Isaías 43.1-7

Auxílio Homilético

17/07/1977

Prédica: Isaías 43.1-7
Autor: Ricardo Nör
Data Litúrgica: 6º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 17/071977
Proclamar Libertação - Volume: II

I - Texto

1 E agora, assim diz Javé,
aquele que te criou, Jacó,
e aquele que te formou, Israel:
Não temas, porque eu te libertei,
chamei-te pelo teu nome -
pertences a mim!

2 Quando passares pela água, contigo estarei,
quando (atravessares) os rios,eles não te submergirão.

Quando andares pelo fogo, não te queimarás,
e a flama não te chamuscará.

3 Pois eu, Javé, sou teu Deus,
o Santo de Israel, teu Salvador.
Eu dou Egito como resgate para ti,
Cuxe e Sebá para ti como tuas cidades.

4 Pois és preciosa em meus olhos,
merecedora de honra, e eu te amo,
dou povos para ti,
e nações para tua vida.

5 Não temas! porque contigo estou eu,
a partir do nascente trago tua descendência
e do poente te reúno.

6 Digo ao norte: Dá (cá)!
e ao sul: Não detenha!
Trazei os meus filhos de longe,
e minhas filhas dos confins da terra.

7 Tudo o que é chamado com o meu nome,
para minha honra criei, sim, fiz!

1.1 - Preliminares

Déutero-lsaías (Dtis), profeta desconhecido que atuou entre os exilados na Babilônia após a destruição de Jerusalém em 587, anuncia o presente oráculo de salvação em contraposição à perícope precedente, 42.18-23 (24-25), que trata da culpa antiga agora perdoada.

O oráculo de salvação tem seu lugar vivencial na liturgia de um culto de lamentação no qual o indivíduo (ou a comunidade cultual) expressa a sua dificuldade (perseguição, doença, ameaça de morte, etc.) bem como o seu pedido por auxílio divino, através de textos (salmos) já existentes. Em seguida, o oficiante do culto, como porta-voz divino, anuncia a resposta de Deus em forma de oráculo. Todo o ato litúrgico, formalmente rígido, encerra-se com o voto de agradecimento por parte do indivíduo (ou povo).

A perícope forma uma unidade tanto em conteúdo como em forma. Os pontos de contato nos versículos l e 7 estabelecem o fecho da unidade:

aquele que te criou... - para minha honra criei . . .
chamei-te pelo teu nome.. . tudo o que é chamado como meu nome...

A estrutura da perícope compõe-se das seguintes partes:

v. 1a (introdução),
vv. 1b - 3a (parte 1),
vv. 3b - 4 (parte 2),
vv. 5 - 6 (parte 3),
v.7 (objetivo).

O texto trata do retorno do povo de Israel à terra natal: não há empecilho intransponível no caminho (parte 1), mas sim resgate em quantidade (parte 2), de forma que os que estão dispersos vêm de todos os lugares (parte 3).

III - Observações exegéticas

V. l - Entre os exilados, a crise de fé era um fato evidente diante de uma situação que se configurava definitiva. Dentro deste contexto, o não temas adquire caráter extraordinário. A mudança, o novo que agora vem, é introduzido pelo e agora, pois assim diz Javé. Aquele que se revela como o Criador, portanto, como o único Deus, levará tudo a termo segundo a sua vontade soberana. Será um segundo êxodo em direção ã pátria, mais importante do que o primeiro (52.1-12).

A criação é mais do que um ato isolado no início do mundo. É a intervenção de Deus sempre renovada no desenrolar dos acontecimentos. A libertação de Israel é também ato criador (cf. Mt 24).

Como pano de fundo da expressão chamei-te pelo teu nome está, provavelmente, um costume jurídico no qual aquele que da o nome assume a obrigação pela subsistência e a proteção jurídica, a semelhança de uma criança adotiva, sobre aquele que recebe o nome. Israel como um todo, resultado da fusão anfictiônica, não é tratado como massa impessoal, mas como povo composto de indivíduos.

O caráter peculiar de Israel é que apenas a esse povo Javé chama pelo seu nome.

