Jeremias 31.7-9

19/11/2000

Prédica: Jeremias 31.7-9
Leituras: Hebreus 5.1-6 (7-10) e Marcos 10.46-52
Autor: Günter Wolff
Data Litúrgica: Penúltimo Domingo do Ano Eclesiástico
Data da Pregação: 19/11/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV


1. Introdução

Estamos chegando sempre mais perto da época de que a comunidade mais gosta, o Natal. O Advento e o Natal transmitem esperança, coisas novas, surpresas, presentes. Não é de graça que a comunidade dá muito mais destaque ao Natal que à Páscoa. Na Páscoa está embutida a cruz, no Natal não. Por isso a comunidade destaca mais o Natal, a glória de Deus revelada em Jesus Cristo. Isto também acontece na Páscoa, mas lá tem a cruz.

Interessante que no período do Advento citam-se muitos textos proféticos que falam da promessa e da esperança. Esses textos proféticos a comunidade não questiona nem torce o nariz para eles. Os demais textos proféticos não são tão amados pela comunidade pois revelam de forma muito clara a denúncia e o sistema montado neste mundo como sendo questionado por Deus. Fica claro o sentimento de que a comunidade gosta dos textos proféticos citados no Natal, mas não gosta especialmente dos demais textos proféticos.

Fica sempre o dilema para nós sacerdotes e sacerdotisas: sacerdote pode e consegue ser profeta? A comunidade quer um sacerdote e não um profeta (sacerdote no sentido do templo de Salomão para abençoar, celebrar os ritos religiosos e legitimar o sistema vigente). A comunidade quer ser cativada, animada e participa do culto para fugir, esquecer e ficar longe dos problemas da vida. O profeta, por seu lado, joga esses problemas para dentro do culto e da vida.

Mas este texto de Jeremias é dos poucos textos seus que fala em esperança. Fala em esperança, mas a partir de uma situação de exílio que aconteceu exata-mente porque o povo não ouviu a denúncia profética e rompeu a aliança com Deus. Nos demais textos de Jeremias encontramos apenas a palavra de que não haverá volta para esse povo. Ele está cavando a sua própria destruição. Há tanta denúncia que até o profeta não aguenta mais e reclama (Jr 20.8-10), mas continua falando. Assim, em Jr 1 .10 está claro o seu papel: ele tem que arrancar e derribar, destruir e arruinar primeiro para depois edificar e plantar.

O nosso texto profético fala do edificar e do plantar para o alívio do sacerdote e da comunidade. Preparemo-nos, pois, para o espírito natalino sem, no entanto, esquecer que esse Cristo que nasceu à margem e na estrebaria passou pela cruz e ressurreição do corpo. Falamos do Natal não por causa do Natal, mas por causa e a partir da Páscoa.

2. Um pouco de história

Jeremias começou a atuar no período do rei Josias (640 a 609 a.C.) e continuou até após a segunda deportação dos israelitas para a Babilônia em 587 a.C. Foi poupado da deportação porque os babilônios o consideraram um colaborador e lhe deixaram a escolha: viver sob a proteção dos babilônios na Babilônia ou ficar em Jerusalém. Ele escolheu ficar em Judá.

Os conquistadores escolheram seu governante confiável, Gedalias, que era da corte do rei Zedequias, que se revoltou em 587. Gedalias foi assassinado um ano depois, e um grupo, temendo a repressão babilônica, fugiu para o Egito levando consigo o profeta Jeremias, que morreu no exílio no Egito.

Os caps. 30 e 31 de Jeremias são conhecidos como o Livro da Consolação de Israel. Há várias teorias sobre ele, e uma diz que se dirige aos deportados do Reino do Norte de 722 a.C. e que os textos foram redigidos no período em que o rei Josias havia submetido uma parte do antigo Reino do Norte falando da esperança da volta desses deportados que haviam sido dispersos pelos assírios. Era uma forma de conseguir apoio popular na área conquistada. Em todo caso, este texto também traz ânimo e coragem aos exilados babilônicos.

3. O Novo Êxodo — Jr 31.7-9

Pode-se incluir neste canto de retorno os exilados de 722 e 597/587, pois todos são exilados e todos retornarão. Todos voltarão porque todos foram purificados pelo exílio e são agora iguais. O exílio deixou todos iguais: escravos. São agora o novo Israel que será fiel a Deus. Esse Novo Êxodo do qual fala este canto de retorno será mais fácil: serão guiados por caminhos retos e irão aos ribeiros de água. Não haverá as dificuldades do primeiro êxodo. Todos os que têm dificuldades de andar também voltarão para casa, e não haverá exclusão. Ninguém será deixado para trás. Haverá uma atenção especial aos mais fracos entre os fracos.

O exílio acabou com a distinção de impuros e puros — todos são exilados e povo de Deus. Na verdade, todos se tornaram impuros, pois vivem em terra estrangeira, em meio a pagãos. Não há mais ou menos justos. Por isso todos voltarão e serão guiados por Deus.

