Isaías 58.7-12

Auxílio Homilético

24/11/1987

Prédica: Isaías 58.7-12
Autor: Günter Wolff
Data Litúrgica: Domingo de Ação de Graças
Data da Pregação:
Proclamar Libertação - Volume: XII


l - Considerações sobre o texto 1 - Contexto histórico

O nosso texto faz parte do conjunto dos capítulos 56-66 de Isaías, que na verdade é uma coleção de vários autores. Esta coleção de textos forma o Trito-Isafas, que é da época de cerca 530 a.C., após o exílio.

A estrutura do Trito-lsafas é a seguinte:

56 - 58 - Palavras de juízo
59 - Lamentações do povo
60 - 62 - A mensagem de salvação é repetida ao povo 63 - 64 - Lamentações e Deus responde a elas 65 - 66 - Palavras de juízo e palavras apocalípticas de salvação.

O texto surgiu após o exílio, como os demais, quando boa parte do povo já está de volta a Judá; e é parte do texto do cap. 58.1-12 que fala do jejum em específico, referindo-se à conduta frente à prática religiosa alienante e separada da vivência de uma fé encarnada. Os vv. 7-12 são parte da conclusão dos ditos de Javé sobre a prática religiosa alienante onde se usa a religião para legitimar a opressão entre os israelitas entre si e com isto legitimar a opressão internacional a que estão sujeitos por parte dos persas.

Vamos relembrar os acontecimentos históricos para nos situarmos. Em 539 a.C. Ciro marcha sobre Babilônia e a toma sem luta e termina aí o Império Babilônico. Com o edito de Ciro os exilados hebreus podem voltar para Israel, muitos voltam e muitos não querem voltar, como nos conta o Deutero-lsaías (40-55). Em 551 a.C. é inaugurado o templo. O nosso texto fica entre a inauguração do templo e o edito de Ciro. Os muros de Jerusalém apenas foram reconstruídos com Neemias que esteve em Jerusalém do ano 445-433 a.C.

Como se dava a dominação persa?

A dominação persa era mais refinada e inteligente que a da Babilónia e por isso o Império Persa durou tanto tempo. A sua principal forma de dominação era económica e militar, estando escondida pela cultura e a religião. A inovação que ocorreu era a cobrança de impostos em moeda e não em produtos; podemos ler isto em Ne 5.

O primeiro ato para solidificar o império foi deixar os deportados voltar, o que foi visto como um ato de bondade. Deutero-lsaías chega a chamar a Ciro de o Ungido de Javé por isso. Com isto os deportados se tornaram todos aliados. É a abertura que abre para não abrir; nós conhecemos isto muito bem no Brasil com a Nova república que solidificou a dominação burguesa no país.

O segundo ato planejado para solidificar o império foi a reconstrução do templo; Ciro até deu dinheiro para tal e devolveu todos os utensílios do mesmo. Isto ele fez não só com Israel, mas com muitos outros povos. Era um ato político bem pensado. Reconstruir o templo para aperfeiçoar a dominação. E quem faz questão de elogiar Ciro são os exilados que voltaram. Porque o povo que ficou na terra não sentiu nenhuma mudança. E são os ex-exilados que fazem questão de reconstruir o templo. O povo que havia ficado em Israel nunca fez um gesto sequer para reconstruir o templo; uma vez porque eram pobres, e outra porque sabiam que o templo era o símbolo da dominação, já no tempo do reinado em Israel. Conheciam o poder dominador da religião tão bem como Ciro.

Mas, por outro lado, a reconstrução do templo virou símbolo de resistência, o feitiço virou contra o feiticeiro. Foi a única saída oferecida pelos persas para o povo se organizar e se defender contra os opressores. Não que esta tenha sido a intenção dos persas, mas o povo de Israel deu outro valor para o templo que os persas queriam dar. A fé em Javé era característica de quem era dominado e explorado. O templo se tornou resistência e refúgio contra a dominação.

O terceiro ato planejado foi a reconstrução dos muros da cidade de Jerusalém. Com isto Jerusalém virou província e centro de controle mais eficaz, além de ser o centro provincial organizado para cobrar tributo.

Em Jerusalém se instala a elite que voltou do exílio e que foi usada para controlar os camponeses junto com o templo. Assim houve um controle ideológico e repressivo mais eficaz.

2 - Conteúdo: Em princípio este texto não tem nada a ver com Ação de Graças. É denúncia de uma religiosidade intensiva mas alienante. O texto chama à organização para a resistência à opressão interna e externa e para a reconstrução de Israel. Valoriza o desvalorizado como forma de resistência à opressão para daí mudar a situação. E é compromisso de assumir a mudança da situação.

