João 6.24-35

Auxílio Homilético

02/08/2009

Prédica: JOÃO 6.24-35
Leituras: ÊXODO 16.2-4, 9-15; EFÉSIOS 4.1-16
Autor: Vera Regina Waskow
Data Litúrgica: 9º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 02/08/2009
Proclamar Libertação – Volume: XXXIII

1. Introdução

João 6.24-35 já foi abordado em várias edições do Proclamar Libertação, por exemplo no volume 8, onde é trabalhado especificamente o v. 35; também encontramos esse texto no Proclamar Libertação v. 19, 25 e 31. Sempre quando lemos essas reflexões de diferentes épocas, percebemos o quanto o evangelho perpassa o tempo e permanece atual.

Esse texto não pode ser compreendido isoladamente; ele é desencadeado pelo que acontece anteriormente. Jesus havia alimentado uma multidão (6.1-15), e essa multidão reconhece, sente e degusta esse seu poder e, sendo assim, quer estar perto dele. Onde está Jesus? Para onde foi aquele que saciou nossa fome? O povo procura pelo Mestre (6.24). Nesse encontro, Jesus dá uma nova dimensão a essa procura, a essa inquietação, a esse seguir. Não é mais só uma busca pelo pão que sacia a fome, mas por uma mudança de vida que pode, de uma vez por todas, suprir toda e qualquer fome.

O texto de Êxodo lembra-nos que Deus liberta da escravidão e do mal e liberta para a vida. Deus liberta e também sustenta esse povo livre quando o alimenta. Interessante contrapor com o evangelho no sentido de que em Êxodo o povo já reconheceu o Deus que liberta e agora clama por pão diante da fome no deserto. No evangelho, Jesus alimentou a multidão com pão, e ela ainda não reconheceu o Deus que liberta.

2. Informações exegéticas

2.1 – João, o discípulo amado

A tradição antiga da igreja identificou o autor desse evangelho como sendo João, o discípulo amado de Cristo. “Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e foi quem as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (21.24). A comunidade de João é localizada pelos exegetas por volta dos anos 90-96 d.C. Diferente dos evangelhos sinóticos, que têm um destinatário concreto – Marcos escreve para romanos, Mateus para judeus e Lucas para gregos –, João tem um destino universal, pois escreve não para uma comunidade específica, mas para todas as comunidades cristãs. Primeiramente, o propósito de João é inspirar os leitores na fé em Jesus, e isso fica claro nas conclusões finais do capítulo 20.30-31: a – Crer que Jesus é o Filho de Deus; b – Secundariamente, João parece estar interessado em combater o gnosticismo. Os gnósticos pregavam a total separação entre Deus e a matéria. Diziam que a matéria era má. A partir desse raciocínio, uns reprimiam os desejos físicos, outros os liberavam. Eles negavam a humanidade de Cristo, a encarnação e a ressurreição. A salvação, de acordo com os gnósticos, seria conseqüência do conhecimento. Acreditavam em anjos e outros seres intermediários para chegar a Deus. João toma a questão do conhecimento ligado à salvação. Contudo, fala do conhecimento de Deus através do verbo encarnado: Cristo (17.3).

João usa um material especial para desenvolver seus escritos, possui bons conhecimentos históricos e topográficos. Os evangelhos sinóticos serviram-lhe como base, porém João se mostra um hábil escritor, pois mesmo os paralelos foram tratados com absoluta independência. João não está preocupado em mostrar um Jesus “histórico” do ponto de vista moderno, mas seu interesse é levar o leitor, pelos olhos da fé, à raiz dos acontecimentos. Comparando as parábolas vivas e cheias de sinais dos sinóticos com os discursos profundamente teológicos de Jesus no Evangelho de João, mergulhamos numa realidade em que ele procura revelar as verdades mais secretas e divinas. Enquanto os sinóticos proclamam o reino de Deus ou o reino dos céus, no escrito joanino a grande revelação é o próprio Jesus. Esse Jesus dá nova vida, vida abundante, vida plena. Assim, a vida é ao mesmo tempo um bem divino esperado no fim dos tempos como um bem desde já presente. O Evangelho de João tem uma riqueza e um colorido singular. Essa cor é oriunda de alguns aspectos próprios do escritor, como o uso da linguagem simbólica (o verbo, a água, o pão, a luz), as imagens tomadas do Antigo Testamento (o pastor de ovelhas, a videira e os ramos) e as referências culturais (as bodas de Caná, a personalidade de Nicodemos, a mulher samaritana e o cego de nascença). Essa diversidade de aspectos revela a riqueza literária em João.

