Isaías 50.4-10

Auxilio Homilético

18/09/1994

Prédica: Isaías 50.4-10
Leituras: Tiago 2.1-5,8-10,14-18 e Marcos 8.27-35
Autor: Marga Janete Ströher e Valdemar Schultz
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/09/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX


1. Contexto e texto

1.1. O nosso profeta

O assunto dos capítulos 40-55 é bem distinto dos demais capítulos de Isaías. Este bloco de capítulos é atribuído a um profeta sem nome, desconhecido. Como chamá-lo? Dêutero-Isaías soa um tanto quanto secundário, assim como Segundo Isaías.

A problemática vivida pelo nosso profeta desconhecido acontece na Babilônia, no exílio, na época do 6° século a.C. Interessa-nos o que esse profeta traz de esperança em meio à derrota e ao sofrimento de um povo distante da terra santa. Semelhante aos Salmos 96 e 98, o profeta faz ressoar um cântico novo no lugar da tristeza e do choro de um povo sem esperança, às margens do rio da Babilônia (SI 137). Através dos cantos e poemas, o povo das aldeias agrícolas dos deportados assimila e anuncia os oráculos de Javé, de tal forma que as palavras do profeta tornam-se uma profecia comunitária. Conforme Milton Schwantes, essa poderia ser uma razão para explicar o caráter anónimo desse escrito. A esperança vai se tecendo em meio a cantorias nos pequenos espaços que o opressor permite.

Nos interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito à mão, escrito à luz de velas, quase na escuridão (H. Gessinger/A. Licks — Engenheiros do Havaí).

A esperança maior é o retorno do exílio. O retorno é uma tentativa de reconstituição e reconstrução do velho a partir do novo. À luz da experiência da opressão em terras estrangeiras na época dos faraós, tenta-se construir um novo projeto de vida. A vida tornou-se totalmente profana. A terra em que viviam não é a mesma que Deus havia dado para o trabalho do povo. Até o alimento que colhiam já não tinha mais o mesmo sabor da ação de graças. O templo, agora destruído, está a centenas de quilômetros, e não se pode mais oferecer sacrifícios. O rei está exilado, e devem obedecer a um outro rei cruel e idólatra. A Tora já não é mais a determinante da vida cotidiana. A vida é regrada por leis, costumes e ritos pagãos. E a aliança? Os profetas se cansaram de advertir, mas o povo se fez de surdo e cego (Is 42.20). Será que o compromisso de Javé com seu povo, começando com Abraão e gloriosamente consagrado pela saída do Egito, havia terminado?

Mas Javé é aquele que está assentado sobre a redondeza da terra (...) e reduz a nada os príncipes, e torna em nulidade os juizes da terra (Is 40.22 e 23). ( ) nosso profeta conclama o povo para a renovação da aliança com Javé para o segundo êxodo da história.

A vida, que até então foi amarga, agora soa melódica e dá vigor à caminhada para o retorno: Saí de lá (Is 52.11). A ordem é sair da opressão e voltar à terra santa, que traz a liberdade. A saída não será como uma fuga, mas uma libertação de Javé. Ele proclama justiça e restaura o seu povo. As derrotas não são somente derrotas, mas vitórias para muitos = todos (Is 53.11). Aí está o motivo para o canto: Saireis com alegria (Is 55.12-13). O exílio não é destino. A Babilônia é terra de passagem. É preciso atravessar mais uma vez o deserto rumo à libertação.

1.2. O nosso texto

O nosso texto é um poema em forma de lamento, muito parecido com a confissão de Jeremias (20.7-13). Ele é o terceiro dos quatro cânticos, que B. Duhm propôs como um conjunto coerente dos capítulos 42, 49, 50 e 52-53. A interpelação entre esses textos é discutível, uma vez que se podem identificar diversos servos neles. Contudo, a redação final nos parece traçar uma sequência na história do servo sofredor, na qual o nosso texto tematiza a resistência e a confiança no Senhor, que se coloca como juiz entre os que escutam o servo e os seus adversários.

