Jeremias 20.7-13

Auxílio Homilético

30/06/1996

Prédica: Jeremias 20.7-13
Leituras: Romanos 5.12-15 e Mateus 10.26-33
Autor: Silvia Genz
Data Litúrgica: 5º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 30/06/1996
Proclamar Libertação - Volume XXI


1. O Texto

O texto de Jr 20.7-13 foi trabalhado em Proclamar Libertação VIII, pp. 145ss., em estudo realizado por Nelson Kilpp. Por isso não vamos abordar partes que se tornariam mera repetição (tradução, comentário de cada versículo...). Salientamos, no entanto, que Jr 20.7-13 é um texto que faz parte das confissões de Jeremias (semelhante a 11.18-12,6; 17.14-18; 18.18-23; 20.7-18). Estes textos caracterizam-se por expressar a situação pessoal do profeta. Ele lamenta a sua situação. Tu me seduziste, Javé, e eu me deixei seduzir. Tu me violentaste e venceste. Tornei-me objeto de escárnio o dia inteiro. Todo o mundo zomba de mim. (V. 7.) O profeta faz uma lamentação veemente, pois sua situação é de grande sofrimento.

1.1. Vocação e Sofrimento

O ditado popular diz: Nem tudo é um mar de rosas. Ter a vocação (profissão) de profeta, ser enviado de Javé, é ser vocacionado e enviado para dentro do conflito. O conflito se apresenta na medida em que acontecem o anúncio e a denúncia. O anúncio do profeta é a apresentação da vontade de Javé, que contrasta com a vontade do poder constituído e inclusive com a vontade do profeta. Jeremias reclama porque Deus o fez aceitar uma missão que nem imaginava o quanto o aborreceria. Normalmente, em nossos dias, ainda se diz que uma pessoa que fala duro, que diz certas verdades é uma pessoa radical e só traz conflito. Na época de Jeremias, em outra realidade, bem diferente da de hoje, o profeta foi perseguido, rejeitado, alvo de zombaria e de sofrimento. No entanto, ele tem consciência de que foi vocacionado, ou melhor, seduzido para a função de profeta.

O v. 7 descreve a situação pessoal do profeta. Tu me seduziste, Javé, e eu me deixei seduzir. Tu me violentaste e venceste. Tornei-me objeto de escárnio o dia inteiro. Todo o mundo zomba de mim. Podemos imaginar a situação de sofrimento, de depressão, de aflição na qual Jeremias se encontrava. Ele desabafa e expressa sua insatisfação pessoal por ser pessoa não-benquista.

Será que uma pessoa sensata gosta de ser objeto de escárnio, de zombaria? O ser humano não quer um relacionamento desarmônico, mas de entendimento e de paz. A pressão psicológica na qual o profeta se encontra faz com ele faça o desabafo. Está em questão o que deve ser anunciado. Por que sempre anunciar violência, mais opressão, sofrimento e dor para o povo? A vontade do profeta é anunciar paz, alegria, um novo tempo, de mais justiça e vida. Mas o anúncio ainda não é de boa nova, pois a conjuntura, o poder constituído, as ações governamentais e da parte do povo são de idolatria e consequente desobediência a Deus.

Ser portador de notícia ruim não é agradável. Denunciar falcatruas das autoridades é clarear o conflito existente entre a vontade de Deus e a vontade das autoridades e seus adeptos, e não é criar os conflitos. Ser profeta implica anunciar a vontade de Javé e automaticamente ser odiado por aqueles que estão em desconformidade com Javé e não estão dispostos a mudar. A vocação de profeta é tarefa árdua. A f é o impulsiona e não o deixa fugir da vocação. A canção O Profeta caracteriza muito bem o ser profeta:

1. Antes que te formasses dentro do seio da tua mãe,
antes que tu nascesses te conhecia e te consagrei.
Para ser meu profeta entre as nações eu te escolhi.
Irás onde enviar-te e o que te mando proclamarás.

Est.: Tenho que gritar, tenho que arriscar.
Ai de mim se não o faço!
Como escapar de ti, como calar,
se tua voz arde em meu peito?
Tenho que andar, tenho que lutar.
Ai de mim se não o faço!
Como escapar de ti, como calar,
se tua voz arde em meu peito?

2. Não temas arriscar-te, porque contigo eu estarei.
Não temas anunciar-me, em tua boca eu falarei.
Entrego-te meu povo. Vai arrancar e derrubar;
para edificares, destruirás e plantarás.
(O Povo Canta, p. 58.)

1.2. Negar a Vocação

Em seu desabafo, em sua fala, na sua confissão o profeta Jeremias demonstra a sua vontade de negar a tudo, deixar de lado a vocação e procurar viver a vida em conformidade com a situação reinante, acompanhar a ideologia e o poder instalado, Talvez, até fosse mais fácil. Mas é salutar fechar os olhos e ignorar o sofrimento, as injustiças, a situação de idolatria que se instala? A missão de profeta não permite alternativa, tenho que gritar, tenho que arriscar, ai de mim se não o laço. Tenho que andar, tenho que lutar, ai de mim se não o faço. Como escapar de ti, como calar se tua voz arde em meu peito? Sim, a vocação está acompanhada de envio. Deus vocaciona e envia, e não há como escapar sendo pessoa de fé.

