Isaías 55.10-11

Auxílio homilético

18/07/1999

Prédica: Isaías 55.10-11
Leituras: Romanos 8.18-23 (24-25) e Mateus 13.1-9
Autor: Edson Edílio Streck
Data Litúrgica: 8º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 18/07/1999
Proclamar Libertação - Volume: XXIV
 

Trabalho na redação deste auxílio homilético durante dias que iniciam com predominância de densa neblina. Acompanhando noticiários pelo rádio, ouço a informação de que no aeroporto os voos estão suspensos até que haja suficiente visibilidade. E são constantes as recomendações aos motoristas, no sentido de que sejam cuidadosos, acendam os faróis de seus carros e andem em baixa velocidade.

Quem pretende voar sabe que logo acima da neblina brilha o sol. Mesmo assim, não arrisca sair do chão, porque lhe falta visibilidade para as manobras. Quem se encontra dirigindo um carro em meio à neblina sabe que em minutos pode estar andando à plena luz. Em meio à névoa, porém, sente-se inseguro por não perceber um palmo à sua frente e a seu lado. E agradece pela orientação que encontra, tanto nos faróis acesos dos carros quem vêm a seu encontro quanto nas faixas pintadas no asfalto.

As palavras de Is 55.8-9, que antecedem a perícope prevista para este domingo, levam-me a recordar uma bela imagem que colhi muitas vezes ao retornar de ônibus para casa. O amanhecer na serra entre Soledade e Lajeado é lindo. O ônibus desliza por uma estrada cheia de curvas, andando sobre o ponto mais alto das montanhas. Há momentos em se vê o vale de um lado. Logo se tem a visão sobre um vale, para o outro lado. Refiro-me agora, em especial, àquelas manhãs em que a neblina toma conta dos vales. Do alto da montanha, com a visão clara que o sol nascente permite, tem-se uma bela vista do topo das montanhas e de vales inundados por nuvens. Em questão de minutos, à medida que o ônibus desce a serra, a visão vai se tornando nebulosa. E entramos naquelas nuvens que se viam lá do alto. O alcance da visão é curtíssimo. Perigos rondam, porque — se a velocidade permanecer a mesma — torna-se impossível ver se a próxima curva está à direita ou à esquerda. O penhasco: de que lado fica? O olhar, antes maravilhado, agora torna-se apreensivo.

Quem tem a visão do alto pode dizer aos motoristas, que se encontram perdidos e inseguros em meio à neblina, que em questão de minutos — se prosseguirem com o devido cuidado e atenção — estarão sob a luz do sol.

Isaías 55.9 é muito lembrado nos momentos cm que não vemos saídas para os problemas que enfrentamos. É uma ajuda valiosa nas horas em que não conseguimos sentir-nos seguros na situação em que nos encontramos. Recordo-me deste texto também quando viajo por essa serra: vejo a neblina do alto e em instantes sou sufocado por ela. Ela me oferece uma imagem plástica da visão de Deus comparada à nossa visão do mundo: (...) porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.

1. Contexto de Dêutero-Isaías

As palavras de Is 55.8-9 nos ajudam a perceber o contexto em que o povo de Israel se encontra, no final da atuação do profeta Dêutero-Isaías (para mais detalhes, cf. Nelson Kilpp, p. 16-22).

Entre os caps. 40 a 55 do atual livro de Isaías, encontram-se palavras de um profeta que vive em meio ao povo de Israel que experimenta o exílio babilônico. Ele entra em ação cerca de 40 a 50 anos depois do início do exílio. Grande parte da geração deportada, portanto, já não vive mais. Muitas pessoas do povo de Israel são nascidas longe de sua pátria. Não se trata de um regime de total escravidão ou prisão. Alguns inclusive conseguem alcançar boa posição na sociedade babilônica. Muitos, porém, vivem em regime de semi-escravidão e anseiam, juntamente com outras camadas populares, pela libertação de seu cativeiro (id., ibid., p. 18). Em parte, após tantos anos longe de sua terra, o povo já se encontra aculturado. É compreensível que muitas pessoas ouçam com descrença, talvez até com desinteresse, as palavras do profeta.

Mesmo assim, Dêutero-Isaías traz a palavra de Deus a seu povo. O anúncio da salvação é uma das mensagens centrais de sua pregação: o futuro trará libertação, retorno à pátria e redenção definitiva (ibid., p. 16).

