Isaías 55.1-5

Auxílio Homilético

12/06/1983

Prédica: Isaías 55.1-5
Autor: Nelson Kilpp
Data Litúrgica: 2º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 12/06/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII


I — Conversando com o texto

Os caps. 54 e 55 formam o último bloco temático de Dêutero-Isaias. As unidades ajuntadas neste bloco tratam da época de salvação que se estabelecerá após a libertação do cativeiro babilônico e do regresso dos exilados a Judá. Frequentemente se alude ao tema aliança nestes capítulos. A linguagem da união conjugal (54.1ss), o uso do titulo Santo de Israel (54,5;55.5), a menção de Noé (54.9), a aliança da minha paz (54.10), o sinal eterno (55.13) são característicos deste tema, do qual também trata o nosso texto (v.55.3b).

V. 1: A figura conhecida do feirante que apregoa aos berros a sua mercadoria é usada pelo profeta para chamar a atenção do povo para a importância de sua mensagem. Os seis imperativos deste versículo confirmam isto. Podemos imaginar-nos a insistência deste vendedor ambulante (compare com o vendedor de enciclopédias que não quer desgrudar). A sua mercadoria destina-se aos sedentos e famintos: oferece-se água e cereal (comprar = comprar cereal), nada menos do que o básico para a sobrevivência do ser humano.

Duas observações: já no primeiro versículo, o mercador interessado em vender transforma-se em feirante que oferece seu produto gratuitamente (não é promoção de venda). A figura também é desenvolvida em outra direção: adquirindo o essencial para a sobrevivência, pão e água, adquire-se também o supérfluo, vinho e leite (também a gordura do v.2). A mensagem do profeta trará a subsistência básica e também a fartura.

V. 2: Introduz-se aqui um novo pensamento: em vez de adquirir o que lhe sacia a sede e a fome, o povo esbanja seu salário em coisas inúteis. O profeta ataca a concorrência. Há outros feirantes a fazer propaganda de seus produtos. Seria uma alusão às ofertas levadas pelos exilados aos deuses babilónicos? Ou pensa-se nos altos custos de uma integração no sistema sócio-cultural babilônico? Não sabemos. Certo é que o profeta teve que contar com forte concorrência (que também oferecia sentido de vida, felicidade, status). Comparadas à sua mensagem, as ofertas da concorrência são simples desperdício de tempo e dinheiro, porque não satisfazem (em última análise, são ilusão).

No v.2b, fica claro pela primeira vez que a mercadoria oferecida é uma mensagem (ouvi). Agora abandona-se a figura do feirante. Alude-se ao banquete (depois das compras vem a festa). O conteúdo da palavra profética é verdadeiro banquete de gala, onde se come do bom e do melhor. Os finos manjares (Almeida) são os pratos gordurosos (A gordura era considerada o melhor petisco. Cf. os fanáticos do churrasco que também preferem a carne gorda).

V. 3a: O ouvir toma conta da figura, apesar de o vir a mim ainda fazer alusão ao banquete do versículo anterior. Menciona-se agora que o objetivo da palavra a ser transmitida pelo profeta é vida para o povo: ouvir representa (sobre) viver. Este é o nó que amarra tudo o que foi dito até aqui: água e pão garantem a sobrevivência: vinho, leite e gordura significam vida em abundância.

A vida do povo é o que interessa ao profeta e a Deus. É claro que não se trata da vida da alma (assim Almeida), mas da vida das pessoas, dos integrantes do povo. (Estranho a incoerência de Almeida: no v. 2b ele traduz a vossa alma corretamente pelo pronome pessoal vós; por que no v. 3a também não traduz vós vivereis?)

V. 3b: Até agora não sabemos como o profeta se imagina esta vida em abundância, nem qual é a sua mensagem específica. Isto fica claro a partir do v.3b. Depois de uma introdução que pretende destacar seu inestimável valor, vem agora, em forma de oráculo de salvação, a mensagem propriamente dita. De maneira concisa e concentrada (e, por isto, difícil de entender) o profeta anuncia, em nome de Deus (é Javé quem fala na primeira pessoa), uma aliança eterna.

No exílio recorreu-se ao conceito aliança para designar o novo relacionamento de Deus com o seu povo após o desastre (Jr 31.31ss; Ez 34.25). Também aqui o termo deve ser entendido como comprometimento pessoal da parte mais forte (Deus) com a parte mais fraca (povo), como aliás deixa entrever a preposição para (firmar aliança para vós em vez de con-vosco), além da segunda parte do paralelismo (última oração do versículo).

