Jeremias 15.15-21

Auxílio Homilético

12/09/1993

Prédica: Jeremias 15.15-21
Leituras: Romanos 12.1-8 e Mateus 16.21-26
Autor: Ronald Baesler
Data Litúrgica: 15º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 12/09/1993
Proclamar Libertação - Volume: XVIII

 

Oprimido por Deus-Sacrificado para Deus-Crucificado com Cristo

1. Reações iniciais

Ler os três textos, um após o outro, no culto, pode matar o povo. Qual é a mensagem de Deus para hoje nas palavras tão amargas de Jeremias e na resposta aparentemente tão dura de Deus? Onde eu, pregador, coloco-me nesta história? A quem eu posso me comparar? A Jeremias? Ao povo rebelde? A Deus? Os conflitos que eu enfrento na paróquia tem algo a ver com os conflitos que Jeremias sofreu? O povo diz que todo e qualquer sofrimento é a santa cruz. O sofrimento de Jeremias tem algo em comum com a miséria do mundo, com o sofrimento de Jesus?

Devo ver este texto com muita humildade, pois certamente na minha vida e no meu trabalho pastoral eu tenho experimentado mais apoio e mais alegria do que Jeremias. Devo respeitar o sofrimento expresso e ouvir a mensagem nele. (Fico admirado com a franqueza do profeta. Como ele xinga Deus!)

2. Texto

V- 15 — A paciência de Deus está acabando com Jeremias. O castigo que Jeremias prevê não vem. O servo sofre perseguição, enquanto espera a ação de Deus.

V, 16 — Sendo um membro leal da comunidade de Deus, ele recebe com alegria a sua palavra. Ele poderia esperar a solidariedade da comunidade.

V. 17 — Mas as palavras que o profeta comeu criaram azia. Ele ficou estufado com a ira de Deus. Esta ira ele tinha que despejar em cima do povo. O círculo de amizade, a alegre convivência nada disso Jeremias experimenta, pois agora ele é um homem marcado, carregador de más notícias, um chato, uma praga. Tudo por causa da mão opressiva de Deus.

V. 18 — A solidão e o abandono que Jeremias experimenta parecem intermináveis e incuráveis. Pior, parece que Deus também o abandona. Bem na hora da ne¬cessidade máxima, quando a garganta está seca e a língua gruda no céu da boca, quando o espírito e o corpo estão sedentos por este Deus vivo e refrescante, o Deus manancial de águas vivas (2.13). Naquele momento, assim como um ribeiro no verão, Deus some, desaparece, engana com promessas falsas.

v. 19 — Deus responde, não para explicar ou se defender, mas para chama i Jeremias novamente ao caminho certo: Dá a volta, e eu te farei voltar. Se Jeremias deixa Deus reorientar a sua vida, Deus promete que Jeremias vai ser novamente o servo leal, o porta-voz do Senhor, um instrumento de conversão. Porém, a tensão entre Jeremias e o povo continuará: Tu não passarás para o lado deles.

Vv. 20-21 — Após o primeiro chamado de Jeremias (1.1-10), Deus promete que ele vai poder resistir, mesmo na pior crise, pois vai ter Deus a seu lado.

3. Precaução

Seria demasiadamente fácil ligar o sofrimento de Jeremias ao nosso sofrimento e simplesmente aplicar a correção e o consolo de Deus a nós também. Então seria apenas uma questão de deixar para trás os pensamentos negativos, pois Deus está conosco.

Mas será que o sofrimento de Jeremias pode ser comparado ao nosso sofrimento? Eu sofredor de coluna, sofro de angústia quando vejo o orçamento da casa ou da paróquia estourar. Sofro quando vejo as crianças passando fome na vila. O sofrimento pode ser intenso e real, mas ele não pode ser simplesmente igualado ao de Jeremias. O sofrimento dele vem por causa da missão que Jeremias aceitou, por causa da cruz que um povo rebelde colocou nele, por causa do sacrifício vivo em que ele transformou a sua vida.

