Jesus é Sacerdote e Sacrifício | Hebreus 5.5-10

5º Domingo na Quaresma

21/03/2021

 

Amados irmãos e amadas irmãs,

esta é a nossa última pregação da série Quaresma: o Raio-X de nós mesmos. Nesta série de pregações, vimos à luz da Palavra de Deus que a cruz de Jesus era inevitável, que a lei é um espelho onde enxergamos a nós mesmos, a partir de Lei e Evangelho, como, ao mesmo tempo Justos e Pecadores; no último Domingo aprendemos que o amor verdadeiro é ação. E hoje temos como tema Jesus é Sacerdote e Sacrifício ao mesmo tempo. Hoje encerramos essa série de pregações com um Raio-X de quem nós somos diante de Deus.

Mas, o que é um sacerdote? Primeiro precisamos clarear o que significa um sacerdote. Afinal de contas, o que é um sacerdote? Quem é um sacerdote? O que faz um sacerdote? Sem entendermos o significado do sacerdócio no Antigo Testamento, não teremos como compreender o significado de Hebreus 5.5-10.

Na tradição judaica, o sacerdócio tinha a função de mediar o relacionamento de Deus com o seu povo e do povo com o seu Deus. O sacerdote é o mediador. Um nome que podemos mencionar é Moisés. Ele frequentemente orava a Deus pelo povo, pois o povo era reclamão e desobediente. Quando Deus ficava irado com o seu povo, Moisés orava a Deus, intercedendo pelo povo. Essa é a função do Sacerdote. Ser o intermediário da relação de Deus com o seu povo e do povo com o seu Deus.

No judaísmo havia também o Sumo Sacerdote que possuía uma função ainda mais importante. Enquanto o povo de Deus peregrinava pelo deserto, eles possuíam um tabernáculo. O que era um tabernáculo? Era uma tenda que era um templo móvel. Eles peregrinavam pelo deserto. Quando paravam por um período de tempo em um lugar, montavam a tenda onde eram realizados seus rituais de culto. Quando era o momento de partir, o tabernáculo – ou seja, a tenda – era desmontada e levada junto com eles. Só seria montada novamente quando parassem novamente em outro lugar. Mais tarde, quando o povo conquista à Terra Prometida, o Tabernáculo – a tenda móvel – será substituída pelo Templo de Jerusalém, uma construção fixa e imóvel.
Dentro do Tabernáculo – e depois, do Templo – havia um lugar chamado O Santo dos Santos. Era um lugar bem ao fundo do Tabernáculo. No judaísmo, acreditava-se que o próprio Senhor habitava naquele lugar. Por isso o Tabernáculo, além de ser a tenda móvel para o culto, simbolizava também a própria presença de Deus entre o povo. Onde o Tabernáculo era montado e onde, mais tarde, foi construído o Templo de Jerusalém, ali estava simbolizada que Deus estava presente no meio do seu povo, mesmo que soubessem que Deus não poderia ser preso em paredes construídas por mãos humanas. Porém, eram questões simbólicas muito importantes.

Apenas uma pessoa poderia entrar neste lugar chamado Santo dos Santos: o Sumo Sacerdote. E poderia fazer isso apenas uma vez por ano! Nem mais e nem menos. Encontramos muitas informações sobre isso no Livro de Levíticos que é fantástico. Aliás, nunca entenderemos o sacrifício de Jesus na cruz sem lermos e compreendermos um pouco mais do livro de Levítico, especialmente Levítico 23.26-32. Uma vez ao ano acontecia o que em hebraico se chama Yom Kipur. Estas palavras hebraicas significam O Dia da Expiação. Era o dia do sacrifício. Naquele dia, o Sumo Sacerdote entrava no Santo dos Santos do Tabernáculo e oferecia o sacrifício da morte de um animal pelo perdão dos pecados do povo. O perdão acontecia através de sacrifícios e quem fazia esses sacrifícios era o Sumo Sacerdote. E era realizado apenas uma vez por ano. Naquele dia, o povo deveria descansar e oferecer também os seus sacrifícios pelo perdão dos pecados. O Sumo Sacerdote sacrificava um Cordeiro que morria no lugar do pecador. O Cordeiro morria no lugar do pecador. Esse sacrifício acontecia uma vez por ano.