Falar em aliança, ainda mais em aliança eterna, não era linguagem que encontraria aplausos e credibilidade junto aos exilados, pois entendiam estes que Deus havia desistido de sua aliança com Israel ao permitir a condenação ao exílio. Nem hoje este tipo de linguagem terá grande receptividade em nossos ouvintes. A aliança (anel) que representa o amor sem fim dentro do matrimónio não é tão eterna assim, porque o amor pode acabar. A experiência nos diz que qualquer aliança ou acordo é rompido, quando uma das partes encontrar motivo plausível para tal. O profeta tem até o despropósito de evocar a analogia da aliança de Deus com a dinastia davídica, cujos últimos representantes sofreram dura derrota e humilhação. Não é de se esperar que as fiéis misericórdias de (= prometidas a) Davi (cf. 2 Sm 7.8-16; SI 89.2-4,20-37) se houvessem tornado sem efeito? E de se crer ainda na constância e fidelidade de Javé? O lamento de SI 89.38ss ainda ressoa nos ouvidos: Que é feito, Senhor, das tuas benignidades de outrora, juradas a Davi por tua fidelidade? (SI 89.49).

Parece que o profeta responde ao lamento desesperado do povo com este anúncio de uma aliança nova e eterna. Podemos arriscar-nos a dizer que o profeta não vê exatamente uma descontinuidade dos propósitos de Deus: as graças demonstradas a Davi permanecem, apesar do exílio e da queda da dinastia. O fato de que a casa real sucumbiu não é motivo para Deus abandonar o seu povo. Pelo contrário, há agora chances de estabelecer um outro tipo de aliança, sem a necessidade de intermediação do poder politico-estatal.

Uma aliança que originalmente sancionava a opressão e o imperialismo pôde ser reinterpretada em benefício do povo oprimido. Um exemplo de nossos dias: o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (mais conhecido como Pacto do Rio de Janeiro), assinado pelos países americanos em 1947, autoriza cada país signatário a solicitar ajuda, quando este se sentir ameaçado por forças estranhas ao continente. Os outros países signatários intervirão em seu auxílio. O pacto foi usado mais como instrumento da intervenção imperialista dos EEUU (conservação das ditaduras americanófilas da América Latina) Este mesmo pacto poderia, no entanto, também ser evocado, nos dias de hoje, por exemplo, pela Nicarágua diante da ameaça de intervenção da CIA.

V. 4: A maioria afirma que os dois eis (um no inicio do v.4 e outro no inicio do v.5) querem ressaltar a diferença entre o que caracterizava a aliança com Davi no passado (v.4) e a aliança com Israel no futuro (v.5a). (Esta compreensão seria corroborada pelos tempos distintos no v. 4 a 5, se é que os tempos podem ser levados a sério na poesia.)

Davi havia sido líder (Schökel, p. 338 traduz caudillo) e soberano sobre nações. Como detentor do poder político e militar de um estado razoavelmente forte, Davi teria sido testemunho (à força, sem dúvida) para os povos do que significava a aliança de Javé com o seu escolhido.

V. 5: A aliança antiga com Davi se havia tornado manifesta no poder politico-militar do Estado e na sujeição de povos mais fracos. A nova aliança terá características diferentes. Haverá uma peregrinação de povos desconhecidos em direção a Sião (cf. 45.14S; 49.14ss; também para servir?), atraído peias proezas que Javé houver realizado em favor do seu povo. Desta vez não haverá sujeição à força de nações fracas, mas estas juntar-se-ão a Israel espontaneamente, convencidas da superioridade de seu Deus e ávidas de conhecer e reverenciar Javé. Assim, a salvação de Israel será, por extensão, também a salvação de toda a humanidade. Tudo isto representará a glorificação do povo humilhado. Toda a glória de Israel, no entanto, será mero reflexo da majestade e glória divinas. O objetivo final de toda a história é, sem dúvida, a maior glória de Deus.

II — Pensando na pregação

O próprio do domingo, como evidencia o Evangelho Lc I4.16ss, é o convite à oferta gratuita do Reino de Deus. Is 55.1-5 é pregado neste domingo, por causa do insistente apelo à aceitação da promessa da aliança divina. (Recomenda-se não restringir a prédica aos vv. 1-3a.)

Destaco alguns aspectos bem conhecidos do tema do domingo:

1. A mensagem dirige-se aos sedentos e famintos deste mundo, não aos saturados e satisfeitos. Os sãos não precisam de médico (Lc 5.31). A transformação da realidade não é de interesse dos fartos.