Na verdade, esse retorno é uma espécie de tempo messiânico em que todos, também os portadores de deficiência e mulheres, terão o seu valor — serão iguais. Deixa de valer a lei de Lv 21.17-23 que exclui os sacerdotes do trabalho no templo só porque têm alguma deficiência. Isso significa agora que todos são considerados puros c dignos de voltar para casa. Todos serão incluídos no processo de salvação.

Este canto tem a função de levantar o moral, dar esperança e a certeza de que Deus não abandona seu povo. O canto, na verdade, tem um só pedido: salva o teu povo! Traze todos do norte e das extremidades da terra. Cita especialmente os mais fracos para que não fiquem para trás.
Voltarão em choro pela dor e sofrimento passados, em alegria pelo retorno e em súplicas pela nova vida na velha pátria. Lembrando sempre que Deus é pai.

4. O texto

V. 7: Tem cinco imperativos: cantai com alegria, exultai, proclamai, cantai louvores, dizei. São ordens e necessidades automáticas por causa do processo de libertação que está se iniciando. E um pedido: Salva, Senhor, o teu povo, o restante de Israel.

V. 8: Agora vem o oráculo propriamente dito.

V. 9: Diz como vai ocorrer a volta. Sugere que Deus é o bom pastor (v. 10) que guia seu rebanho em segurança para casa. Deus está adotando, como pai, o povo: sou pai para Israel, e Efraim é meu primogênito.

5. Sugestões para a pregação

Refletir sobre por que nós estamos numa situação de exílio interno. Miséria, violência, desemprego, doença e a falta total do amparo da estrutura estatal. Estamos nisto porque também quebramos a aliança com Deus, como o fez o povo de Israel. Também nós nos desviamos e corremos atrás de falsos deuses e falsos reis que nos levaram para esta situação de instabilidade total e à mercê da terra do Norte.

Temos que clamar que Deus nos tire desse exílio interno e nos livre do poder da ' 'terra do Norte''.
O povo também está disperso até as extremidades da miséria: escravidão pura e simples ocorre neste país, semi-escravidão via salário mínimo e desemprego, os coxos, cegos e demais fracos são deixados para trás sem oportunidade de acompanhar ou de sonhar com um retorno à dignidade e ao sonho de libertação. Estamos exilados dentro de nossas próprias casas, com medo de sair à noite, pois foi decretado o toque de recolher incondicional pelo medo e pela violência.

Necessitamos urgentemente de uma profecia assim, que nos mostre um caminho de retorno à liberdade e à dignidade; que nos assegure que Deus vai nos mostrar o caminho de volta para a pátria livre e aconchegante e que não vai deixar ninguém para trás.

Urge que Deus novamente faça uma nova aliança conosco (Jr 31.31-34) e nos adote novamente em seu projeto de libertação. Não aguentamos mais viver no exílio interno, isolados da vida digna e de um futuro promissor e tranqüilo.

Mas que também saibamos que o anúncio de libertação irá necessitar diurna profunda avaliação e arrependimento pelos erros do passado: por nos deixarmos iludir constantemente pelas lideranças corruptas e pelo Estado que virou deus (pois ele manda e nós obedecemos sem resistir), e pelos deuses falsos que superabundam à nossa volta. O exílio foi para o povo de Israel tempo de avaliar, a partir da lei, da história e das profecias, o seu passado. Se queremos ter profecias como esta de Jeremias temos que passar primeiro por esse processo de avaliação em nosso exílio interno. Somente depois conseguiremos escutar as profecias que falam em esperança. Primeiro temos que falar em arrependimento e conversão ao projeto de Javé, e depois ele nos enviará profecias que nos indiquem caminhos que levam aos ribeiros de águas.

Nós somos como o povo de Israel antes do exílio babilônico: não ouvimos nossos profetas, os perseguimos e desprezamos suas profecias, e por isso vamos nos afundar sempre mais até a total escravidão.

Se não houver uma volta total ao projeto de Javé seremos escravos reais da terra do Norte (EUA, G7). Isto, no entanto, exige uma quebra total da atual conjuntura de obediência aos reis e deuses falsos. Exige um enfrentamento profético com a estrutura da atual sociedade escravizadora que vai até a extre¬midade da terra (globalização).

O povo quer que os sacerdotes falem de esperança e o animem, mas não quer ouvir falar de arrependimento e conversão radical. Sem isto não dá para anunciar a esperança. Pois a esperança está exatamente no arrependimento e na conversão ao projeto de Javé. Sem isto não há esperança!
Pior, anunciar esperança sem isso é mentir e iludir o povo. É ser falso profeta, é ser profeta do santuário do rei e do templo do reino (Am 7.13) que só diz o que o rei quer ouvir.

Ai dos sacerdotes de Betel de hoje!

Bibliografia

BÖHMER, Siegmund. Heimkehr und neuer Bund : Studien zu Jeremia 30-31. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1976.
BRUEGEMANN, Walter. Jeremiah 26-52. Edinburgh : W. B. Eerdmans, 1991.
WEISER, Artur. Das Buch Jeremia. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1966.

Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Günter Wolff
Âmbito: IECLB
Testamento: Antigo / Livro: Jeremias / Capitulo: 31 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12835
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