Portanto, havia os sacerdotes que intercediam pelo povo e o Sumo Sacerdote que realizava anualmente o sacrifício do Cordeiro no Santo dos Santos do Tabernáculo e depois, também, no Templo de Jerusalém. Enquanto os profetas tinham a função de pregar a verdade sobre Deus, os Sacerdotes intercediam a Deus em favor do povo. É por isso que ainda hoje às vezes o pastor faz a oração virado para o altar. Não significa uma adoração ou idolatria dos objetos que estão em cima da mesa do altar. Mas, significa intercessão. Quando o pastor está de frente para a comunidade, significa que ele está assumindo uma função profética de anúncio da Palavra de Deus; porém, quando ele está de costas para a comunidade e diante do altar, significa que está assumindo uma função sacerdotal para orar e interceder pelo povo de Deus. Profeta ao pregar, sacerdote ao orar.

Diante disso tudo, o texto de Hebreus 5.5-10 já se torna um pouco mais claro. O autor de Hebreus nos diz que Jesus é o Sacerdote. Se Jesus é Sacerdote? O que ele faz? Se Jesus é sacerdote, qual é a sua função? Pense comigo: então é ele quem intercede diante de Deus por nós. Então Jesus é quem faz a mediação entre nós e Deus. Através de Jesus nós temos acesso a Deus. Através de Jesus é que vamos até Deus. O único jeito de chegar até o Pai é através de Jesus. Ele não apenas revelou o rosto amoroso e misericordioso de Deus, mas é o único acesso a Deus.

Por isso Paulo irá dizer em 1 Timóteo 2.5: “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e a humanidade, Cristo Jesus, homem.” Não há outra maneira de chegar até o Pai a não ser por Jesus. O próprio Senhor Jesus irá dizer em João 14.6: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. Perceba que Jesus não disse ser um caminho, uma verdade ou uma vida. Ele não diz ser apenas uma possibilidade de tantas disponíveis. Não! É somente e exclusivamente Cristo, pois só ele é o Sumo Sacerdote que faz a mediação entre nós e o seu Pai. Somente ele é a Porta que leva aos céus. Somente ele é o Caminho. Somente Jesus é a Salvação!

Mas, se Jesus é o Sumo Sacerdote que faz a mediação entre nós e Deus, o que ele ofereceu de sacrifício? O Sumo Sacerdote não oferece um sacrifício pelos pecados do povo? O que Jesus ofereceu se é, como Hebreus diz, o Sumo Sacerdote? A resposta nós encontramos na boca de João Batista que nos diz “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. (João 1.29). Como Sumo Sacerdote, Jesus ofereceu a ele mesmo como sacrifício pelo perdão dos nossos pecados. Ele é Sacerdote e Sacrifício ao mesmo tempo. É o Sacerdote que sacrifica a si mesmo no altar da cruz para que tenhamos pleno perdão dos nossos pecados e pleno acesso a Deus. Jesus, como Sumo Sacerdote, não oferece em sacrifício um cordeiro, uma pessoa ou qualquer outra coisa, mas ele oferece a si mesmo. O próprio Deus se oferece para ser sacrificado na cruz para a nossa salvação. O verdadeiro Yom Kipur – dia da expiação – aconteceu naquele dia escuro em que o próprio Deus decidiu nos substituir ao se sacrificar na cruz. É Sumo Sacerdote e Sacrifício. Ele sacrifica a si mesmo por nós.