Mas a partir do conflito central, que é a condenação a uma religiosidade alienante e opressora, se consegue falar de Ação de Graças, que também faz parte da religiosidade atual e que é usada da mesma forma que no texto. Esta religiosidade alienante é atacada porque fortalece a dominação imperialista persa que deve ser combatida a nível religioso, que é a forma de dominação existente que procura esconder a dominação económica. Além disto, esta religiosidade fortalece também a dominação interna do israelita sobre o israelita mais fraco; é a reprodução da dominação maior. Esta religiosidade aqui atacada pelo profeta é a religiosidade formal, é até intensa, é mais um dever de fazer por fazer o ritual, é bater o ponto como se diz, é mecanicista, não leva a mudança e comprometimento nenhum, deixa tudo como está, enfim, solidifica a opressão interna e externa.

De que fala o texto em si?
O texto começa falando das consequências da opressão e, no fim, fala das causas.

Causas da opressão (v. 9): jugo, dedo que ameaça falar injurioso.

Consequências da opressão (vv. 7, 10, 12): fome, desabrigado (sem casa), mal vestido ou sem roupa mesmo; há o se desviar; fazer a volta ao redor do outro para não se comprometer (e este outro é o pobre), enfim, há pobreza e mis¬ria em geral, ruínas e brechas, e o país não é habitável.

O texto levanta as causas e as consequências, mas também diz o que deve ser feito (vv. 7, 9-10,12): O repartir o pão, o acolher o desabrigado, o vestir o nu e o encontrar com os outros. Isto vai desembocar numa ação coletiva que é: tirar do meio de ti o jugo (jugo dentro do próprio povo e jugo externo), o dedo que ameaça (repressão), o falar injurioso (que é contra o povo oprimido e contra Javé). O v. 10 repete dizendo que o ir ao encontro do faminto e o fartar o aflito é a saída, pois o aflito vai desencadear um processo que é comparado à luz que nasce das trevas. É a luz da libertação que nasce na luta contra as trevas da opressão.

O texto fala da ausência e da presença de Deus.
A ausência de Deus está nas causas e consequências descritas acima. A presença de Deus está em afastar as causas e as consequências da opressão e o resultado é descrito no v. 12: as ruínas serão reedificadas, os fundamentos de muitas gerações serão levantados, será-a restauração do país. O texto diz: para que o país se torne habitável, é necessário o afastamento do jugo interno e externo, tanto um como o outro se fortalecem entre si. A opressão interna fortalece e justifica a opressão externa. O país só será independente se os dois jugos desaparecerem.

O texto levanta uma série de coisas interessantes, como: Não repartir o pão, e não vestir o nu, e não recolher o desabrigado, e não ir ao encontro do outro é ajudar a opressão, é fazer o jogo do opressor, é fortalecê-lo. Ir ao encontro do outro dentro de suas necessidades é afastar a opressão, e isto não como assistencialismo, mas como um atacar as causas da opressão. O serviço pequeno de ir ao encontro às necessidades dos oprimidos é fundamental para a organização do povo. Ir ao encontro do massacrado é o início do combate à opressão, pois valoriza quem não é valorizado. Valorizar o desvalorizado é subversão ao sistema, é ameaça ao sistema, é denúncia da opressão.

Nesta luta (v. 11) Deus está com a comunidade que resiste, pois será perseguida. O texto fala em lugares áridos, fortificar os ossos, mas também em jardim regado e em manancial; assim contrapõe os perigos e as dificuldades com o bom que é o resultado da luta contra a opressão. Ó resultado final desta mudança de atitude que é descrita no texto desemboca na reconstrução do país. Isto só é possível numa ação conjunta e organizada. Os opressores dentro do próprio povo são criticados porque eles estão impedindo a reconstrução política e económica do país. A proposta é a união dos israelitas para afastar o jugo externo, o que tornará possível fazer o país habitável.

O interessante que o texto levanta é a atitude religiosa, a causadora da permanência da opressão ou então a que irá afastá-la. Ou para dizer assim: a fé concreta em Javé libertará o povo e o país da opressão. A sugestão para iniciar é mudar a atitude religiosa, que vai afastar a opressão interna, a qual, por sua vez, desencadeará uma ação coletiva e organizada que fará o país independente e livre. A fé em Javé desencadeia a ação concreta em favor do oprimido e contra os opressores, que resultará na libertação total do país. Disto concluímos que toda atitude religiosa ou expressão de fé é uma atitude política: ou conservadora, ou libertadora.