3. Da mensagem à prédica

3.1 – Jesus, o pão da vida

João 6.24-35 é uma continuação do milagre da multiplicação dos pães. A multidão segue Jesus para ver novos milagres, para alimentar-se. Querem comer mais do pão que Jesus ofereceu. Precisamos lembrar que a comunidade de João é formada por pessoas pobres, carentes de muitas necessidades, entre elas o alimento diário. Jesus critica a multidão e diz que ela simplesmente o segue sem entender qual a sua missão. No momento da multiplicação dos pães, Jesus alerta-nos para a fome que existe ao nosso redor e convida-nos para gestos de partilha. Assim todas as pessoas caminham alimentadas pela solidariedade, pelo amor, pelo pão que se reparte. Mas Cristo mesmo nos diz: “Eu sou o pão da vida, quem vem a mim nunca terá fome, quem crê em mim nunca terá sede”. Ao lado do pão que sacia nossa fome, Jesus mesmo se compara a esse pão e nos diz que ele é o pão da vida. Assim, Jesus quer saciar a fome e a sede que brotam do interior de cada pessoa. Ao enviar seu filho ao mundo, Deus reconhece a nossa fome e sede e quer nos alimentar. Dessa forma, não permite que ninguém morra sem ter comido do pão da vida. Ambos os pães precisam ser repartidos. Jesus deu um sinal claro de sua preocupação com ambos. Ofereceu o pão real que pode ser degustado e ofereceu a si mesmo como o pão da vida (que pode ser degustado na Santa Ceia). Ao oferecer o primeiro, reconhece nossa humanidade e necessidade do alimento para sobreviver. Ao oferecer o segundo, lembra que somos pessoas vocacionadas para ser mais solidárias, mais humanas, mais atentas às necessidades das pessoas ao nosso redor, necessidades essas que vão desde o pão até o abraço que reconforta e reanima. Quando sentimos que estamos perdendo essas qualidades, é hora de novamente nos alimentarmos do pão de Cristo, o pão da vida.

Existem alguns caminhos a trilhar, e creio que a pregação poderia começar com um questionamento. A cada culto, a cada domingo, a cada atividade na comunidade de que participamos Jesus também nos questiona. Ele nos pergunta: O que estão procurando? Será que vocês de fato entenderam a mensagem e tudo o que aconteceu ou simplesmente estão procurando por mais pão (Batismo, Casamento, Confirmação, Cemitério...)? Acho que poderia ser impactante começar perguntando as pessoas sobre o que elas estão buscando, não somente restringindo-se à celebração, mas participando de uma comunidade cristã. Questionar o grupo para que pense sobre o que de fato o move e impulsiona para o seguimento a Cristo. Isso pode ser um começo para uma mudança. Uma reação. Um olhar para nossa fome e uma busca do “verdadeiro pão”: Jesus Cristo.