A missão desse servo sofredor no exílio passa pelo sofrimento e pela perseguição. Ele é ferido, arrancam-lhe os cabelos, é afrontado e Cuspido (Is 50.6). Mas sua persistência supera a perseguição. A fé no Senhor não o deixa se dar por vencido: tem o rosto como um seixo (Is 50.7). A sua esperança e insistência é na justiça divina (50.8-9). O servo não somente sofre; também defende os fracos e os pobres. Sabe dizer boa palavra ao cansado (50.4). O Senhor está presente a cada instante para dar-lhe a sua Palavra e comunicar-lhe a sua força. O profeta se vê isolado, uma vez que, além de sofrer perseguição pelas palavras duras que dirige contra a Babilônia (Is 47), também sofre repúdio por ter chocado o povo com as suas censuras (Is 48).

2. Meditação

O tema mais conhecido deste Segundo Isaías é o do servo sofredor. O termo Servo do Senhor aparece vinte vezes. A dimensão desse servo, ora indivíduo, ora coletivo, deve ser localizada na trajetória histórica do povo de Israel em busca de sua libertação. A tradição teológica dos cânticos de Isaías levou muita gente à espiritualização e a uma individualização do caráter do servo sofredor. O texto do Evangelho de Marcos 8.27-35, uma das profecias de Jesus sobre sua morte, previsto para a leitura neste domingo, pode induzir a uma aplicação imediata do nosso texto ao evento da cruz. Esse é o perigo de quem faz uma leitura linear da história da salvação. Martírios têm sido justificados por um idealismo introspectivo do tipo super-herói das dores, que consola todos com a sua própria morte. Esse tipo de fatalismo muito serviu e ainda serve à classe dominante da nossa sociedade, para deixar o povo pobre passivo de qualquer tipo de revolta. No Jesus crucificado, derramando seu sangue na cruz, o povo pobre e sofrido identifica as suas dores e, como Jesus, alcança a graça quem sofrer calado, sem reclamar de nada.

O servo do Segundo Isaías não é somente alguém perseguido, que passivamente sofre as dores de sua tortura, mas ele tem um projeto de transformação. A aparente derrota e a tristeza, que representa o exílio, são transformadas em vitórias, e a meta é retornar à terra santa. Para isso, o servo anuncia, questiona, consola e defende os cansados, sofridos e empobrecidos. A sua linguagem é conhecida de todos. Basta o primeiro toque, e todos cantam o resto da canção.

A esperança e o projeto de vida que o povo do exílio articulou motiva outros povos, em outras épocas e espaços, a articularem a sua esperança e o seu projeto de libertação dos exílios contemporâneos. Os migrantes de Rondônia se sentem, muitas vezes, como exilados ou ilhados do restante do Brasil. Eles compreendem hoje que a migração foi um processo forçado para dar vazão aos conflitos de terra e ao inchaço das cidades grandes no centro-sul do país.

As condições de produção e comercialização daqui são diferentes das áreas de grande produção latifundiária. A infra-estrutura para educação, saúde e urbanização é sempre deixada para segundo plano. Nas isoladas terras do norte, os migrantes se referem, muitas vezes, aos seus lugares de origem como se estivessem fora do Brasil: Quando a gente morava no Brasil ... O isolamento económico e político é sentido na vida prática. As diferenças são expressas nas perguntas que são feitas: Por que o saco de arroz aqui vale a metade do que lá fora?; Por que aqui não tem médico bom?; Por que falta remédio?.

Os migrantes experimentam um exílio na própria terra: a exclusão dos direitos à vida básica. O nosso povo agricultor, negro c índio é o povo exilado do acesso às riquezas sociais que ele mesmo detém ou produz. O seu sofrimento é semelhante ao sofrimento do servo do Senhor. Carrega nos ombros o sinal de cansaço. Mas Deus é solidário com o seu povo. Ele abre os ouvidos de um povo que foi feito surdo. É preciso ter confiança e confessar com o profeta: O Senhor Deus me ajuda (50.7,9). É preciso ter o rosto firme como uma rocha. Se Deus é a favor de seu povo, então quem pode condená-lo?

3. Passos para a prédica

3.1. A prédica deveria confrontar o sofrimento do povo de Deus no exílio com o sofrimento do povo pobre e marginalizado de hoje. A acepção de pessoas, conforme Tiago 2, virou uma prática comum em nossa América Latina: pela marginalização dos povos indígenas, pela exclusão dos negros e por uma pauperização cada vez maior da classe trabalhadora em geral.

