão referências a respeito.

Com o seu testemunho, o profeta destrona os deuses-estrelas do culto astral. Estas nada mais são senão feitura das mãos do único e soberano Deus de Israel. Elas são obra do Criador. O profeta com a sua pergunta, Quem as criou? (v.26), nega qualquer caráter divino às estrelas.

Vv. 27-28: Nestes versículos nos é dada a seguinte mensagem: o Deus soberano e santo vem em auxilio de seu povo no sofrimento. As queixas apresentadas como perguntas, .o meu caminho está encoberto ao Senhor e o meu direito passa desapercebido ao meu Deus, pertencem ao rito de lamentação em uso entre os exilados (Westermann, p. 51). Contra estas queixas o profeta lança a pergunta combativa: Por que, pois, dizes ó Jacó e falas, ó Israel? (v.27). Sua intenção é a de contestar formulações tradicionais e já estéreis, mas ainda em uso no rito de lamentação. Em Judá, os profetas combatiam o esvaziado culto de sacrifícios de animais; no Exílio, Dêutero-lsaías combate o estéril culto de lamentação. (Westermann, p. 52)

TEBUNAH (v.28) é um termo comumente empregado para ressaltar a sabedoria de Deus (40.14; Jr 10.12; Sl 147.5). A expressão também é usada, porém em menor grau, para apontar Deus como orientador da História. Mas, basicamente, afirma Fichtner, não podemos divorciar a TEBUNAH de Deus, como Criador, da TEBUNAH de Deus, como regente do mundo. Deus não se cansa nem se fatiga, mas faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. (Fichtner, p. 289) Isto significa que a ação criadora de Deus é presença atuante na História. E esta é a mensagem central de Dêutero-lsaias

Esta visão é importante exatamente na situação em que vivem os exilados na Babilônia. Deus alcança a Babilônia. Ele sabe do seu povo no Exílio. Não se esqueceu do caminho do povo. O Deus Criador, soberano e regente da história do mundo é o Deus poderoso e forte que não se cansa nem se fatiga. No seu entendimento, criou o mundo e também o governa. É verdade que o poder de Deus nem sempre se faz visível em nosso meio. É característico da santidade de Deus que seus planos e sua ação muitas vezes sejam inescrutáveis ao homem; ou, como o diz o salmista, tal conhecimento é maravilhoso demais para mim, sobremodo elevado, não o posso atingir (Sl 139.6-7). Não se trata, porém, de resignação; antes, de uma confissão de respeito diante da majestade, da sabedoria e do poder de Deus. A confissão é a manifestação da fé de quem experimentou a presença de Deus. Daí a confissão vem a ser expressão de confiança, uma palavra de estimulo, de esperança. Esta é a intenção da confissão do profeta, pois, como diz Voigt, onde pessoas chegaram ao fim de suas possibilidades, Deus começa a atuar decididamente (apud Fichtner, p. 289).

Vv. 29-31: Nestes versículos encontra-se a consolação de Israel. Os exilados são os cansados e fatigados. Todo o grande trecho 40.12-28 pode ser considerado um ensaio, a preparação para o grande anúncio da misericórdia de Deus que age em favor de seu povo. Os cansados e fatigados estão diante de Deus e, no paradoxo das formulações do v. 29, acontece a dádiva de Deus. O paradoxo é desenvolvido nos vv. 30 e 31. Os fortes e vigorosos caem. Os cansados e aniquilados seguem no caminho. A identificação dos cansados e fatigados com os que esperam no Senhor não se refere a qualquer possibilidade humana, mas atesta que o poder criador de Deus transforma e renova. Assim, a perícope, tida como hino sobre a majestade e soberania de Deus, distingue-se pela mensagem de que Deus usa de misericórdia, renova dando forças aos fracos, revigorando os que nele esperam. O Deus misericordioso vai em auxílio do povo em sofrimento.