O profeta não anuncia apenas o retorno para os lares de onde as pessoas foram tiradas, décadas atrás. Voltar para casa, para a pátria, sob a guarda de Deus, significa libertação. É devolvida ao povo de Israel a certeza de ser o povo escolhido por Deus. Compreender a dimensão dessa libertação e captar os motivos dessa escolha é mistério e milagre: ultrapassa os limites de nossa razão. Quando Deus escolhe um povo como seu, o liberta. Quando o liberta, lhe dá também um mandato.

O exílio coloca a fé dos israelitas à prova. São desafiados a confessar sua fé em circunstâncias em que tanto o povo quanto o seu Deus são colocados em situação de inferioridade. Surgem muitas perguntas, na tentativa de buscar explicações para a situação em que se encontram. Nosso Deus é mais fraco que os deuses de outros povos? Deus de fato abandonou seu povo? O povo de Israel continua a ser seu povo? Como manter a fé nessas circunstâncias?

No exílio babilônico, o povo sente o que é estar sujeito a outros povos. Percebe-se o que é estar exposto a decisões tomadas por outros. Sabe o que é ser estrangeiro, sem poder exercitar o direito de ir e vir. Conhece o que é viver sem a liberdade de optar. Sofre, agarrado a lembranças e embalado pela saudade.

Numa situação em que reina um estado aparentemente consolidado, Dêutero-Isaías é autorizado por Deus a opor uma realidade totalmente diferente. Prega, frente a um Estado aparentemente forte, a irrupção de um novo momento, a partir do aparentemente fraco. Com sua fala, instala a palavra de Deus que, num contexto de escravidão, representa um novo êxodo, que inclusive ultrapassa o êxodo anterior. Ele é o profeta que não anuncia o juízo, mas o perdão e a libertação.

Esse novo êxodo será uma saída tão libertadora e proporcionará uma chegada tão alegre, que dele toda a natureza participará. O v. 12 descreve esse momento em que, na história de Deus com seu povo, êxodo e criação se fundem: Saireis com alegria, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas. Nesta nova saída, criação e história se fundem em uma poderosa promessa, que engloba céu e terra (Hans Bornhäuser, p. 160). O Criador e o Senhor da história são um (id., ibid., p. 163).

Essa mensagem encontra um povo que já não tem esperança, que se sente abandonado por seu Deus (...), que tem medo (...), que é cego e surdo às promessas de seu Deus (...), que se perdeu na nostalgia (...) Reanimar, alentar, converter à esperança (...) é o que importa nesta situação. (Nelson Kilpp, op. cit., p. 19.)

2. Delimitação da perícope

Há várias propostas de delimitação para este texto que dá um fecho ao livro de Dêutero-Isaías.

Critérios formais revelam que os vv. 8-11 formam uma unidade: reproduzem palavras do sacerdote, quando este, no culto, traz um oráculo de salvação. Os vv. 8-11 acentuam, em especial, a intervenção de Deus. Relatam uma disputa entre o profeta e pessoas que duvidam de sua pregação (cf. Walter Warth, p. 88).

Na série antiga de perícopes, se oferece a possibilidade de acrescentar, aos vv. 10-12a, os vv. 6-9. Algumas delimitações incluem os vv. 12-13.

Importante é saber que os vv. 10-11 formam uma unidade. É perfeitamente possível desenvolver a pregação só em torno da mensagem que esses dois versículos encerram.

Boa opção para a prédica, sobretudo para quem pretende reportar-se ao contexto de Dêutero-Isaías, é incluir os versículos imediatamente anteriores (8-9) e o posterior (12). Neste caso, o texto não se concentra somente na compreensão e no efeito da palavra de Deus, de modo geral; mas dá destaque à palavra de Deus que abre (uma nova perspectiva de) futuro para o povo.

3. Palavra — palavra de Deus

A palavra perpassa todas as relações entre Deus e sua criação. Determina a comunicação entre Deus e os seres humanos. A palavra também marca o relacionamento dos seres humanos entre si.

Por sua palavra, Deus cria o mundo. Por sua palavra, coloca ordem no caos. A vida surge, cria raízes, se estabelece num espaço que antes era marcado pela não-vida. Pela palavra, Deus cria o ser humano.

