Isaías 55.6-7

Auxílio Homilético

22/11/1980

ÉPOCA DA PAIXÃO I – Isaías 55.6-7 – Friedrich Genthner

 

Buscai o Senhor

I - Contexto

O trecho indicado acima faz parte da perícope que abrange os vv. 6-11, e que está prevista para o Domingo Sexagesimae. Esta passagem fecha a segunda parte do Livro de Isaías, atribuída ao chamado Deuteroisaías (séc. VI a. C.— caps. 40 a 55), e resume a pregação desses capítulos.

Os vv. l-3a correspondem aos w. 6-7, no tocante ao esboço, aos imperativos e à admoestação: v. l— vinde, comprai e comei!; v.6— buscai, invocai; v.7- deixe, etc. Os vv. 3b-5 estão estreitamente ligados aos w.8-13, no tocante às promessas que contêm. O v.3b fala de uma promessa feita a Davi, mas ela é ampliada. O v. 11 diz que a palavra de Deus será palavra criadora num sentido universal (Gn 1.7, 16, 25, 26, 32; 2.2; Is 40.11). Os últimos versículos indicam que a volta de Israel será uma procissão festiva, e não uma marcha de cansados e decepcionados (Is 40.1-5). A interferência de Javé não será algo particular, limitado apenas a Israel, mas terá dimensões universais: até a criação inteira participará dessa libertação. Os cânticos do servo de Javé exprimem a intenção de mostrar que a palavra de Deus é criadora e revela sua eficácia também no tocante aos seus portadores (Is 42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13-53.12).

II — Situação

Ao longo de muito tempo, os israelitas foram acostumando-se ao cativeiro na Babilônia. Gozando de relativa liberdade, podiam participar da vida cultural, económica e social. Não eram poucos os israelitas que enriqueciam e chegavam a ter uma vida abastada. Tinham sua loja, seu comércio e seus negócios. Os poucos que realmente desejavam um retorno à Palestina constituíam minoria. A Babilônia era uma potência política e econômica. Comparando tal realidade com o plano de Deus, os que estavam na Babilônia acabaram concluindo que esses planos eram incompreensíveis e incompatíveis com a realidade. O povo estava pessimista (Is 40.27; 49.14). Será que o vencedor (a Babilônia) desistiria do seu despojo? Deuteroisaías depositava sua confiança em Ciro (559-529 a. C.) que em 538 a. C. concedeu a licença para a reconstrução do templo em Jerusalém (Ed 6.3-5). Ciro tomou-se instrumento na mão de Javé para a salvação do seu povo. Deuteroisaías apresenta Javé como o Senhor da vida, da vida da nação, e criador que cria situações novas e vida nova.

III - Texto

A palavra de Deus, vivida, pregada e proclamada por Deuteroisaías, torna-se, através das suas palavras, um grande consolo, certeza nas tribulações e um verdadeiro conforto para os frustrados, decepcionados e desesperançados. Em sua obra percebe-se que a historiografia profética qualifica os eventos históricos da atualidade, do passado e do futuro, sob o aspecto escatológico. O v.6 ilustra isso com o sufixo BE (BEHIMMASE'O). Esta pane tem sido traduzida das mais diversas maneiras: enquanto (Lutero), porque (Duhm), agora (Zürcher Bibel), graças a (Iwand). Isso mostra que a presença de Deus pode ser expressa temporal, local e afirmativamente. Vinculados ao sufixo BE, os verbos buscar, invocar, converter-se, voltar, deixar fazem transparecer uma forte tensão. Por quê? Porque agora, logo deve acontecer o encontro entre Deus e o homem. Deus faz com que se tome inevitável e urgente esse encontro.