Podemos dizer que Jeremias encarnou em sua própria vida o sofrimento de Deus. O lamento de Jeremias espelha o lamento de Deus. Assim como o profeta, Deus está de luto, pois, entre o povo que criou, Deus não tem mais lar, mais família, mais alegria. Jeremias sofre abandono porque Deus sofre o mesmo. Há em Deus uma tensão, provocada pela atitude que Ele tem que tomar em relação ao povo que ama. Esta tensão tem paralelo na vida do profeta Jeremias. Jeremias quer ser dispensado desta tensão: Acaba de vez com este povo ou me deixa em paz!. Mas Deus ajuda-o a lembrar que, para ser um profeta de verdade, ele tem que aguentar esta tensão, enquanto Deus aguenta.

Um ponto chave em nossa mensagem vai ser como interpretar os nossos vários sofrimentos à luz do sofrimento de Jeremias.

4. Confissões de Jeremias

Nosso texto faz parte de uma das confissões de Jeremias (veja também 11.18-12,6; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). Nestes textos, a característica mais óbvia é que Jeremias fala em seu próprio nome. O eu nestes oráculos não se refere a Deus, mas ao profeta. As confissões mostram que a vocação do profeta é uma vocação para o conflito. O profeta enxerga e proclama um mundo alternativo. Isto gera um conflito entre o profeta e o mundo reinante. Mas também há conflito entre o profeta e o Deus que chamou o profeta. Jeremias gostaria de ver em Deus um lugar seguro (17.17), mas a mensagem tão dolorosa que Deus dá a Jeremias, junto com a infinita paciência de Deus, arrasa o profeta. Ele proclama julgamento e terror em nome de Deus; por isso o povo o despreza. Só por si, isso já é doloroso. Mas, quando Deus não age conforme o protela havia profetizado, então o sofrimento acaba em desespero: Será que não posso confiar em ti?.

Uma pergunta sobre estas confissões-lamentos de Jeremias, que é importante para nossa preparação (a resposta que damos pode determinar como vamos usar o texto na prédica.): Qual é a função e a intenção destes textos no livro de Jeremias? A natureza da Bíblia toda nos leva a concluirmos que estes textos vão muito além de informações biográficas sobre a vida pessoal de Jeremias. As suas confissões foram preservadas porque comunicaram algo crítico ao povo de Deus. Nas experiências pessoais de Jeremias, o povo de Deus poderia (e ainda pode) ver que mesmo o mais fiel e corajoso mensageiro de Deus nem sempre consegue entender o que está acontecendo. A presença de Deus não é sempre óbvia, nem para o profeta. Há então, neste texto, uma mensagem de consolo e encorajamento para os que querem ser fiéis ao Senhor.

Ao mesmo tempo, as confissões nos obrigam a reconhecermos que o conflito faz parte dessa fidelidade. Ser fiel ao Senhor significa proclamar o fim de um mundo e o início de um novo mundo. As forças que preservam a situação atual (forças políticas, sociais e pessoais) resistem, e os conflitos surgem.

5. Subsídios litúrgicos

Os três textos enfatizam a radicalidade do discipulado. O culto inteiro poderia ser organizado em torno desses textos.

5.1. Confissão dos nossos pecados e dores: Ler Jr 15.15-18 e conversar sobre onde, no mundo e na vida pessoal, sentimos a falta da ação de Deus. Onde perdemos a paciência? Como temos expressado a nossa desconfiança em Deus?

5.2. Chamado para arrependimento e a promessa da salvação: Ler Jr 15.19-20.

Hino 174

5.3. Caminho da cruz: Ler Mt 16.21-26. Distribuir para todos uma cruz e dialogar sobre as seguintes perguntas: Todo sofrimento é cruz? Quem está carregando a cruz hoje? Que exemplos podemos citar de pessoas que ganharam a vida perdendo a vida? (Veja também a Dinâmica da Cruz no Roteiro da OASE 1992, p. 45)