V — Meditação

1. O texto contém o testemunho de Dêutero-lsaías à comunidade no Exílio. O povo vive em um meio ambiente religiosa e culturalmente estranho. A cultura e a religião, interdependentes, começam a influir sobre muitos israelitas. Sentimentos de abandono, de ausência e até de fraqueza do Deus de Israel se fazem presentes, provocando queixas em uns, desinteresse em outros. Não faltam os simpatizantes com o politeísmo babilônico.

Constatado o desânimo de grande número dos exilados, o profeta, carinhosamente, procura conquistar o povo, chamando-o de Jacó e de Israel. Com o nome Jacó, do terceiro dos pa-triarcas de Israel, lembra a promessa de Deus: dar-te-ei esta terra, a ti e à tua descendência (Gn 28,13)? Ele lembra a promessa de Deus de estar com o seu povo: guardar-te-ei por onde quer que fores (Gn 28.15). Lembra que Deus prometeu cuidar de seu povo: porque te não desamparei, até cumprir eu aquilo que te hei referido (Gn 28,15).

A designação do povo como Jacó e Israel tem um sentido todo especial — já para Oséias a denominação Israel tinha o sentido de povo, de nação — e recorda toda história entre Deus e o seu povo. Em Os 11.1 isto se mostra com bastante clareza: Quando Israel era menino, o amei, e do Egito chamei o meu filho. Os termos Jacó/lsrael significam o auge da identificação de Judá (Fichtner, p. 287). O profeta, ao estabelecer a linha histórica do povo da Aliança, testemunha a convicção de que Deus está com o seu povo também no futuro, de que o mesmo Deus que fez maravilhas no passado em favor de seu povo, haverá de agir também no hoje e no amanhã de sua vida É importante mantermos presente todo este pano de fundo para compreendermos o posicionamento de Dêutero-lsaías. A comunidade no Exílio, pelo menos boa parte de seus membros, tem uma memória curta da História. Vivem o momento, esquecendo-se do grande auxílio de Deus, recebido em outros tempos. Esta situação se assinala, quando o profeta, bom conhecedor do pensamento e da conduta do povo, usa as lamentações em voga, o meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu direito passa desapercebido ao meu Deus (v.27), para mostrar a Israel sua ingratidão e sua injustiça para com Deus. À afirmação de Sião, o Senhor me desamparou, o Senhor se esqueceu de mim (49.14), o profeta contra-argumenta: Acaso pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama? (49.15). Com este posiciona-mento, o profeta quer fornecer subsídios para que os abatidos e cansados sejam reanimados e não se deixem vencer pela ideia improcedente de que Deus não vê o sofrimento do povo, de que Deus se esqueceu de seu povo no estrangeiro. O profeta argumenta que os olhos de Deus não enfraqueceram e que o seu braço não ficou curto; ele enxerga o sofrimento e alcança o seu povo na Babilônia.

2. Considero importante que o pregador ouça e ausculte o que se passa em sua comunidade, tendo em vista toda problemática experimentada pelo nosso povo. Vivemos uma época marcada pelo sincretismo. Deparamo-nos com o esvaziamento de valores evangélicos nas comunidades, como de resto na sociedade. Costumes e elementos teológicos estranhos à nossa confissão luterana penetram nas comunidades e nem sempre nos estamos dando conta disso, ou não estamos examinando tais acontecimentos com a devida responsabilidade pastoral.

A maioria dos canais de televisão, das rádios e dos jornais mantém um programa ou um espaço para o horóscopo. Isto, em pleno século XX não evidencia uma semelhança ao culto astral na Babilônia? As estrelas, deixando de ser no conceito do horóscopo mera criação do Deus soberano e criador, não passam a ser deuses que regem a vida de tantas pessoas?

O texto, como um hino sobre a majestade de Deus e sua soberania de criador, nos dá larga margem para pregarmos no sentido do Primeiro Mandamento e dizermos à comunidade, em conformidade com a explicação de Lutero, que a nossa esperança, o nosso amor e a nossa confiança devem pertencer a Deus, nosso único Senhor, e nunca se fixar nas coisas criadas ou em imagens nem em ideologias humanas. A conclusão da pericope, e com ela do cap. 40, explode na alegria, no júbilo, na exaltação do poder criador e renovador de Deus entre os que nele confiam e os que nele depositam sua esperança, pois: Os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fadigam (v.31).