1.3. Ação e Reação

A ação do profeta, o anúncio da vontade de Deus encontram eco junto às autoridades constituídas e ao povo que é conivente. Com sua ação, o profeta fica de consciência tranquila. O desempenho da sua função o deixa tranquilo, mas o leva a sentir e conviver com a reação do povo e das autoridades. A esperança do profeta reside na aceitação da profecia e consequente mudança da realidade. A vontade de Deus convida para que a ação do profeta leve a uma reação de mudança e consequente paz. Mas o v. 10 demonstra a reação de perseguição: todos, até os amigos, ficam à espreita e torcem pela queda do profeta. A profecia denuncia a injustiça existente. O anúncio da Palavra, da proposta de Deus implica denunciar as injustiças reinantes. O profeta espera a aceitação da profecia e a volta da paz. Mas, quando a sua mensagem não é o que as autoridades e o povo esperam, aí vem o clima adverso e o profeta passa a ser alvo da reação dos que não aceitam o anúncio de Deus.

2. A Caminho da Atualidade

A vocação de profeta é um chamado para que a pessoa se coloque a serviço de Deus. É deixar tudo para trás e colocar-se à disposição. É compromisso com Deus. Há só duas possibilidades: ir ou não ir, ser ou não ser, realizar, anunciar ou não o fazer. O fato é que há somente um compromisso, o compro¬misso com a verdade. E a verdade é Deus. E feliz é a pessoa que busca a verdade. No entanto, Jeremias sabe que poucos buscavam a verdade (Jr 5.1). No Novo Testamento é Jesus que diz: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Se permanecerdes na minha Palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. (Jo 8.32.)

Ser profeta em nossos tempos faz parte da vida das pessoas: no falar e agir em conformidade com a vontade de Deus, em todas as profissões, em todos os lugares e em qualquer tempo. Há situações de conflito! Momentos de conflito e depressão. Quantas vezes chegamos a situações onde gostaríamos de nos esquivar e não o fazer, achar uma outra saída! Quantas vezes devemos dizer algo que o outro não quer ouvir! Isto como pastor/a, professor/a, juiz/a, político/a, enfim, em todas as profissões, cargos e funções. Mas há um só compromisso, que é o compromisso com a verdade. Como pastor/a, obreiro/a, certamente passamos por muitas situações onde até gostaríamos de nos esquivar, mas pensando melhor não o fizemos.

Em todas as atividades, profissões e cargos faz-se necessário pensar, planejar a ação com muito esmero, sempre a partir de um fundamento, que para os cristãos é o evangelho — a palavra de Deus. Pois bem, pensar, discernir, planejar a ação é sem dúvida necessário. O uso das capacidades mentais faz com que possamos empregar a melhor maneira de comunicação e de animação para a mudança de consciência. Podemos contar com subsídios procedentes de diversas áreas: psicologia, sociologia, direito... Dependendo do jeito, do modo como fazemos o convite, a reação será bem diferente. A participação depende muito do estado de ânimo da pessoa que convida e do convidado.

A comunidade precisa do anúncio. A comunidade precisa da denúncia. Mas também precisa discutir e planejar a continuidade, o seu plano de ação, quais os objetivos a curto, médio e longo prazo. Muitas vezes o planejado não acontece. E agora, o que fazer? A situação de Jeremias nos mostra que a lamentação, a angústia também fazem parte da vida de fé. O profeta parece que não aguenta mais. Muito conflito, trabalho demais, crise, desânimo, dificuldade, é peso demais e não é possível continuar. No entanto, Deus se mostra novamente com tanta força, a sua palavra derruba a resistência e o enfado. Há aí sem dúvida para a comunidade cristã de hoje um exemplo de vida e sobrevida em meio às dificuldades. Em meio às divisões, em meio à existência de grupos na vida da comunidade, são bastante comuns a pressão e o conflito. E o que fazer diante desta situação? Em princípio é necessário lembrar que sem dificuldades nada se consegue. A perseverança é necessária e a boa vontade é necessária; também deve haver espaço para a lamentação, para o desabafo, para o ouvir, para o diálogo.

A fé motiva, consola e fortalece a caminhada da comunidade cristã. Pois a comunidade cristã reconhece que é Deus que livra o pobre, o sofredor, o angustiado da mão dos perversos, malfeitores. A este Deus louvamos (v. 13). O exemplo de Jeremias nos mostra que não precisamos nos dar por derrotados pelas adversidades. O profeta se anima, após o lamento, pela certeza da presença de Deus.

3. Subsídios Litúrgicos

Intróito: Jesus diz: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. (Jo 8.31-32.)

Confissão de pecados: Ó Deus, aqui estamos lamentando a nossa fraqueza, nossa falta de coragem de confessar a tua vontade neste mundo. Às vezes até o fazemos, mas nos perdemos na arrogância, pensando que somos os donos da verdade. Faltamos no diálogo e no amor. Outras vezes achamos que é melhor fazer de conta que está tudo bem e ignoramos o sofrimento. Perdão por não lermos coragem de denunciar as falcatruas cometidas na comunidade, nos órgãos governamentais, no nosso bairro, na nossa vila e na sociedade em geral. Perdão por não irmos ao encontro dos que estão sofrendo. Perdão por não apoiarmos as pessoas que denunciam as injustiças e clamam por mudança. Como IECLB te pedimos perdão, pois temos dificuldades em apoiar as lutas dos empobrecidos. Discriminamos os portadores de deficiência, as pessoas de outras raças. Temos pouco espaço e tempo para as crianças e os idosos, temos dificuldades em ir ao encontro dos que sofrem. Ó Deus, te clamamos, te pedimos por perdão, por piedade. Dá-nos força para mudarmos!

Absolvição: Agrada-se o Senhor dos que o temem, e dos que esperam na sua misericórdia. (Sl 147.11.)

4. Bibliografia

GALLAZZI, Sandro. E Vocês Saberão que Eu Sou Javé. Belo Horizonte, CEBI, 1990. (A Palavra na Vida, 32).
KIRST, Nelson. Jeremias. (Polígrafo).
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, ASTE, 1974. vol. II.


Autor(a): Silvia Genz
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Jeremias / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1995 / Volume: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14227
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