Hino 170

5.4. Envio: Uma peça sem palavras pode ser usada para encerrar o culto. Na frente, colocar uma mesa com uma cesta de coletas. Música suave toca. Várias pessoas passam e põem na cesta as suas ofertas. Uma delas passa, coloca uma nota dentro e começa a sair. De repente, ela pára e olha para cima, com uma pergunta no rosto. Parece que ouviu uma voz. Com gestos, expressa: Eu? Mas eu já dei... Tá, tá, tudo bem. Ela volta à cesta e tira da carteira mais uma nota, colocando-a na cesta. Ela começa a sair novamente. De novo ela pára abruptamente, olha para cima e com gestos expressa: Mas, como? Eu já... tá, OK... Devagar, ela retorna e, duma bolsa dentro do casaco, tira uma nota bem grande (tamanho papel de ofício). Com uma certa tristeza, ela a coloca na cesta. Mas, depois de colocar a nota, ela sai com peito estufado, porque ela fez uma oferta boa. Mas, mais uma vez, algo (al¬guém!) lá em cima chama a sua atenção. Ela não acredita. Com gestos, expressa: EU? EU?!! Não é possível...! Sem vontade, ela volta à cesta, vira as costas para a plateia e, de dentro do casaco, tira uma nota enorme. Com lágrimas, ela a coloca na cesta. Mas a voz de cima não a deixa escapar. Com gestos, ela manifesta: Mas eu não tenho mais!. De repente, ela fica boquiaberta, olha para os seus próprios pés e braços. Bem devagar, sobe na mesa e fica em pé dentro da cesta, cabisbaixa, mãos unidas em oração.

Ler Rm 12.1-8

Hino 166

6. Sugestão para pregação

1. Por que o cristão sofre? Porque ele é pecador (exemplos: abusos de bebida, comida etc.); Porque ele vive num mundo pecaminoso (filas do Inamps, cólera, trânsito etc); Porque ele/ela carrega a cruz.

2. Que significa carregar a cruz? Colocar a vontade de Deus em primeiro lugar, conforme o Evangelho para hoje. Alimentar-se com a palavra de Deus. Ler Jr 15.16

3. Por que isso causa sofrimento? O mundo resiste à vontade de Deus e não gosta de ser lembrado dela. Exemplos: O movimento negro nos EUA, durante os anos 60 e 70, proclamava a vontade de Deus: todas as raças têm direitos iguais. A sociedade resistiu, o movimento sofreu.
O Movimento dos Sem Terra proclama que a terra é de Deus e existe para dar vida às pessoas que querem cuidá-la. Muitos resistem a isso, e o movimento sofre.

O presbitério proclama que o cristão deve ser livre, consciente e responsável para com os seus dons. O presbitério incentiva as pessoas a contribuírem proporcionalmente. Ele é criticado por uns (eles só falam em dinheiro) e explorado por outros.(a contribuição é livre, então vou dar bem pouquinho). O presbitério sofre...
O cristão que quer levar uma vida digna, honesta, justa é chamado de bobo pela sociedade, onde os espertos, os vivos e os corruptos dominam.
Que exemplos surgem da sua realidade?

4. Quando carregamos a cruz, parece que as coisas nunca se endireitam. Nós não temos a paciência de Deus. Ler Jr 15.15. Às vezes, até parece que tudo é em vão, que até Deus desapareceu. Ler Jr 15.18.

5. Mas Deus não fica sem resposta. Ler Jr 15.19-20. Qual é a promessa? Resiste e persiste, e tu vais ser salvo. Jeremias só tinha a promessa. Nós temos mais. Temos Cristo como exemplo. Ele não só falou, mas fez. Ele encarnou o caminho da cruz e provou que este é o caminho para a vida. Mas, muito mais importante do que nós termos Cristo como exemplo, é o fato de que Cristo tem a nós. Ele nos chama de irmão e irmã e nos concede a sua vitória sobre a cruz e a morte.

7. Bibliografia

BOFF, L. Paixão de Cristo, Paixão do Mundo, Petrópolis, Vozes, 1977.
BRUEGGEMANN, W. A Imaginação Profética, São Paulo, Ed. Paulinas, 1983
SCHÖKEL, L. e DIAZ, J. Profetas l, Grande Comentário Bíblico, São Paulo, Ed. Paulinas, 1988.
FRETHEIM, T. The Suffering of God, Philadelphia, Fortress Press, 1984.


Autor(a): Ronald Baesler
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Jeremias / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 15 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1992 / Volume: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13540
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