E os cristãos que dizem que a Igreja não deve e não pode se meter em política, como é que ficam? Assim como hoje o Pinochet, o Sarney aparecem na TV assistindo uma missa e participando da santa ceia, assim também foi em Israel onde os ricos, opressores de seu próprio povo, participavam das celebrações e faziam jejum (tinham uma intensa vida religiosa) para mostrar que eram crentes em Javé, sendo a prática diária uma outra: a de repressão, de fortalecimento da dominação imperialista.

II - Ação de Graças para a transformação

O culto de Ação de Graças tem sua origem na sociedade agrária. É necessário ampliar o conceito do culto de Ação de Graças, que é mais amplo que o mero agradecer pela colheita. Como fica a sociedade urbana que não planta e não colhe? Não esquecendo que hoje 70% da população brasileira vive na cidade e só 30% vive no campo! Lembrando a amplitude que o texto nos coloca, temos de falar em mais do que num agradecer pela colheita.

Dentro destas colocações passo a dar algumas pinceladas sobre o que Ação de Graças é e o que não é.

1 - O que não é Ação de Graças: Agradecer não é a glorificação do que é meu (minha colheita, minha vida), e do status quo; não é a colocação do peso sobre o que eu tenho e com isto a sustentação à uma sociedade de mercadorias que é a capitalista, fortalecendo o consumo: ter para consumir e ter para ser.

Agradecer a nível de comunidade não é fazer um leilão ou uma festa para ter uma entrada extra-orçamentária para fortalecer a caixa, com o propósito de poder fazer reparos ou construções. Agradecer não é dar para si mesmo, como são as festas da colheita, onde o que se arrecada fica para a própria comunidade. Ação de Graças não é um acontecimento ou uma data que motiva a comunidade a fazer festas e leilões exclusivamente para ganhar dinheiro. Isto mostra que a co-munidade eclesial existe para si mesma, excluída do contexto histórico do mundo. Ação de Graças também não é celebrar por celebrar porque está no plano de cultos, porque é tradição, porque sempre foi assim. Ação de Graças não é para conseguir dinheiro para poder fazer assistencialismo que mantém a opressão.

2 - O que é Ação de Graças: Deixando o texto nos iluminar, podemos dizer que Ação de Graças é:

Agradecer por Deus nos guiar, fortalecer nas dificuldades pessoais e coletivas, e dar assistência básica para que a comunidade possa edificar o reino de Deus.

Agradecer com as dádivas trazidas ao culto e outros encontros e campanhas para criar condições para se poder fortalecer o corpo do oprimido para ter mais pessoas na luta pela transformação; para criar condições de moradia para os migrantes e fixá-los num lugar, para facilitar a organização com a comunidade, com o sindicato e outros movimentos contra a opressão; para criar condições de os oprimidos terem roupa e se sentirem em igualdade com as demais pessoas, já na aparência física; para, em conjunto, fortalecer a organização dos trabalhadores na luta de classes contra a burguesia; para procurar o marginalizado afim de aumentar o número de pessoas que resistem contra o sistema dominante; para ter alimentos e recursos para fazer encontros e cursos com os trabalhadores sobre como funciona o sistema capitalista, para entendê-lo e, a partir disto, saber como combatê-lo e qual a proposta dos trabalhadores, que sistema económico os trabalhadores querem, definindo melhor o socialismo que os mesmos procuram.

Agradecer porque Deus foi ao nosso encontro e por isso nós vamos ao encontro do próximo marginalizado, valorizando-o e com isto já denunciamos a marginalização existente e as causas desta marginalização.

Agradecer por podermos como comunidade ou classe sermos luz nas trevas da opressão e mudar as trevas em claridade, o que é igual à mudança radical e total da situação de opressão.

Agradecer que nós como comunidade podemos, e não só isto, devemos participar da mudança política e econômica do nosso país para que ele também se torne habitável.

Agradecer é compromisso de tirar do meio do povo (a nível nacional e internacional) o jugo, o dedo que ameaça e o falar injurioso. E antes de tirá-lo, dizer como o jugo se materializa em suas diversas facetas e formas; como o dedo que ameaça se materializa (censura, ameaça, morte), como o falar injurioso é de fato (no ataque da igreja que nasce do povo).

Agradecer é compromisso de construção de uma nova sociedade, igualitária, fraterna e socialista.

Agradecer é investir na missão e organizá-la a nível de comunidade e de Igreja toda (o que não está acontecendo).

Agradecer é criar recursos (financeiros, de infraestrutura, de organização e outros) para viabilizar a tirada do jugo em nosso meio.