V. 2 - Absolutamente nada impedirá Israel de percorrer o caminho do exílio ã terra pátria. Javé é o criador e senhor da natureza. A designação de dois elementos naturais contrários, no idioma hebraico, pode ser indicação para a totalidade. O perigo através de água e fogo abrange toda a gama de ameaças as quais o povo estará exposto quando do regresso à Palestina. Os riscos aqui descritos fazem lembrar Ex 14. também Lc 10.19.

V. 3 - O v. 3a sublinha mais uma vez o efetivo cumprimento da promessa. O Santo é, para Dtis, Javé como aquele que tem poder ilimitado para realizar a sua vontade.Ao denominar-se o Santo de Israel, ele revela que a sua vontade tem por alvo específico este povo, sendo que o teor desta vontade encontra-se explicitada na aposição teu salvador. A exclusividade de Javé adquire ainda maior relevância ao se considerar o meio ambiente no qual a mensagem do profeta ë anunciada, repleto de deuses, bem como a situação de fracasso e fraqueza dos exilados.

Para a libertação pertence também, naturalmente, o pagamento. Javé concede fabuloso resgate: pela pequena Israel, o grande Egito mais Cuxe e Sebá (designativos para países ricos), portanto, todo o então conhecido nordeste da África.

V. 4 - A linha de pensamento é interrompida com a fundamentação em 4a que não apenas diz porque Javé paga o resgate como também certifica o seu amor.

Israel não tem valor em si mesmo, mas nos olhos de Javé. Pensamento enfatizado no segmento seguinte: (porque és) digna de honra....

O amor de Deus não se baseia na reciprocidade. Israel faltou no seu relacionamento com Deus. Independentemente disso, porém,permanece inabalável o comportamento incompreensível de Javé - fato que se constitui em verdadeiro consolo para a comunidade exílica. Aqui se vê claramente o significado de eleição: um grupo pequeno e insignificante recebe -a declaração de amor de Deus: é a vocês, justamente a vocês que eu amo. Deste modo é estabelecido o contraste: Javé, o Senhor da história - Israel, o povo no exílio. Neste ponto se fundamenta a proclamação do profeta (40.1).

O v. 4b não só atesta o mesmo que o v. 3b como o ultrapassa. Israel é de tal forma valiosa para Javé que ele se dispõe a dar ainda mais povos e nações.

Tudo indica ser Ciro o recebedor do resgate (44.28- 45.1ss).

Vv. 5-6-O dito de salvação em 5a é seguido pelo anúncio que promete o retorno dos exilados dispersos pelos quatro pontos cardeais.

Com o não temas, o profeta anuncia aos exilados a mesma maravilhosa presença de Javé que os pais puderam experimentar quando das guerras santas.

V. 7 - Tudo o que é chamado com o meu nome = Israel. O acento do todo está colocado na honra de Javé. Aquele que criou Israel também se preocupará em manter o seu povo livre de necessidades. Javé quer um povo no qual ele possa revelar ao mundo a sua magnificência. Tudo é realizado para que Deus seja honrado (cf. o paralelo com João 12,28).

Escopo: Javé criou o seu povo (v. 1) e, como ele ama a sua criação (v. 4), conduzirá tudo para a sua honra (v.7).

IV – Meditação

A palavra de Deus no AT é sempre projetada para dentro de uma situação concreta, no caso em questão, para o povo de Deus no exílio. A perícope anterior, 42.18-25, afirma que Deus teve que castigar o seu próprio povo tão duramente porque ele se distanciara do seu Senhor. A perda de víncu¬lo com Deus gera surdez e cegueira, enquanto que a convergência à ele faz abrir os olhos (cf. II Co 3.16).

A nova realidade com Deus é estabelecida em 43.1-7: a libertação é proclamada, e, com isso, a culpa antiga é apagada (cf. também 40.1-11).A mensagem de Dtis quer tirar o medo do povo de Israel bem como lhe recobrar a confiança na plena ação salvífica de Deus. O profeta, na verdade, não tem resposta sua que possa ajudar os exilados em sua situação crítica. O que ele faz é anunciar, com poder profético, o e agora de Javé.