2. Há muita concorrência em matéria de ofertas de salvação. Sei de gente que se emociona com o carinho do gesto desinteresseiro daquele garotinho que oferece uma Coca-Cola ao Zico. Oferece-se felicidade, alegria e bem-estar em cada propaganda imobiliária: A felicidade espera por você na Morada do Sol. Poderíamos considerar ainda as diversas ofertas de paraíso apregoadas pelas religiões.

3. Para nós luteranos, sempre recebeu destaque a gratuidade da oferta. Convida-se incondicionalmente os que nada têm a oferecer em troca. O banquete, o Reino, a água, a vida são de graça. Os auto-suficientes (autojustificados) não têm vez. A temática tem afinidade com o dito em 1.

A aliança eterna, prometida por Javé a seu povo, foi ratificada de forma definitiva pela cruz de Cristo. Confirma-se nela que o povo humilhado e desesperado é que é portador da promessa divina. A cruz ilumina o texto a ser pregado de diversas maneiras.

1. Em contraposição à aliança de Javé com Davi, a nova aliança não se caracterizará por poderio político-militar, nem conquistará adeptos pela força. O Espírito Santo usa meios bem diferentes para convencer as pessoas.

2. A salvação não se resume a uma nação, mas é universal. A comunidade tradicional certamente receberá um grande choque, quando descobrir que também os de fora estão na lista dos que serão salvos.

3. Os sedentos e famintos serão os que saciarão a sede e a fome das nações. (O lago recebe água, mas também tem que despachá-la para continuar vivo.) Isto será testemunho mais que suficiente do amor e do poder de Deus. Interessante é que o texto não fala em missão em termos de Ide. Aqui a missão é antes uma promessa para a comunidade. Ela é procurada espontaneamente pelos que nela veem a atuação de Deus. (Quem dera que a vivência das comunidades cristãs fosse sinal tão inequívoco do agir salvífico divino.)

Pregar a promessa de uma aliança futura, de uma época de salvação definitiva trará enormes dificuldades. Temos medo de estarmos enganando os nossos ouvintes e a nós mesmos com ilusões e sonhos fantásticos de um mundo melhor. A realidade de injustiça gritante queima a boca daquele que tenta pregar sobre o homem novo e o mundo novo que, conforme o Antigo e também o Novo Testamento, não é meramente espiritual. A comunidade que sofre esta dicotomia entre promessa e realidade superará também a resignação, a indiferença e a comodidade das soluções provisórias, na medida em que proporcionar a água e o pão da vida.

Durante a análise do texto fui várias vezes tentado a atualizar logo a mensagem. Não seria esta uma boa possibilidade de pregação?

III — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Confessamos que somos indiferentes aos problemas que afligem (somente) os outros; que nos resignamos facilmente com (determinadas) situações injustas ao nosso redor. Confessamos que muitas vezes tapamos os nossos ouvidos aos convites que nos fazes para participarmos responsavelmente da vida comunitária; que preferimos aceitar os convites que trazem satisfação pessoal imediata. Confessamos também que nossa vida pessoal e comunitária pouco testemunha o teu reinado e raramente atesta que somos portadores da promessa de um mundo novo. Por tudo isto suplicamos: Tem piedade de nós. Senhor!

2. Anúncio de graça: Is 41 17

3. Oração de coleta: Abre nossos ouvidos e corações para entendermos que grandes promessas nos fazes através dos testemunhos bíblicos. Faze com que possamos espelhar em nossas vidas o grande amor com que nos tratas. Por Jesus Cristo, teu Filho, que contigo e o Espirito Santo reina de eternidade a eternidade. Amém.

4. Leituras bíblicas: Lc 14.16-24; Jo 7.37.39

5. Tópicos para a intercessão: Pedir pelos que têm sede e tome de justiça (presos, perseguidos, discriminados, desprezados, injustiçados); pedir pelos que colocam sinais concretos de um novo mundo (grupos, políticos?); pedir pelos que perderam a esperança na transformação dos homens e do mundo; pelos que não mais podem acreditar nas promessas divinas; pelos que não se conformam e insistem em que a realidade atual não é a última palavra de Deus (Pregadores) (Não esquecer os povos oprimidos da América Latina; hoje teria que pedir pelas vítimas da guerra civil em El Salvador.)

IV — Bibliografia

- GERSTENBERGER. E. Meditação sobre Is 55. 1-5. In: Hören und Fragen. Vol. 6 Neukirchen/VIuyn, 1971.
- SCHÖKEL, LA./DIAZ, J.L.S. Profetas. Tomo 1. In: Nueva Bíblia Española. Madrid, 1980.
- ZWETSCH, R. Meditação sobre Is 55.1-5. In: Proclamar Libertação. Vol. 3, São Leopoldo, 1978.


Autor(a): Nelson Kilpp
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 55 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 5
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18214
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