Ill – Prédica

A prédica deve deixar claro que uma religiosidade alienante fortalece o jugo, a miséria, a opressão e a morte, que o culto de Ação de Graças está inserido numa luta maior que visa eliminar o jugo interno e externo para poder tornar o país habitável; que o agradecimento é compromisso de transformação; que transformação só existe se há organização dos oprimidos; que para organizá-los precisam-se criar condições de sobrevivência e de encontro destes para integrá-los na organização global; que a organização e transformação inicia com os oprimidos; que a fé em Javé tem consequências práticas de transformação da sociedade; que a fé em Javé não se resume no ir ao culto e nas promoções e encontros da comunidade; que Deus nos amou primeiro e que consequência automática de nosso amor a Deus (como resposta) é ir ao encontro do marginalizado, integrando-se em sua organização de resistência e transformação da sociedade local e nacional; que vida comunitária é a vida do dia-a-dia, e não somente a vida confessional, eclesial; enfim, que Ação de Graças é agradecer pelo Pão nosso de cada dia conforme a explicação de Martin Luther; e que fé em Javé não é ópio para o povo, mas é fermento que revoluciona a massa.

IV - Subsídios litúrgicos

1. Confissão de culpa: Ó Triúno Deus, perante ti temos a confessar que não nos deixamos guiar por ti, e sim, guiamos a nós mesmos. Confessamos que não estamos dispostos a dar de nossos recursos financeiros para fortalecer a organização dos trabalhadores. Confessamos que não estamos dispostos a colaborar para que os milhões de migrantes em nosso pais tenham uma vida digna. Temos a dizer da nossa má vontade em retribuir pelo que tu, ó Deus, nos deste e nos esquivamos de ir ao encontro do empobrecido. Temos a dizer que nós achamos que celebrar o Dia de Ação de Graças é apenas fortalecer o caixa da comunidade. Temos a dizer que para nós Ação de Graças é dar para nós mesmos. Confessamos que não estamos dispostos a criar fundos em nossa comunidade para investir na formação de pessoas para que elas possam conosco agir na transformação da sociedade. Pecamos porque o nosso agradecer a ti não se dirige como ação transformadora no mundo em favor dos pequenos para eliminar a opressão e a miséria, assumindo as consequências. Pecamos porque achamos que agradecer a ti é se desviar dos operários, dos sem-terra, dos índios e demais sofredores. Pecamos porque o nosso agradecer a ti é uma farsa e quer manter tudo como está. Por isto e muito mais pedimos: Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Senhor, para que possamos entender melhor o teu Evangelho pedimos que o teu Santo Espírito esteja em e entre nós. Pedimos que o Espírito Santo não esteja só conosco agora, e sim, a cada passo da nossa vida para que possamos entender que toda a nossa ação deva se dirigir ao empobrecido para superar a pobreza e a miséria. Que teu Santo Espírito esteja especialmente agora conosco para nos clarear que agradecer é colocar-se à disposição de Deus para mudar a estrutura econômica e política deste país que gerou esta desigualdade entre as pessoas. Amém.

3. Assuntos para oração final: Incluir na oração final os problemas dos pequenos agricultores que cada vez mais são forçados a uma agricultura de subsistência pela falta de acesso à terra. Orar para que os trabalhadores sem terra possam determinar os rumos da reforma agrária. Os índios que não têm suas terras demarcadas precisam de nossas intercessões. Orar para que a previdência social possa se tornar justa: sem filas e fraudes. Orar para que o plantio e a colheita dos agricultores sejam bons e também que os salários dos operários sejam mais justos. Orar pelos velhos, doentes, crianças abandonadas, viúvas. Orar pelo ensino dentro da comunidade com crianças, jovens e adultos que está sendo a grande negligência da nossa comunidade. Orar para que os trabalhadores possam tomar o poder e governar com justiça. Orar pela vinda do socialismo construído por todos nós.

V - Bibliografia

- RUBACH, G. Jesaja 58.1-9a. In: Göttinger Predigtmeditationen, 1984.
-VOIGT, G. Erntedankfest. Is 58.7-12. In: Göttinger Predigtmeditationen, 1981.
-WEBER, B. Quaresma: dor solitária ou solidária, Is 58.1-12. In: Proclamar Libertação, v. 9. São Leopoldo, 1983.
- WESTERMANN, C. Abriss der Bibelkunde. Frankfurt am Main, 1968.


Autor(a): Günter Adolf Wolff
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Dia de Ação de Graças

Testamento: Antigo / Livro: Isaías / Capitulo: 58 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1986 / Volume: 12
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17874
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