Se bem que esta palavra é dirigida especificamente a Israel, ela tem validade para todos os tempos. Um aspecto: tempos de privação, vistos a partir de Deus, são fases da sua história salvífica. Sabemos também, através do NT, que o conceito de povo de Deus foi estendido a todos os que crêem em Jesus Cristo (l Pe 2,7-10).

O tópico da ameaça da existência humana, para dentro do qual penetra o não temas, poderá servir de ponto de contato entre o texto e os ouvintes de hoje. O profeta fala não apenas de um povo que perdeu a sua terra, mas, fundamentalmente, a sua relação com Deus. Decisivo, portanto, não são os acontecimentos externos, mas o relacionamento com o Criador e Senhor da vida.

Quais são os medos de hoje? Sem dúvida eles apresentam sintomas diferentes dos de então, mas a raiz é a mesma em todos os tempos: a ruptura com a base do ser, Deus.

Neste contexto se poderia tocar no aspecto da angústia, do sentimento de vazio, da solidão e abandono, tão marcaates nos dias atuais, e anunciar a declaração do amor de Deus: Não temas... chamei-te pelo teu nome... Sim, existe alguém que nos conhece, que nos chama pelo nome!

Aqui se deve ter o cuidado de evitar a redução da questão ao plano apenas do indivíduo. Inegavelmente, a pregação de Dtis tem forte conotação pessoal, porém aqui é falado do povo de Deus como um todo.

A partir de 1b é possível também desenvolver uma pregação referente ao batismo. Tal empreendimento, contudo, seria um desvio do sentido original que o texto apresenta.

A pericope 43.1-7, se bem que prevista para o 6o Domingo após Trindade, é apropriada para o início do ano ou para novos inícios - o que é válido para qualquer época. A perícope fala da ação salvadora de Deus. E Deus é aquele que possibilita novos inícios - sempre de novo! A pregação, centrada no não temas, será permeada por um caráter de júbilo e alegria. Ela irá descrever a grande girada de Deus em direção aos homens instaurando uma nova realidade em meio à calamidade. O aspecto importante não é a superação das adversidades naturais descritas no texto (água e fogo) ou ou¬tras quaisquer, mas a palavra que acalma o homem tirando-lhe o medo e dando-lhe esperança.

Quem profere esta palavra é Javé, o Criador, o Senhor dos acontecimentos, o Deus que se voltou em amor aos homens de forma definitiva em Jesus Cristo - o e agora de Deus em pessoa! Por isso esta palavra permanece válida ao longo do tempo, mesmo em situações de perigo, ameaças e tentações pelas quais o povo de Deus passou e continua passando. Povo este disperso por todo o mundo e a caminho de volta para casa.

Deus é o único condutor da ação salvífica. Ele é quem cria, forma, livra, chama. A ele, pois, toda a honra (v.7) - ponto culminante do texto!

Ao homem cabe aceitar o que Deus dá.

Aqui vale a observação de que o não temas não é reivindicação ou imperativo - mas afirmação! Apelos são por demais batidos e devem ser evitados. Além disso, sua influência é negativa para a correia compreensão desta alegre proclamação de libertação.

Um esquema de prédica:

a) Medo: características, causas.
b) Consolo: Deus, aparentemente oculto, não permanece no silêncio. Ele declara o seu amor.
c) Esperança: O povo de Deus, mesmo ainda em meio ao exílio, já ouviu a sua libertação. A comunidade cristã é lugar de esperança - Deus é fiel.


Bibliografia

- WESTERMANN.Claus. Das Buch Jesaja. In: Das Alte Testament Deutsch.Vol. 19.Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 1966.
- DUHM, Bernhard. Das Buch Jesaia.5a ed., Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 1968.
- VON WALDOW, Hans Eberhard. ...Denn Ich Erlöse Dich Eine Auslegung von Jesaja 43. Neukichener Verlag, 1960.
- ELLIGER.Karl. Jesaja II. In: Biblischer Kommentar. Neukirchener Verlag, 1973.
- CALWER PREDIGTHILFEN. Vol. 3. Calwer Verlag, Stuttgart, 1965.
- PREDIGTSTUDIEN. Ano 1970/1971.


Autor(a): Ricardo Nör
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 7º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 43 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 7
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1977 / Volume: 2
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13397
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