João 20.1-9 (10-18)

Auxílio Homilético

27/03/2005

Prédica: João 20.1-9 (10-18)
Leituras: Salmo 118.1-2, 13-24 e Colossenses 3.1-4
Autora: Silvia Genz
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa - Ressurreição de Nosso Senhor
Data da Pregação: 27/3/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX

 

1. Considerações iniciais

A Carta aos Colossenses foi escrita por Paulo quando esteve na prisão, provavelmente na cidade de Éfeso, nos anos 56 a 57. Há autores que afirmam que pode ter sido escrita um pouco mais tarde, 58 a 60, quando Paulo esteve preso em Cesaréia, ou ainda em 61-63, quando Paulo esteve novamente preso em Roma. Há, portanto, dificuldades com a exatidão da época e, para alguns autores, inclusive quanto à autoria. Baseado na Carta aos Colossenses 4.18, podemos concluir que Paulo ditou a carta e a assinou quando estava na prisão, após ter tomado conhecimento das dificuldades pelas quais passava a comunidade dos colossenses por intermédio de Epafras, fundador da mesma.

As dificuldades que estavam passando os colossenses em sua caminhada de cristãos devem ter levado Epafras a recorrer a Paulo, pedindo por ajuda. Paulo o saúda em 4.12 como servo de Cristo e fala do esforço que tem desprendido pela comunidade; em 1.17, chama-o de “nosso amado conservo” e salienta que Epafras foi aquele que instruiu os “fiéis irmãos em Cristo que se encontram em Colossos”. A carta é ocasional e quer ser uma ajuda para a comunidade em meio às dificuldades presentes. Na cidade de Colossos, além do grupo ao qual é endereçada a carta, há ainda o grupo que se reunia na casa de Filemom, ao qual Paulo envia por essa época o escravo Onésimo de volta, 4.9, com o escrito, bilhete, conhecido como Epístola a Filemom. A Carta aos Colossenses é levada por Tíquico, que Paulo chama de “irmão amado, e fiel ministro, e conservo no Senhor” (4.7).

“Colossos era uma cidade da Frígia, região da Ásia Menor (atual Turquia). Encontrava-se na parte superior do vale do rio Lico, a uns 120 quilômetros de Éfeso”... “A cidade estava unida a Éfeso pela principal estrada comercial da Ásia, de modo que entre essas duas cidades havia comunicação intensa.” (José Bortolini)

2. Situação dos cristãos na cidade de Colossos – dificuldades

No ano 210 antes de Cristo, Antioco III instalou uma colônia militar judaica de 2.000 famílias (naquela região) para vigiar a população nativa. Flávio Josefo conservou-nos a carta do rei ao governador da Frígia (E. Cothenet), em que descreve a satisfação e a firme esperança de que esses enviados serão guardiães dos “nossos interesses, em virtude de sua piedade para com Deus”. Quer dizer, o judaísmo está presente na região devido à presença de colônias militares de judeus piedosos. É nesse contexto que o cristianismo começa a se desenvolver.

Os moradores da Frígia, e assim também de Colossos, acreditavam em poderes celestiais, potências, potestades, além dos demônios, imaginavam que o céu estivesse cheio de tronos, principados e autoridades (1.16;2.15), que o espaço, o cosmo estivesse infestado de espíritos maus, espalhados pelos ares, e imaginavam que havia espíritos superiores e inferiores. Os superiores recebem o nome de pleroma, que significa plenitude, e os espíritos inferiores de kenoma, que significa nada. O povo tinha facilidade para acreditar que havia batalhas entre os espíritos dos ares e do inferno (Bortolini, p.14). A Frígia é uma região vulcânica, com muitos terremotos, onde gases quentes saíam da terra e aqueciam as águas. Em Laodicéia e Hierápolis, cidades vizinhas, há muitos poços de caldas, águas quentes, o que ajudava o povo a pensar que havia lutas entre os espíritos bons e maus. A igreja, os cristãos de Colossos, eram constituídos predominantemente por gentios e por poucos judeus de elite. A fé dos novos convertidos estava sendo distorcida por misteriosas e místicas religiões gregas e perturbada por leis e costumes judaicos. Além disso, alguns filósofos daquela região defendiam a ideia de que o mundo em que viviam era essencialmente mau, o oposto a Deus, que é essencialmente bom. Por isso o mundo não pode ser obra de Deus. Isto levava a afirmações de que esse mundo mau era criado por outros poderes secundários e intermediários entre Deus e o mundo. Logo “Deus não pode sujar as mãos com este mundo mau. Tarefa de Deus é contemplar a si próprio...” ( Bortolini). Este mundo mau fora criado por seres maus, intermediários, que vêm de Deus, mas à medida que vão decaindo vão se afastando de Deus, afastam-se da hierarquia e vão decaindo em perfeição e formam o império das trevas (Cl 1.13). Na compreensão dos moradores de Colossos, o mundo foi assaltado por esses poderes e a alma humana é uma faísca de luz vinda do reino superior, onde está Deus. Essa alma perdida nesse mundo das trevas, nesse mundo material, precisa de libertação. Aqueles que tinham “pleno conhecimento”, que chegavam a entender essa situação, eram considerados e chamavam-se de “iluminados” ou “gnósticos”. “Para chegar a essa iluminação deviam passar por um longo processo de iniciação, que vinha acompanhada de rigorosas práticas ascéticas, da observância de um calendário semanal, mensal e anual (2.16), do culto aos anjos (2.18), da abstinência do vinho e da carne (tabus alimentares) e da continência em todos os sentidos (2.16,20-23). Essa é uma herança de vários séculos, desde os antigos filósofos gregos, que consideravam a matéria má.” (Bortolini)

