Jó 38.1-11

16/07/2000

Prédica: Jó 38.1-11
Leituras: 2 Coríntios 5.14-17 e Marcos 4.35-41
Autor: Almir dos Santos
Data Litúrgica: 5° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 16/07/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV
Tema: Pentecostes


A fé que resiste à tentação

1. Introdução

Estamos em plena quadra ou estação eclesiástica de Pentecostes. Sabemos que Pentecostes é a festa que recorda a descida do Espírito Santo sobre os discípulos. Antes de começar a compartilhar com os irmãos e irmãs o que pesquisei para este auxílio homilético, gostaria de navegar um pouco sobre o significado desta quadra eclesiástica do ano cristão chamada Pentecostes ou vinda do Paráclito.

Quem assiste a uma sessão das Nações Unidas fica ou ficava admirado porque aquilo que o orador diz é traduzido, no mesmo momento, para três ou mais idiomas. E só torcer uma pequena chave e se ouve o orador em inglês, francês, russo, espanhol ou alguma língua africana. Isso lembra o falar em línguas descrito no livro de Atos. No dia de Pentecostes, cada pessoa ouviu a palavra de Deus na sua própria língua. Foi uma experiência religiosa de que todos participaram. As barreiras de linguagem foram postas abaixo pela inspira¬ção recebida com a vinda do Espírito Santo.

A vinda do Espírito Santo foi o cumprimento da promessa de nosso Senhor, pois disse Ele: Permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder. (Lc 24.49.) Aquela espantosa experiência é descrita em At 2.1-15. Algumas pessoas sentiram como se um vento impetuoso tomasse conta da sala cm que estavam todas reunidas. Outras disseram que os discípulos estavam embriagados. Ainda outras afirmaram que as faces do povo brilharam como o fogo. E muitas começaram a crer que Jesus era, na verdade, o Salvador. Naquele dia a Igreja começou a crescer, lira uma nova vida, cheia de alegria, amor e esperança. Todos viram o Espírito e foram por Ele influenciados. Foi uma coisa que os discípulos jamais esqueceram. Daí em diante, vários acontecimentos e experiências deram testemunho de que realmente algo maravilhoso e diferente havia mudado o rumo da nascente Igreja cristã. O livro de Atos dos Apóstolos nos diz que não houve outra experiência semelhante.

Além do que narra o livro de Atos, também para o evangelista São João, bem como para São Lucas e São Paulo, a vida e missão da Igreja têm seu começo na ressurreição e na vinda do Espírito Santo. Só que, nestas narrativas, esses eventos ocorrem simultaneamente. A Páscoa inclui Pentecostes.
A Igreja começa sua vida e missão com a alegria na presença do Ressuscitado. Com isso é retomada e realizada a' promessa da paz. Como no início da narrativa da criação, como também na transformação do vale de ossos desconjuntados, o Ressurreto sopra o Espírito Santo sobre sua Igreja como o poder que sustenta a vida e missão da mesma. A paz é fruto desse Espírito (Gl 5.22) e consequência da reconciliação com Deus (Rm 5.1).

Também é preciso reconhecer que a recepção da mensagem é diversificada. Tudo indica que quando Maria foi anunciar a ressurreição aos discípulos, a aceitação foi demorada e Tomé teve suas dúvidas. De modo geral houve trans¬formação. A vinda do Paráclito renovou e transformou as pessoas, e um exemplo disso está em At 10.44-46, no que ocorreu na casa do oficial romano chamado Cornélio. Essa foi uma experiência surpreendente para o apóstolo Pedro e seus acompanhantes, pois eis que pela primeira vez os gentios (não-judeus) foram abençoados com o Espírito Santo de Deus, assim como os judeus já o tinham sido. Também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida. (At 11.18.)

2. Um pequeno comentário

Os domingos precedentes nos apresentaram um Jesus dominador das doen¬ças e das potências demoníacas. Hoje, seu poder se dilata para abraçar os elementos da natureza em sua representação mais grandiosa e poderosa: o MAR.

A leitura do Antigo Testamento para este 5° Domingo após Pentecostes é tirada do livro de Jó, cap. 38, w. 1-11. Os primeiros versículos nos dizem o seguinte: O Senhor dirigiu a palavra a Jó, de dentro de uma tempestade, e disse: Quem encerrou entre duas portas o mar, quando irrompeu jorrando do seio materno, quando o vesti com as névoas e o enfaixei com densas nuvens? Pois eu estabeleci seus limites, e pondo-lhe porta e trinco disse: Até aqui chegarás e não além; e aqui se quebrará a soberba de tuas ondas?

Aqui se quebrará a soberba de tuas ondas — A função deste pequeno trecho na liturgia de hoje é ajudar-nos a compreender quem é Jesus. Isto nos fala o Evangelho de Marcos para este domingo, mas esse não é o seu sentido original. Insere-se na temática do livro de Jó: se Jó é verdadeiramente justo, como ele mesmo afirma no cap. 30 do seu livro, que sentido tem seu sofrimento? Estará acaso Deus longe e indiferente (Jó 30.20-23)? A aparição de Deus (v. l) demonstra o contrário, e as palavras que pronuncia lembram Jó que é uma criatura e, portanto, um ser com limites bem precisos: limites de duração, porque não existia quando Deus criou os céus (38.4-19,21 — em sentido irônico), limites de sabedoria (cf. as 24 vezes que se repete Quem...?, de 38.5 em diante) e limites de poder. Esta tomada de consciência prepara a conclusão prática: a dor é um mistério para o ser humano. No Novo Testamento a morte de Cristo procurará dar-lhe uma resposta.