Antes de morrer na cruz, Jesus disse suas últimas palavras que foram “Está consumado.” (João 19.30). Isso significa que esse sacrifício é único. Não precisa ser repetido, como era costume na tradição dos judeus. Ele fez o sacrifício de uma vez por todas pela nossa salvação. Ele não precisa morrer novamente todos os anos. Ele já morreu uma única vez para que tenhamos salvação plena e eterna. Por isso o nosso texto de Hebreus irá dizer que ele é o Autor da Salvação. Foi feito e consumado. Não há nada mais a ser acrescentado à obra da pessoa de Jesus Cristo na cruz. Não há nada que possamos fazer para conseguir a salvação eterna, pois ele já fez tudo por nós. Nos substituiu na cruz. Ofereceu-se a si mesmo para o perdão dos nossos pecados.
O que aconteceu no Templo de Jerusalém quando Jesus morreu? Você lembra? O véu do templo se rasgou de cima até em baixo. O que isso significa? Não há mais barreiras entre nós e Deus. Antes apenas o Sumo Sacerdote poderia entrar no Santo dos Santos uma vez por ano. Agora o véu se rasgou: o Santo dos Santos, ou seja, a presença de Deus está disponível para todos e todas. Temos livre acesso a Deus-Pai por meio de Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote e Sacrifício. Se antes apenas o Sumo Sacerdote tinha acesso direto a Deus, agora esse acesso está aberto por causa de Cristo. Por isso não há nenhuma cortina separando o altar da igreja aqui nas nossas comunidades. O véu foi rasgado. Todos podemos vir e celebrar culto diretamente ao nosso Deus.

Além disso, o livre acesso a Deus demonstra que podemos viver com o Senhor não apenas na igreja, mas também em qualquer lugar. Um não exclui o outro. Precisamos da comunhão na igreja e precisamos também de uma espiritualidade individual e doméstica. Podemos orar e cantar a Deus na igreja, mas podemos fazer isso também em casa, pois temos livre acesso ao Senhor. Podemos confessar os nossos pecados ajoelhando em nosso lar e podemos, se quisermos, confessá-los ao pastor que pronunciará a Palavra de perdão e graça que vêm de Jesus. O sacrifício de Jesus nos torna livres para vivermos a fé em comunhão e também individualmente, sendo que a comunhão não elimina a necessidade de uma espiritualidade individual e a espiritualidade individual não elimina a necessidade da comunhão.

Sumo Sacerdote e sacrifício ao mesmo tempo. Para concluir, quero mencionar duas consequências práticas disso para a vida cristã. São duas consequências fundamentais:

1 Somente Cristo: Vivemos no mundo da tolerância onde verdades sólidas são constantemente questionadas e apedrejadas. A tolerância é boa, mas geralmente quem prega a tolerância esquece algo bem importante: Só pode haver tolerância se houver discórdia. Onde todos concordam, não há o que tolerar. Só é possível haver tolerância onde existem pessoas com ideias contraditórias. Tolerância pressupõe diferença! Onde todos pensam igual, não há o que tolerar.

Com isso, estou querendo dizer que é tendo convicções da nossa fé que poderemos tolerar quem pensa diferente. Na nossa posição, o único caminho para Deus é Jesus Cristo. Ele não é apenas mais uma opção de tantas disponíveis, de tantos caminhos. Não! É o caminho, a verdade e a vida. Do ponto de vista cristão, o caminho para Deus é exclusivamente Jesus, pois somente Cristo é o mediador entre Deus e os homens. Só pode haver tolerância para com outras religiões se primeiro aceitarmos no quê cremos. Se relativizarmos a fé e acharmos que todos os caminhos levam a Deus, então a tolerância foi substituída por uma sopa religiosa. E aqui não estou falando de placas de igreja, pois qualquer igreja possui em comum a fé em Jesus Cristo. Estou falando das grandes religiões a nível mundial. A verdadeira tolerância entende quem somos e que o outro é diferente de nós e por isso deve ser tolerado e respeitado. Porém, onde as “fés” são misturadas a partir do que eu quero crer, ali não há tolerância, mas, no fim das contas, a religião do ego, a religião do eu onde eu digo quem Deus deve ser pra mim ao invés de aceitar quem de fato ele é e deixar Deus ser Deus.