O plano, os pensamentos de Deus, são ainda incompreensíveis e incompatíveis com a realidade. A distância entre o céu e a terra (v.9) ilustra a situação de Israel, ou da cristandade em geral, no tocante à obediência: conta-se com as realidades momentâneas, passageiras, às quais se atribui poderes extraordinários. Já no tocante a Deus, a distância entre céus e terra ilustra o poder que ele tem sobre a criação, o universo, o homem e os animais. O v. 10 explica que Deus não é opressor nem explorador. O seu poder beneficia, cria e mantém a vida. Por exemplo, a chuva, neve, garoa, cerração, neblina, etc. sïo dádivas e não instrumentos de destruição.

No v.8, meu e 'Vossos podem significar a diferença existente entre Deus e o homem, também podem designar Deus e o homem, como pertencendo um ao outro. Sem os céus, a terra não teria condições de existir — basta pensar naquilo que cai do céu. E o céu sem a terra também não faz sentido.

V.11: A palavra de Deus é criativa. Ela cria constelações novas, imprevistas — novas chances! O trecho menciona um exemplo: o aparecimento de Ciro. Mesmo sendo gentio, foi escolhido como colaborador.

Nós preferimos tudo a curto prazo: mudanças de estruturas, solução do problema do índio, do pequeno agricultor, do aborto, das fraudes tributárias. Mas não é exatamente esse nervosismo que nos confunde, desarma e decepciona? Aqui temos um forte que é mais alto, mais dará e mais correio e justo. Ele está na ponte de comando do navio, e vê longe. O apelo converta-se significa mudar a direção, voltar a ele e aprender a pensar segundo os parâmetros do plano de Deus. Isto seria um fruto da conversão. E justamente isso parece-nos impossível. Mas Deus pôde pôr tudo no seu devido lugar (Mt 19.26), até mesmo integrar o homem na comunhão consigo. E isso, gratuitamente.

Escopo: O chamado à conversão ameaça-nos e nossa existência. Por outro lado, anima-nos a dar aquele passo decisivo, em confiança na promessa que Deus nos deu. Onde esse chamado é ouvido e atendido, não deixam de acontecer os sinais da presença de Deus.

IV - A nossa situação

A cada ano passamos pelo mesmo choque: o carnaval, um dispendioso e exaustivo festival, lado a lado com fortes enchentes e milhares de flagelados. Então se comenta que pena!, esses coitados! De outro lado, porém, a partir da Quarta-feira de Cinzas as igrejas começam a erguer sua voz e os jornais registram o número dos que vão à missa e comungam. O tema paixão de Cristo parece até estranho. Nossa vida se assemelha a uma rua sem saída. Acabam-se as esperanças de muita gente: não há o que comer. Retirantes fogem das regiões de seca e inundação, colonos fogem da lavoura para escapar às milhares de incertezas, dependências e pressões (como compreendê-lo!). Multidões invadem as cidades. Os valores humanos são ameaçados: amplas camadas sociais praticam o aborto como se fosse a coisa mais natural do mundo (o que não presta ou incomoda se elimina!). Impera o direito do mais forte: assaltos, crimes, drogas, sexualidade, etc. Que normas ainda são respeitadas? Tudo é permitido, até o sofrimento de milhões. Uns esperam por uma palavra profética que abra uma nova visão. Outros esperam por uma estrela no horizonte político. Ainda outros pensam em enobrecer a humanidade pela fecundação artificial de algum prêmio nobel. Quem acreditava no lado bom das pessoas assiste pessoalmente o drama das verdadeiras intenções que dominam o ser humano: explorar e oprimir o próximo, e matar o que se atravessa no caminho. Assistindo à constante corrupção, pessoas de boa vontade perguntam se vale a pena fazer doações para flagelados, já que tantas verbas são desviadas. Que dirá a palavra profética em nossa época?

Is 53.1 pode ser uma ajuda para não desistirmos: Quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Comparemos este testemunho com as palavras de Jesus Cristo, após a ressurreição: Porventura não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? (Lc 24.26). Proclamar libertação é preparar o campo para a ação de Deus. E essa ação não é fogo de palha, não é mais um entre os milhares e milhares de movimentos nossos. Deus está no meio de nós, acompanhando pessoalmente a libertação das garras do diabo. Lutero aponta nessa direção, ao confessar: Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as cousas. Deus está acima de tudo. Que valor atribuímos a este fato?