Independentemente das respostas que as pessoas derem a si mesmas, é hora de olhar ao nosso redor e perguntar como estamos vivendo no mundo esse “ser pessoa cristã”. E eis que aí as palavras de Jesus também serão para nós fogo: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: Vocês estão me procurando porque comeram os pães e ficaram satisfeitos e não porque entenderam os meus milagres”. Procuramos Jesus para “momentaneamente” nos saciar, sem querer nos “aprofundar” nele. E acabamos nem sequer compreendendo para que ele veio, o que ele fez e espera de nós. Jesus é o verdadeiro “pão”, e quando as pessoas compreenderem isso e se alimentarem dele, não faltará nenhuma comida. Pois onde Jesus reina, ali há abundância de amor, solidariedade e partilha. Deus mesmo nos alimenta em Jesus Cristo; ele é o pão da vida.

4. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados:
Bondoso e amado Deus, chegamos diante de ti em confissão. Assim como clama o salmista: “Ó Senhor, ouve minha oração, ouve meu pedido de socorro” (Sl 102.1), também nós clamamos: Escuta, Senhor, nosso clamor; vem, acode-nos em nossa aflição. Senhor amado, temos caminhado distantes de ti. Assim como a multidão que procurou Jesus para novamente só alimentar-se de pão, assim também nós temos sido interesseiros, temos te buscado somente para que alimentes nosso egoísmo. Não compreendemos tua mensagem. Confessamos, Senhor, que muitas vezes temos vindo à igreja, que temos participado da comunidade por interesse pessoal, pensando naquilo que podemos ganhar com isso, sem sequer ter compreendido que participamos porque já ganhamos. Se podemos amar, é porque já nos amaste; se podemos repartir e partilhar, é porque já de ti recebemos. Senhor, perdoa-nos! Perdoa nossa cegueira, perdoa nossa falta de amor, perdoa nossa incapacidade de compreender o que está tão claro! Vem! Transforma-nos com teu perdão. Lava nossos olhos, ouvidos e coração para que possamos ver, ouvir e sentir tudo de uma nova maneira. Amém.

Absolvição:
Jesus diz: Eu sou o pão da vida; quem a mim vem nunca mais terá fome, e quem em mim crê nunca mais terá sede (Jo 6.35).

Oração do dia:
Deus amado, tu que alimentaste o povo de Israel no deserto, alimentaste a multidão que seguia Jesus, vem e alimenta também a nós com o pão da tua Palavra. Abre nossos ouvidos e corações para que atentos possamos compreendê-la e ficar saciados. Como pessoas alimentadas na fé, queremos servir-te e assim alimentar também todas as pessoas que encontrarmos pelo caminho. Por Cristo Jesus. Amém.

Kyrie:

Somos chamados a ser igreja no mundo, a alimentar o mundo com opão de Cristo, que é nosso alimento, e assim não podemos ficar indiferentes às dores do mundo. Por isso clamamos: Clamamos, Senhor, por toda a criação. Tem piedade daquelas pessoas que passam fome, dos que nada têm para comer. Tem piedade também dos que esbanjam e desperdiçam. Que o amor que tudo reparte possa fazer parte da vida dessas pessoas! Senhor, tem piedade das pessoas que te ignoram, que andam afastadas de ti. Permite que elas também possam em algum momento alimentar-se de ti, de tua palavra, de teu amor, de teus ensinamentos. Senhor, tem piedade das pessoas que sofrem violência, daquelas que são maltratadas em casa, no trabalho, na escola, sejam crianças, jovens ou adultos. Que teu pão de paz possa alimentá-las e teus filhos e filhas possam abraçá-las. Por isso te pedimos: Tem piedade de nós.

Sugestão de hino:
Comam do pão, bebam do cálice, quem a mim vem não terá fome.
Comam do pão, bebam do cálice, quem em mim crê não terá sede.

Bibliografia

LOCKMANN, Paulo. João Batista: a testemunha (Jo 1.19-34). In: Estudos Bíblicos 33, Para que todos tenham vida. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 1992. p. 41-48.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982. 797p.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 2000. 452p.


Autor(a): Vera Regina Waskow
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 9º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 24 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2008 / Volume: 33
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 24553
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Nenhum pecado merece maior castigo do que o que cometemos contra as crianças, quando não as educamos.
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