Portanto, Jesus ser Sacerdote e Sacrifícios ao mesmo tempo significa, em primeiro lugar, que apenas ele é o Senhor, apenas ele é a Verdade, apenas ele é o caminho que leva a Deus e que não há outra maneira de ser salvo a não ser por meio e por causa de Cristo! Esta é a primeira consequência prática. A segunda é:

2 Emanuel, Deus conosco: Deus não é um ser distante e que nega o mundo, mas é o Emanuel, o Deus conosco, aqui, pertinho, próximo, solidário, empático. Ele sabe das nossas dores, pois sofreu humanamente as nossas dores. Deus sabe o que é sofrer porque se fez humano e sofreu. Deus sabe o que é morrer porque se fez humano e morreu humilhado na cruz. Mesmo que tenhamos dias e semanas bem tristes e difíceis, o Senhor não nos abandona. Esta não é apenas uma informação teórica e bonitinha, mas prática de fato: ele se fez carne e sabe completamente o que é ser humano. Conhece nossos dilemas, nossas tentações, nosso coração como mais ninguém. Conhece a humanidade melhor que a própria humanidade.

Por isso, ele é Sacerdote presente. Em nosso luto, aflições, medos, ansiedades, tristeza, desespero, morte, pranto, enfim, ele intercede por nós ao Pai. Jesus torna Deus disponível. Em meio à dificuldade que enfrentarmos, podemos ter certeza de que por causa de Cristo Deus ouve a nossa oração. Podemos nos derramar na presença de Deus sabendo que por meio do Sumo Sacerdote Jesus seremos ouvidos e cuidados. Através de Jesus, Deus ouve a nossa oração. E quanto não sabemos orar, o próprio Espírito Santo intercede por nós com gemidos inexprimíveis. A pergunta é se a oração ainda tem lugar na nossa vida. Se amamos falar com o Senhor agradecendo, louvando, confessando nossos pecados e suplicando por seu auxílio.

Ao ser sacrifício, morreu em nosso lugar. Somos libertos do fardo do pecado e podemos viver de maneira livre para servirmos a Deus por meio do próximo. Estamos caminhando para a Sexta-feira da Paixão onde lembraremos outra vez que Jesus realizou o sacrifício uma única vez pela nossa Salvação. Não realizamos novamente o sacrifício, pois ele está consumado. Apenas lembramos o quanto Deus nos ama ao ponto de agir desta maneira na História da Salvação.

Amados irmãos, amadas irmãs,
deixe o seu coração falar. O que você está sentindo? Como você está? Essas últimas semanas tem sido difíceis. Talvez muitos de nós temos chorado bastante nesses últimos dias. Talvez tenhamos muitas dúvidas e muitos “por quês?” em nossa mente. Tudo é um grande mistério para o qual parece não haver explicação. Tanto luto, tanto sofrimento, tanta dor. Já passamos de 290 mil mortes por covid. Sem contar as tantas outras por causas diversas que também não tiveram acesso a UTIs. Se há tempo de prantear, esse tempo é agora!

E assim recebamos a certeza do Emanuel, o Deus conosco que é Sumo Sacerdote e está intercedendo por nós. Jesus lembra de ti. Deus não esqueceu de você. Deus, em Jesus, te ama muito. Morreu por nós para o perdão dos nossos pecados. A partir do amor de Deus recebido, doemos amor cuidando de nós mesmos e do próximo. Não posso deixar de falar disso, ainda mais após a semana triste que tivemos. Assim como somos cuidados pela intercessão de Jesus, também oremos e cuidemos uns dos outros. Amém.


5º DOMINGO NA QUARESMA | VIOLETA | CICLO DA PÁSCOA | ANO B

21/03/2021

Série de Pregações: Quaresma: O Raio-X de nós mesmos | Episódio 4


P. William Felipe Zacarias


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Missão / Nível: Missão - Coronavírus
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Hebreus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 5 / Versículo Final: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 61681
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