3. O pregador deve evitar a falsa ideia de que a reanimação dos cansados e a revigoracâo dos fatigados se dá por suas próprias forças. É bom olhar bem o texto. O sujeito da frase faz forte ao cansado e o Deus criador e renovador. Aquele que multiplica as forças é o Deus soberano que nos diz no Primeiro Mandamento: Eu sou o Senhor, teu Deus. O cansaço e a fadiga vêm, como diz Lutero, do nosso estado pecaminoso. São fruto de nossa fraca fé. São consequência da substituição de Deus por deuses que passamos a colocar no altar da vida e dos nossos interesses.

O v.30 nos lembra que chegamos ao fim de nossas forças, que se esgotaram as nossas possibilidades, que terminaram as nossas condições humanas. O nosso mundo confessa, em grande parte, ídolos e deuses. A própria Cristandade sofre com esta doença. Somos fracos na missão. Temos medo ou vergonha de confessar o nome de Deus, como Senhor e Salvador, em muitas situações. Vivemos muitas vezes um comportamento de duplicidade. Separamos o sacro do profano, comportando-nos dentro do templo de uma e fora dele de outra maneira. Com isso não é de admirar que, fracos na missão e no testemunho, fiquemos devendo ao mundo a mensagem da salvação em Jesus Cristo, e que neste mundo os deuses comecem a tomar assento e passem a orientar os homens em sua vida e decisões. Não é por acaso que em nossa realidade brasileira a injustiça fale muito alto, que os problemas sociais se avolumem, que a discriminação aumente e que a violência esteja nas ruas.

Também entre cristãos registramos muito cansaço. Não faltam, em nosso meio, as queixas dos que dizem: todo meu esforço, todo meu trabalho e tempo investidos foram inúteis! Alerta o texto: os que esperam no Senhor, renovam as suas forças. Este é o momento decisivo.

Esta compreensão é determinante para o pregador e para a comunidade. O posicionamento do pregador vai orientar a mensagem que a comunidade há de receber. Eis ai um importante aspecto do recte docere. Lutero lembra no hino da Reforma, Deus é castelo forte e bom (Hinos do Povo de Deus, n° 97), que a minha força nada faz, sozinho estou perdido. Realmente, é Deus quem se faz forte nos fracos. É o poder de Deus que age no cansado e revigora o fatigado. É Deus, em seu poder criador, quem dá a nova vida.

Também a Igreja existe e vive unicamente da graça de Deus. Nas situações mais difíceis e amargas, ela é fortalecida no testemunho dos grandes feitos de Deus em seu favor, os quais Deus realizou — nos tempos tanto do AT quanto do NT e também de hoje — em favor do povo da antiga e da nova aliança. O conhecimento, na fé, da presença criadora e renovadora de Deus sempre foi e continua sendo alento e vida para o cristão e a Igreja toda. Assim, a pregação levará ao ouvinte cansado e fatigado a mensagem da presença e da ação criadora e renovadora de Deus que vem para fazer forte o cansado e multiplicar as forças ao que não tem vigor.

4. Com a pergunta do v.25 o profeta testemunha a santidade, o entendimento, o poder criador e renovador de Deus. É um hino sobre a majestade e a soberania de Deus, culminando na sua ação presente e nos seus grandes feitos em favor de seu povo. O Deus soberano não se fecha em si, mas olha pelo fraco, considera o fatigado, valorizando o pequeno e o sofredor. Os vv.30-31 salientam esta atitude. Eles contêm uma mensagem para os jovens que se cansam e para os moços exaustos.

