Isaías 50.4-10

Auxílio Homilético

01/10/2006

Prédica: Isaías 50.4-10
Leituras: Marcos 8.27-35 e Tiago 2.1-5,8-10,14-18
Autor: Martin Norberto Dreher
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 01/12/2006
Proclamar Libertação - Volume: XXXI

Para Milton Schwantes,

profeta sexagenário,

lembrando velha amizade

1. Introdução

Tratamos desse mesmo texto em estudo homilético para o Domingo da Paixão (Ramos). Aqui devemos levar em conta um novo contexto do ano eclesiástico. Encontramo-nos no tempo comum, tempo comum a todas as comunidades, tempo de reflexão sobre a vida do cristão e da comunidade. Nosso texto de pregação é um hino de lamentação, no qual foram intercalados elementos de discurso de apelação de uma pessoa acusada. Lamentação é sempre lamentação na presença de Javé, por isso não é por acaso que nosso hino também contém fortes elementos de confiança.

2. Texto

v. 4: Somos confrontados com uma pessoa que constantemente ouve Deus. Tem um ministério da palavra dirigido ao “cansado”.

v. 5: Obediente a Deus, não foge à incumbência que recebeu. Nada sabemos das razões que o levaram a se “retrair” ou a ser “rebelde”. Ele simplesmente é fiel.

v. 6: Sofreu abusos de toda espécie.

v. 7: Deus, contudo, fortaleceu-o: fez seu “rosto como um seixo” e não passou vergonha (cf. Ez 3.8-9). Por isso,

v. 8: provoca seus adversários a um debate jurídico: que apareça o promotor!

v. 9: Tem certeza da proteção de Deus e de que seus adversários serão corroídos, assim como o vestido é comido pelas traças (cf. tb. Is 51.6,8).

Nossa perícope é um texto marginal ao grande texto sobre o servo de Javé, mais conhecido: Is 53. Não tem a profundidade nem a abrangência daquele texto que fala sobre aquele que carregou sobre si nossas enfermidades e nossas dores. Traz, contudo, alguns aspectos nos quais a comunidade deveria se aprofundar.

O texto fala de uma pessoa que vive no século VI a.C. ou do próprio povo de Israel. O que esse texto tem a ver com a comunidade cristã do século XXI? Nunca é demais lembrar, principalmente entre cristãos, que a cruz de Jesus é também a cruz de sua igreja. Ela, é verdade, nem de longe precisa enfrentar todas as profundezas do abandono pelo qual passou o crucificado. No entanto, tudo o que acontece na igreja está sob o signo da cruz de Jesus. Seguir Jesus é seguir o crucificado. Nunca é demais lembrar que o apóstolo Paulo levava em si os estigmas de Jesus (Gl 6.17), a morte de seu senhor (2 Co 4.10). Também os que precederam Jesus viveram sob o sinal da cruz: “Assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5.12). Onde a ação de Deus se encontra com a ação pecaminosa do ser humano só existe uma opção: juízo – ou sofrimento. Em qualquer lugar onde se sofre por causa da vontade de Deus, a cruz de Cristo está presente. Isso também se aplica ao servo de Javé. É esse o motivo que nos faz reconhecer a sina de Jesus, de seu seguidor e de sua comunidade no servo, que ainda não conhece Jesus, mas que vive na comunidade de seu Pai. O próprio Jesus e a primeira comunidade interpretaram o sofrimento do Cristo e de sua comunidade a partir dos textos que nos falam do servo de Javé. É por isso que também podemos interpretar a caminhada de sua comunidade a partir desse texto. Para isso aponta a leitura do evangelho (Mc 8.27-35), e a epístola (Tg 2.1-5,8-10,14-18) lembra que o ser desfigurado faz parte da vida da comunidade.

3. Meditando

Na grande confissão do servo de Deus, tudo parece estar concentrado no significado do sofrimento. O centro está em 5b, 6 e 7. A temática do sofrimento não é nem pode ser questão marginal para a comunidade. Faz parte de sua missão, que se dirige aos que sofrem fome, que estão sem pátria, sem direitos fundamentais, e que se expressa em seu compromisso de ser voz dos que não têm voz e de interceder por todos os que foram abandonados. Contudo, seria terrível a comunidade esquecer que há um sofrimento dos servos de Deus, que acontece por causa de Cristo. É justamente por meio do sofrimento de sua comunidade, de seus missionários, de seus men- sageiros que Deus promove sua obra. As sentenças nas quais o servo de Deus assume o sofrimento e faz dele sua ação são revolucionárias. Se Jesus sofre, a caminhada de seu seguidor não pode fugir ao sofrimento (Fp 3.10s).