3.2. Seja no plano individual ou coletivo, em toda e qualquer caminhada há sempre o momento de desânimo e de cansaço, principalmente sob perseguição e ameaça. Esse é o momento da prova de resistência da fé. Não há pessoa que tenha fé e força suficientes a ponto de superar todas as crises. A f é é graça. A resistência brota da confiança no Senhor da história, que não abandona os seus: cansados, humilhados e sofridos. A segunda parte da prédica poderia enfocar a persistência na caminhada e a luta pela transformação da realidade de morte e miséria em novidades de vida. Essa persistência se deve à total confiança: O Senhor me ajuda (50.7,9).

3.3. Em um terceiro momento se poderia fazer uma ponte entre o servo sofredor e o evento da cruz, apontando, contudo, para o perigo de uma aplicação imediata, que leva a um fatalismo e a uma imobilidade da classe oprimida. Jesus crucificado é para nós o mesmo Jesus ressurreto, o Senhor da vida. A cruz não é uma derrota, mas a vitória de Deus sobre a morte (l Co 15.55; 2 Co 13.4). Jesus Cristo não é somente um servo sofredor, mas defensor dos pecadores, cansados e marginalizados. A aparente derrotada cruz torna-se vitória para muitos, isto é, para todos e todas.

4. Subsídios litúrgicos

1. Intróito: Vejam isso os aflitos e se alegrem: quanto a vós outros que buscais a Deus, que o vosso coração reviva. Porque o Senhor responde aos necessitados e não despreza os seus prisioneiros. Louvem-no os céus e a terra, os mares e tudo quanto neles se move (Sl 69.32-34).

2. Confissão de culpa: Amado Deus! Não escondas o rosto e nem feches os ouvidos daqueles que te buscam ansiosamente. Muitas pessoas ao nosso lado sofrem, são injustiçadas. Nós te confessamos que, muitas vezes, somos egoístas, pensando e agindo apenas em favor de nossa própria vida. Não nos deixes acomodados em nossa vida cristã, corrige os nossos passos, desperta os nossos corações, perdoa os nossos pecados e renova a nossa vida pela força do teu Santo Espírito. Que não tenhamos medo do sofrimento, da perseguição e da inveja alheia quando defendemos os cansados, tristes e injustiçados. O Senhor nos ajude e tenha piedade de nós!

3. Palavra da graça: Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? (Rm 8.31b-32).

4. Oração de coleta: Graças te damos, nosso Senhor Jesus Cristo, que também somos chamados para ser parte do teu povo. E como teu povo queremos te pedir que a tua palavra seja repartida entre nós e que a Boa Nova do evangelho nos desafie a irmos ao encontro de todas as pessoas, grupos e povos marginalizados em nossa comunidade, sociedade e país afora. Dá-nos perseverança e força para não desanimarmos como membros de teu corpo na construção de um mundo onde haja mais solidariedade, justiça e igualdade de vida entre as pessoas. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém!

5. Oração final: a) Agradecer pelo conforto, orientação e avanço que pessoas da comunidade e grupos sociais marginalizados alcançaram; desafiar a comunidade a se interessar pelos seus doentes, idosos, crianças abandonadas, povos indígenas, ou seja, pelas pessoas marginalizadas mais próximas de sua situação de vida; b) lembrar que todo o engajamento em favor de marginalizados resulta em momentos de crise e perseguição. E, mesmo que não haja perseguição direta, a crise e o desânimo em geral acompanham a vida de fé da comunidade. Mas Deus nos ajuda quando confessamos os nossos limites e nos dispomos mais ao seu serviço em humildade; c) lembrar que o sofrimento não deve ser idealizado como algo divino, do tipo: Morreu porque Deus quis. Jesus nos dá a vitória sobre a morte e nos desafia a vivermos em novidade de vida, o que significa colocar sinais concretos de vida digna, justa e fraterna no mundo.

5. Bibliografia

WIENER, Claude. O Dêutero-Isaías. O profeta do novo êxodo. 2a ed., Paulinas São Paulo, 1984.
SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no Exílio. História e teologia do povo de Deus no século VI a.C. Sinodal/Paulinas, São Leopoldo/São Paulo, 1987.


Autor(a): Marga Janete Ströher e Valdemar Schultz
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 50 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 16159
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