O pregador tem aqui boa oportunidade para envolver-se com o problema de muitos jovens cansados numa sociedade marcada pelo desentendimento, pela violência, pela injustiça, numa sociedade saturada, na qual uns poucos vivem em abundância e outros passam fome e morrem por falta de atendimento médico-hospitalar. É dada a oportunidade para considerar o drama dos tóxicos a envolver jovens, cansados e desiludidos, que carecem de orientação evangélica. É dado o momento para apontar a exploração do homem pelo homem, numa conduta de manipulação, de uso e abuso do poder, de rejeição do irmão que é participante do mesmo povo da aliança de Deus.

No uso da figura sobem com asas como águias, devemos evitar o mal-entendido de que os que confiam no Senhor ficam imunes a quaisquer preocupações e dificuldades, escapam a quaisquer prejuízos, como se a confiança no Senhor fosse um salvo-conduto ou a documentação de imunidade para iodo tipo de percalços no caminho da vida. Não podemos esquecer que o Reino de Deus, tem a dupla dimensão do já agora e do ainda não.

5. É evidente a preocupação do texto em testemunhar Deus, como Criador e Senhor do mundo. A partir daí somos chamados a reconhecer nossa responsabilidade para com a criação de Deus. Recebemo-la como dádiva. Não somos seus donos; antes, somos por ela responsáveis como despenseiros (mordomos). Assim, o texto nos oferece mais outra possibilidade para a pregação. O pregador pode, a partir do testemunho de que Deus é Criador e Senhor do mundo, abordar a problemática ecológica, que tanto amedronta os homens na atualidade. O problema ecológico tem diversas facetas a serem consideradas tanto no seu aspecto de poluição, de erosão, quanto no seu aspecto de destruição pela ação nuclear.

6. Os exilados pensavam que Deus os tinha esquecido na Babilônia, que Deus não via seu sofrimento e que o seu braço não os alcançava no estrangeiro, pois o meu caminho está encoberto ao Senhor. A perícope contesta que o Deus santo e soberano está presente e vem para ajudar e consolar o seu povo. Para não nos fixarmos entre nossos muros nem nos fecharmos entre nossas quatro paredes comunitárias e brasileiras, cabe-nos apontar, a partir do pensamento de que o povo de Deus é um, para a participação ecumênica, olhar para além de nossas fronteiras. E lá vamos encontrar irmãos e comunidades em sofrimento. Vamos ver que enormes problemas se abateram sobre as comunidades. Na América Latina, lembramos a situação muito séria na Nicarágua e em El Salvador. Não podemos deixar de ver os irmãos em sofrimento sob um regime marxista-comunista, que nega a Deus como Criador, Senhor e Salvador, como ocorre, por exemplo, na Etiópia, onde os cristãos sofrem prisão por obedecerem a Deus mais do que aos homens (At 5.29), confessando o nome de Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

Como hei de situar-me nesta problemática toda? Como dirigir-me à comunidade que também sofre situações muito duras com a inflação, com o desemprego e com tantas outras pressões já enumeradas? De maneira alguma devo despachar as coisas simplesmente para cima dos ouvintes. Nem posso partir para cima deles de maneira paternalista ou de forma legalista. A sensibilidade da poimênica pastoral é indispensável. A comunidade deve sentir minha participação, minha identificação com o seu sofrimento. A problemática existente não é assunto dos outros, mas nosso. Não é viável querer ficar de fora para dar-lhes conselhos sábios. A participação e a identificação ligam o pregador com o ouvinte, com os que sofrem. E, no testemunho da fé no Deus Criador e Senhor do mundo — que é meu Deus e teu Deus, que declara sua presença e sua fidelidade para com o seu povo, que se revelou em sua plenitude no seu Filho Jesus Cristo que morreu e ressuscitou para buscar o que estava condenado e perdido — pode renascer a esperança, fortalecer-se a fé que renova e revigora os cansados e fatigados.