O significado de palavra na Bíblia é distinto de nossa compreensão e uso. No tempo do Antigo Testamento torna-se difícil — na vida de Jesus, impossível! — separar um vocábulo articulado de um fato: ambos são palavra. Quando estudamos a palavra dabar, nas aulas de hebraico, o professor foi claro: a palavra, no hebraico, não é algo que se perde no ar... é tão concreta como concreto é um tijolo! E eu ficava a imaginar o ar sendo povoado — concretizado — pelas palavras que anunciamos. Falar shalom a alguém, por exemplo, é mais do que dizer o bom dia que costumamos pronunciar. Não é somente pronunciar paz: é anunciar a paz! E empenhar-se para que a paz realmente tome forma e se instale na vida da pessoa a qual dirigimos nossa palavra.

A Palavra de Deus é mais do que discurso de Deus, é ato de Deus, pois Deus age por sua Palavra c fala por suas ações (...) A palavra não reconduz a uma realidade, da qual ela seria apenas expressão intelectual. Ela é esta própria realidade. Ela é evento. Ela não é razão, mas fato. (J. P. Ramseyer, p. 310.)

Essa compreensão nos ajuda a entender certos comportamentos registrados no Antigo Testamento. Traz a ideia de quão concretos se tornam outros termos como bênção e maldição, por exemplo. Jacó somente larga a pessoa com a qual trava luta a noite inteira sob uma condição: Não te deixarei ir, se me não abençoares (Gn 32.26). Ele sabe que é impossível prosseguir sem a bênção de Deus. De acordo com o relato de Nm 22-24, o rei Balaque manda chamar o profeta Balaão: porque sei que, a quem tu abençoares será abençoado, e a quem tu amaldiçoares será amaldiçoado (Nm 22.6). Ele quer que Balaão amaldiçoe o povo de Israel. Mas como este é povo abençoado (Nm 22.12), Deus lhe ordena que não o amaldiçoe. E Balaão não o faz, mesmo que o rei prometa cobrir sua casa de ouro e de prata. Sua palavra é única. Pronunciada, ela se tornou fato.

4. A palavra do Deus é como a chuva

O poder da palavra de Deus também se destaca em Is 55.10-11. C) profeta Dêutero-Isaías alerta: a palavra de Deus que ele transmite não é uma simples afirmação. Tem enorme poder: é a instalação de um fato! Se Deus anuncia que vai interferir, esta não é uma possibilidade, mas uma certeza.

Para deixá-lo bem claro, faz uso de uma ilustração, no v. 10. Chuva e neve. Quando descem dos céus, não retornam para lá sem que tenham cumprido sua missão. O primeiro passo, neste círculo, é regar a terra. Úmida, a terra se torna fértil. Fecundada, dela surgem brotos que, no devido tempo, carregam sementes. Estas, em seu duplo destino, servem para dar pão ao que come e — semeadas e regadas em terra fecunda — continuam a brotar, dar frutos, para saciar a fome e produzir novas sementes. O mesmo acontece, garante o profeta, com a palavra que sai da boca de Deus. Não retorna vazia. Faz brotar sua vontade. A palavra de Deus, como a chuva, cumpre sua missão. Isto lhe dá total confiabilidade.

Mesmo sendo tão distintas, chuva/neve e palavra têm algo em comum. Ambas produzem efeito, criam fruto e vida. O povo de Israel conhece como poucos o efeito que a chuva produz. Ela é capaz de fazer brotar vida de lugares aparentemente desertos. Sem chuva, não há crescimento nem vida. O povo conhece a resposta à pergunta: há possibilidade de vida e crescimento, sem a palavra de Deus?

A importância da chuva para os povos das terras bíblicas se depreende de um texto do Talmude babilônico. Em torno do ano de 300, o rabi Abbahu afirma: O dia da chuva é maior que o dia da ressurreição dos mortos, pois a ressurreição dos mortos vale somente para os justos; os pingos da chuva, porém, caem tanto para o justo como para o ímpio (ap. Hans Bornhäuser, p. 161).

5. Palavra de Deus em palavras humanas

Deus chama pessoas para transmitir sua palavra. O próprio profeta sabe que é um porta-voz de Deus. Mesmo sendo humanas as palavras que o mensageiro pronuncia, elas anunciam a vontade de Deus. Na natureza não há como querer domar a vontade de Deus. Assim na História: pronunciadas, as palavras dos mensageiros de Deus entram em ação. Carregam uma força tal, que é impossível opor-se a seu efeito.
Com facilidade nossas palavras perdem a coerência e, assim, perdem sua força. Tornam-se, com frequência, palavreado. Inflacionamos nossa convivência com palavras. Conseguimos, pois, esvaziá-las de sentido. Falamos balões: lindos, coloridos, chamativos — mas de curta duração, vazios. Evaporam, tão logo formuladas.