Em 1833, Friedrich Schleiermacher afirmou: “Agora os tempos de perseguição por causa do evangelho pertencem ao passado”. Ledo engano. As maiores perseguições a cristãos aconteceram no século XX e repetem-se no século XXI. Mesmo assim, deparamo-nos com uma igreja que vive alheia ao martírio, ao sofrimento. Grupos que só podem ser considerados pós-cristãos proclamam: Pare de sofrer, existe uma solução! Ausência de sofrimento é explicada como conseqüência da obediência à vontade de Deus. A partir de Jesus, essa ausência de sofrimento só pode ser entendida como desobediência. É conseqüência de uma comunidade que deixou de proclamar o juízo de Deus sobre todas as maldades. Por outro lado, não é assim que, masoquisticamente, ser cristão signifique estar pedindo constantemente a Deus que ele nos mande sofrimento: Fazer do sofrimento medida para a piedade não é fé, mas câimbra. Câimbra é conseqüência de falta de potássio. A força da salinidade e da luminosidade cristãs depende da compreensão do sofrimento de Cristo.

Aqueles cristãos que no século XX participaram do atentado de 20 de julho de 1944 contra Hitler, pagando com a própria vida por seu testemu- nho, souberam que, ao ser executados por causa de sua ousadia, eram “por- que fui eleito para ser condenado por ser cristão e por nenhuma outra causa” (Helmuth J. Graf von Moltke). As recentes mortes de Dorothy Stang e Doraci Edinger também devem ser vistas nesse contexto. Aquela pessoa que testemunha a Jesus Cristo pode passar por sofrimento semelhante, mas pode também – e disso deve ter certeza como o servo sofredor – ter auxílio semelhante: nas horas mais difíceis não encontra auxílio junto a seres humanos, nem o necessário apoio. Agora, se Deus é seu refúgio, então pode suportar com maior facilidade, pois está em comunhão de sofrimento com Cristo.

Na pregação, o pregador está convidado a ler o texto a partir do Espírito Santo. Falar a partir do ouvir como um discípulo, ser escarnecido por ser testemunha (mártir) de Deus, esperar justiça, leva-nos a perguntar pelo Espírito Santo. A dimensão do Espírito de Deus não está ausente dos hinos do servo de Deus (cf. Is 42.1). Ela está por demais presente no Novo Testamento: “Porque as palavras que disserem não serão de vocês mesmos, mas virão do Espírito do Pai, que fala por meio de vocês” (Mt 10.20). Quando uma comunidade é difamada, então repousa sobre ela “o glorioso Espírito de Deus” (1 Pe 4.14).

Talvez o texto auxilie o pregador a reaprender a dignidade, a difama- ção, a pobreza e a riqueza que acompanham seu ministério. O pregador está chamado a ser testemunha de Cristo. Haverá melhor descrição de seu ministério do que Is 50.4 e 5? Os vv. 5b e 6 não falam aquilo de que gostaríamos de fugir? Instintivamente, gostaríamos de ser amados, reconhecidos e aclamados. Preferimos o espírito de época. Se isso estiver acontecendo, se não se manifestar mais nada das contradições experimentadas pelo servo sofredor, então deveríamos perguntar-nos se ainda estamos ouvindo a voz e seguindo o Mestre. Quem anuncia a palavra de Deus não experimentará apenas honra, mas também incompreensão, desprezo, vergonha. Não deveria ter vergonha de ser “lixão do mundo” (parafraseando São Paulo).

Fazemos parte do grande processo de Deus em relação ao mundo, como podemos ler nos vv. 8 e 9. Quem, afinal de contas, é o senhor deste mundo? Os cristãos crêem em Jesus Cristo, o qual “crucificado em estado de fraqueza, vive pelo poder de Deus” (2 Co 13.4). Crendo nele, estamos ao lado do vencedor, mesmo quando tentados. “Assim, com a nossa fé conseguimos a vitória sobre o mundo” (1 Jo 5.4).


Bibliografia

SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no exílio. História e Teologia do povo de Deus no século VI a.C. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulinas, 1987.
SCHWANTES, Milton. Sexta-feira da Paixão: Isaías 50.4-9a (9b-11). In: van KAICK, Baldur (Coord.). Proclamar Libertação. Auxílios Homiléticos vol. V. II. São Leopoldo: Sinodal, 1977. pp. 28-33.
WIENER, Claude. O Deutero-Isaías. O profeta do novo êxodo. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1984.

 


Autor(a): Martin Dreher
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 50 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23670
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