VI — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Eterno Deus e Pai. Deixas teu povo viver mais uma Páscoa. Em meio à alegria com este acontecimento, ficamos com a consciência ferida, ao reconhecer a nossa fraqueza e a nossa falta de atuação. Silenciamos em muitas situações que exigiam o testemunho de tua presença. Falamos seguidamente ferindo irmãos. Ficamos em silêncio, quando irmãos necessitavam de uma palavra de conforto. E não testemunhamos o teu nome como o Senhor ressurreto e o Senhor da vida. A nossa culpa por silêncio, por omissão e por incompreensão é muito grande. Estamos diante de ti, o doador da nova vida e da esperança, em toda a nossa pobreza. A tua Páscoa, Senhor, nos questiona e chama para o arrependimento. E, confiando que tu fazes forte o fraco e revigoras o cansado, aproximamo-nos de ti com o nosso pedido: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor, o teu povo da nova aliança em Jesus Cristo está reunido em culto de louvor, adoração e de agradecimento. Unimos nossas vozes em canto, em oração e na confissão de fé. Fizeste grandes coisas em favor de teu povo. Chamaste-o e continuas a chamá-lo para que viva em comunhão contigo e se mantenha a comunhão entre os membros de teu povo. A ti agradecemos pelo anúncio da tua Palavra que nos diz de tua ação em favor de teu povo; que nos testemunha que tu, Criador do mundo, continuas presente entre nós para que no Evangelho de teu Filho Jesus Cristo tenhamos vida e a tenhamos em abundância. Concede-nos, Senhor, o teu Espírito Santo para que ouçamos com alegria a tua palavra que o pregador de hoje, na mensagem de Isaias, nos traz como orientação e testemunho de tua ação em nosso meio. Fala, Senhor, e deixa-nos ouvir como servos obedientes que se dispõem para o serviço. Amém!

3. Oração final: Agradecemos-te, Senhor nosso e Deus nosso, pela mensagem da vida que recebemos com a tua Palavra. Agradecemos peto testemunho da tua presença e fidelidade para conosco. A tua Palavra é a vida. Ela nos fortalece quando ficamos fracos. Ela nos revigora quando ficamos fatigados. Ela nos é nova vida e nova esperança. E queremos levar conosco, para a semana de trabalho que se inicia, o conhecimento de tua presença em nossos afazeres e compromissos. Deixa-nos, Senhor, viver na tua presença, trabalhar sob a tua orientação, ser iluminados por ti no convívio com os irmãos e no encontro com as pessoas. Usa-nos. Senhor, como tuas testemunhas, numa sociedade perturbada e tão cheia de conflitos. Faze-nos servos fiéis e prontos para o serviço cristão em favor dos marginalizados, dos oprimidos, dos injustiçados e dos que sofrem pela fome ou pela doença, pelo desentendimento no matrimônio ou pelo relacionamento prejudicado com outras pessoas, pelo desentendimento com os próprios filhos ou por uma culpa não confessada. Na certeza de tua presença no mundo, suplicamos-te peta nossa libertação na fé em Jesus Cristo; suplicamos-te pela dádiva do Espírito Santo, para que fortaleças a união, e nos ponhas a caminho dos irmãos, e nos faças mensageiros da tua graça. Amém!

VII — Bibliografia

- DUHM, B. Das Buch Jesaja, 5a ed. Göttingen, 1968.

- ELLIGER, K. Deuterojesaja. In; Biblischer Kommentar — Altes Testament. Vol. 11. Neukirchen/Viuyn, 1978.

- FICHTNER, J. Meditação sobre Isaías 40.25-31. In: Herr tue meine Lippen auf. Vol. 5. Wuppertal, 1964.

- PREUSS, H.D. Deuterojesaja — Eine Einführung in seine Botschaft. Neukirchen/VIuyn, 1976.

- WESTERMANN, C. Das Buch Jesaja — Kap. 40-66. In: Das Alte Testament Deutsch. Vol. 13. Göttingen, 1966.


Autor(a): Augusto E. Kunert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 2º Domingo da Páscoa
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 40 / Versículo Inicial: 25 / Versículo Final: 31
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1983 / Volume: 9
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13445
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