Após este pequeno comentário sobre o texto de Jó, vamos agora colocar ou partilhar com os irmãos e irmãs o principal conteúdo deste apanhado homilético que está baseado no comentário extraído do vol. l das Celebrações dominicais publicado pelas Paulinas, que nos traz o tema do mar relacionando-o com Deus, o Senhor das forças da natureza, não como o zelador da ordem natural, mas o Deus que compromete na fé. Esta fé resiste à tentação.

2.1. Deus, o Senhor das forças da natureza

Contudo, o mar, esta realidade poderosa e tumultuosa, está sujeito a Deus. Deus estava lá quando ele nasceu, saindo do seio da terra; como a uma criança indefesa, o envolveu de faixas (névoas) e o vestiu (nuvens).

O Salmo e o Evangelho para este dia acentuam o senhorio de Jesus sobre o mar, nos sugerem a invocação confiante a Deus nos perigos, e a admiração e o temor diante do poder do Senhor que ordena. Os dois trechos escriturísticos apresentam o mesmo esquema literário: a situação de perigo (o desencadeamento das forças do mar), a invocação confiante de Deus, a intervenção miraculosa do Senhor, a ação de graças (Salmo), a admiração e o temor (Evangelho). O tema da fé-confiança nas provações torna-se central no Evangelho. Jesus faz aos apóstolos a pergunta que é uma repreensão: 'Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?'

É estranho que Jesus os censure por falta de fé, justamente quando se dirigem a ele cheios de confiança. Evidentemente, Jesus reprova aqui não a confiança, mas a atitude interesseira de uma confiança que procura unicamente obter alguma coisa. Esta fé é muito imperfeita.

2.2 Não o zelador da ordem natural...

O homem primitivo tinha instintivamente o senso do sagrado, vivia suas relações com a natureza como se seres divinos presidissem a sucessão implacável dos acontecimentos, dos quais se sentia um joguete. O mundo divino o fascinava, mas lhe inspirava uma espécie de terror sagrado. Procurava então, por ritos mágicos, tomar propícia a divindade.

O homem moderno atingiu um notável domínio sobre as forcas naturais, que cresce a cada dia. A natureza até certo ponto não lhe incute mais temor; sente-se aí à vontade, escolhe-a como quadro e matéria de uma obra histórica a plasmar com suas próprias forças. Considera a atitude de seus antepassados como fonte de alienação. Mesmo quando se encontra diante de acontecimentos inesperados — um terremoto, por exemplo — , sua reação imediata é a de procurar para eles explicação científica e não mais a de dirigir-se ao mundo divino. Isto implica uma mudança (e uma purificação) da própria imagem de Deus. Deus não é visto, só ou principalmente, como fundamento, garantia e vingador da ordem da natureza. O Deus da fé transcende o mundo, ultrapassa suas leis, e não pode ser alcançado só a partir do mundo e de seus acontecimentos.

2.3. ...mas o Deus que compromete na fé

Nosso Deus não é o Deus das falsas seguranças humanas. Não é a fórmula que soluciona as nossas dificuldades e os nossos problemas; seria ele um Deus alienante, tapa-buracos. Nossa fé nele não é fuga nem irresponsabilidade. Mereceria suspeita uma fé tranquila, fácil, sem problemas. A fé é compromisso contínuo, exatamente porque crê, apesar das tempestades nas quais é continuamente posta à prova.

Seria uma falsa fé a que buscasse Deus só como consolação individual e solução imediata das dificuldades em que nos encontramos. Na base desta fé estaria, não a disponibilidade absoluta nas mãos de Deus, mas a tentativa de 'utilizar' Deus para proteger nossa segurança.
Ter fé significa abandonar-se a Deus mesmo quando ele 'dorme', porque sabemos que nenhuma dificuldade pode vencer-nos; Deus já as venceu.

Isto, porém, não nos isolará do mundo, fazendo-nos passar por cima dos seus problemas, pois sabemos que o plano de Deus é libertar o mundo do mal, e que, neste processo de libertação, o cristão é chamado a colaborar, lutando ao seu lado, levando a sério seus problemas, sem desanimar.

Que nossa intercessão neste período de Pentecostes possa ser que, como os apóstolos, também nós, que às vezes temos a impressão de que Deus dorme dentro de nós e não faz mais ouvir sua voz, peçamos ao Senhor da Igreja e do mundo que nos dê uma fé firme, mesmo nos momentos de tempestade. Sabemos que Cristo, como Deus, participou, com o Pai, da criação do mundo e com ele exerce o domínio sobre as coisas e a história. Como ser humano, deixou apenas transparecer a força de sua natureza divina. Na eucaristia ou no culto que celebramos também não buscamos o maravilhoso e o extraordinário, mas aquilo que ela significa para nós: a certeza de tê-lo conosco.

3. Subsídios litúrgicos

Uma antífona de entrada; O Senhor é a força de seu povo, fortaleza de salvação do seu Ungido. Salva, Senhor, o teu povo, abençoa tua herança, e governa para sempre os teus servos. (Salmo 27.8-9.)
Uma oração (coleta do dia): Senhor, nosso Deus, dá-nos por toda a vida a graça de amar-te e temer-te, pois nunca cessas de conduzir os que firmas no teu amor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, teu Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

Bibliografia

AGENDA anglicana para 1999. 5° Domingo de Pentecostes. Porto Alegre.
CELEBRAÇÃO dominical. São Paulo : Paulinas, 1980. vol. 1.
DEPARTAMENTO de Educação Religiosa da IEAB. Mais do que palavras. Porto Alegre
: Ecclesia, 1958.
LITURGIA da Palavra caminho da fé : ano A. São Paulo : Paulinas, 1986.
LIVRO de oração comum da IEAB. 1987.

Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Almir dos Santos
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Antigo / Livro: Jó / Capitulo: 38 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12822
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