Temos que ter consciência da limitação de nossas palavras e conceitos, inclusive a respeito de Deus. Nosso medo, como pregadores, é que as palavras que pregamos retornem vazias. De quantas palavras (e prédicas!) realmente não vemos surtir efeito visível! Que este fato nos anime a investirmos cada vez mais na busca daquela que realmente é a palavra de Deus no contexto em que vivemos. Se, do meio da neblina, tentarmos guiar outros que nela também se encontram, somos, quando muito, solidários. Ou, cegos guiando cegos. Quem, porém, permite deixar-se guiar para o alto, vê um horizonte mais amplo e consegue auxiliar melhor a quem necessita sair de uma situação aparentemente sem saída.

É incompreensível a força que nossas palavras — quando são palavra de Deus — adquirem. Seu efeito independe de alguém concordar, ou não, com o conteúdo que elas transmitem. Adquirem vida própria.

6. E o Verbo se fez carne — Eis que o semeador saiu a semear

Se nenhum livro do Antigo Testamento é tão citado no Novo Testamento como Dêutero-Isaías, este é um sinal evidente de que a comunidade primitiva viu em Jesus Cristo o cumprimento da mensagem desse profeta.

Através da chuva, Deus vence a distância entre céu e terra. Este é o efeito que Deus produz com sua palavra. Ele deseja que, através de sua palavra e de nossas palavras, as distâncias sejam eliminadas e se estabeleça comunhão: nossa com Deus e entre nós. Jesus Cristo, a encarnação de Deus, vence definitivamente essa distância.

É em Jesus Cristo que a comunicação de Deus atinge sua perfeição. Jesus mesmo é a Palavra. Palavra e ação nunca estiveram tão unidas como em Jesus Cristo. Tornam-se de todo inseparáveis. A extrema coerência de Jesus entre palavra e ação é total e se evidencia ao longo de toda a sua vida, morte adentro. Ele carrega na cruz a impossibilidade de separar palavra e ação.

A Palavra traz cura. E a cura é pregação. Esta é a palavra-ação que Jesus semeia. Ele nos convida a fazermos de nossa vida um semear, na confiança plena de que a semente encontre terra fértil e dê fruto.
Quem crê na promessa de Deus não insiste em ter seu próprio caminho, mas permite que Deus o estabeleça. Deus conhece nossas limitações e necessidades: para nossa segurança e salvação, nos convida a andarmos com ele seguindo os passos de Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida. Onde os caminhos humanos parecem desembocar num beco sem saída, Deus ainda consegue achar um caminho para eles. Deus olha do alto, e do alto as coisas são diferentes do que vistas ao nível do chão (Wilfrid Buchweitz, p. 120).

Bibliografia

BORNHÄUSER, Hans. Meditação sobre Isaías 55.(6-9)10-12a. In: Neue Calwer Predigthilfen. Stuttgart : Calwer, 1982. v. 5a, p. 158-64.
BUCHWEITZ, Wilfrid. Meditação sobre Isaías 55.(6-9)10-12a. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1982. v. VIII, p. 119-23.
KILPP, Nelson. Introdução a Dêutero-Isaías. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1982. v. VIII, p. 16-22.
RAMSEYER, J. Ph. Palavra. In: ALLMEN, Jean-Jacques (Ed.). Vocabulário bíblico. 2. ed. São Paulo : ASTE. p. 309-12.
VOIGT, Gottfried. Meditação sobre Isaías 55.(6-9)10-12a. In: ID. Die bessere Gecrechtigkeit. Gõttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1982. p. 127-33.
WARTH, Walter. Meditação sobre Isaías 55.6(-11)-13. In: Calwer Predigthilfen. Suttgart : Calwer, 1963. v. 2, p. 86-96.

Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Edson Edílio Streck
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 8º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 55 / Versículo Inicial: 10 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1998 / Volume: 24
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 6974
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Ó Deus, meu libertador, tu tens sido a minha ajuda. Não me deixes, não me abandones.
Salmo 27.9
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