V - Meditação

Um método muito usado em nossos dias é o de estabelecer prioridades. Na verdade, o que há são prioridades demais, de modo que nem se sabe por onde começar: alimentação sadia, educação adequada e cristã, distribuição justa da renda nacional, empenho pelos bóias-frias, libertação do assalariado e marginalizado? Cada um de nós já tem respostas prontas para uma ou mais dessas prioridades. A resposta do nosso texto é uma só: Buscai o Senhor! Parece que o profeta se expressa de modo muito seco. Seria sinal de falta de informação, conhecimento e formação? Poderia ser uma resposta barata. Vamos ver por que o profeta conclama: Buscai o Senhor!

a) Viver com Deus

As questões diárias giram em torno da vida, vivência, sobrevivência. E cada um de nós se vira como pode e acha melhor. Não há mais um agir comum. Isso revela o nosso verdadeiro sofrimento. Colocamos Deus de lado e assumimos sozinhos toda a responsabilidade pela vida. Basta verificar como a humanidade anseia por uma saída, através de novas religiões, técnicas avançadas, etc. Mas a mensagem simples e clara do profeta é: Buscai o Senhor!

Na época da Reforma, Martinho Lutero formula, na 1a Tese: Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo diz: arrependei-vos, etc., e certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja um contínuo arrependimento. Este apelo pressupõe que a comunhão entre Deus e os homens esteja sendo interrompida. Se conseguíssemos responder aquela pergunta crucial o que é que nós procuramos?, teríamos tudo nas mãos. Quanto não estamos sacrificando para atingir esse alvo!

O apelo Buscai o Senhor! quer nos dizer: Deus construiu uma ponte e convida a usá-la. Os que atendem o convite passarão por essa ponte. Os outros construirão, ao lado dessa, a sua própria. Haverão de terminá-la? Jesus se compara a uma pessoa que bate à porta. No momento em que o dono da casa abrir, estará sendo envolvido na vida daquele que bate. O abrir já é uma resposta ao bater à porta. Assim como nos compete responder, cabe-nos também buscar a Deus, isto é aproveitar a hora em que ouvimos sua voz, sua palavra, e atendê-la. Por detrás desse apelo está uma decisão de Deus: ele nos aceitou por misericórdia. E ocorre então a outra pergunta: haveremos de soltar algo que tão bem cuidamos, mas que nos perturba e rouba a felicidade? Quem escolhe Deus, escolhe a vida e terá comunhão com ele.

b) Confiar na palavra de Deus

Deus abençoa a vida da gente. Ele começou (Gn 12.1ss) a abençoai o homem e se manifestou continuamente, no decorrer dos séculos (Ex 19 e 20; Mt 28.20). Acompanha-nos a promessa: eis que estou convosco ... Deus oferece realmente uma troca: pede os pecados que cometi e me dá a vida com ele. Sua presença em minha vida e em nosso mundo prova que a troca é séria. Essa troca é um ato de confiança, tanto de Deus, quanto da minha parte. Indo à Santa Ceia, posso ter. certeza de que recebo, como e bebo o corpo e o sangue de Cristo; portanto, participo dele pessoalmente, pertenço-lhe e sou aceito por ele. Não sou mais visitante, espectador, mas membro. A confiança entre Deus e mim se repetirá na relação com meus colegas, amigos, vizinhos. Nessa confiança que deposito nos outros se mostra que busquei o Senhor. E agora voltamos a perguntar: qual é a nossa prioridade? A resposta é: agir a partir do convívio com Jesus Cristo, pois nele teremos a medida certa e o critério correto para a vida cotidiana.


Autor(a): Friedrich Genthner
Âmbito: IECLB
Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 55 / Versículo Inicial: 6 / Versículo Final: 7
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1980 / Volume: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18238
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