Paulo usa na carta expressões comuns na vida da comunidade de Colossos: pleno conhecimento, sabedoria e entendimento, severidade com o corpo, circuncisão, plenitude, principados e potestades, não pegue, não prove, não toque (2.23). Tudo isto é considerado por Paulo como “filosofias enganosas e vãs”. Os “elementos do mundo” representam o sistema filosófico dos “iluminados”, que consideravam o mundo mau, matéria ruim, corpo como prisão da alma, as regras alimentares como caminho para a iluminação. O Batismo é visto como morte com Cristo para os elementos do mundo. Segundo Bortolini, é possível perceber como os cristãos daquele tempo batizavam adultos: faziam-nos mergulhar numa piscina (simbolizando o aspecto da morte para a sociedade injusta), para que ressurgissem do outro lado (simbolizando o nascimento-ressurreição para uma vida nova, em que as relações vão construindo um novo arranjo social, a comunidade de iguais). Temos assim o ensinamento sobre Batismo como morte e ressurreição (2,20-3,4) e como despojamento do homem velho/revestimento do homem novo (3,5-17). Parece que a grande novidade de Paulo, dentro de uma sociedade que era ao mesmo tempo permissiva e repressora, é o novo critério para as comunidades: “Examinem tudo e fiquem com o que é bom” (1 Ts 5.21). Um não para as proibições e um sim definitivo para a liberdade em Cristo. “Na visão dele, os colossenses estavam voltando ao passado, à escravidão em que viviam antes de conhecer o evangelho.”

3. Texto

Cl 3.1-4 situa-se no final das advertências de Paulo quanto aos rituais ascéticos, que vai de 2.16 a 3.4, e aponta para a necessidade de viver a nova vida em Cristo. Paulo preparou o momento para a discussão do agir dos “iluminados” e dos grupos judaicos; ele o fez com carinho, mostrando que em Jesus Cristo Deus modificou a história. A ação de Jesus Cristo em nosso favor traz algumas consequências; um antes e um depois na vida dos cristãos, e isto leva Paulo para a prisão, tribulação e ao sofrimento. Para a pequena comunidade de Colossos chega um novo momento: viver a fé cristã com todas as consequências. Cristo é o único mediador. Em Cristo toda a especulação sobre outros poderes perde o sentido. A fé cristã é exclusiva, confessa um Deus único – Triúno; a pessoa crente entrega-se exclusivamente a Deus e não é um refúgio espiritual para fugir do mundo material.
O Império Romano fazia uso da possibilidade de diversas religiões, de poderes diversos e se apresentava como um opressor sagrado, dirigido pelas potências celestiais e espirituais, sobre as quais o ser humano não tem influência. Diante desse poder é necessário anunciar que a cruz de Cristo anulou o poder das potestades. Sim, todos os poderes desse mundo perderam a força, o domínio! Inclusive o “príncipe das trevas”, o rei infernal já está condenado, foi vencido. No alto está Cristo, que ressuscitou e subiu aos céus. Por isso Paulo afirma: “Se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus”.

A tarefa do cristão é pensar e procurar as coisas do alto, o que é da vontade de Deus: o projeto de Deus revelado em Jesus Cristo. Em palavras simples, cabe aos cristãos discernirem o que é projeto de Deus. Paulo contrapõe as coisas do alto às coisas da terra, para mostrar e alertar o cristão do perigo que representa levar uma vida ambígua, que não testemunha o Cristo ressuscitado (viver como se o depois fosse o mesmo que o antes). O cristão já participa da vida de Cristo, mas o que ele deve fazer concretamente, como viver, ainda não está claro e exige discernimento constante, até que Cristo, pela prática dos cristãos, manifeste-se definitivamente, levando as pessoas à plena comunhão.

A fé cristã celebra nova vida a partir de Cristo, o ressurreto. A ressurreição é o sinal. Se antes os colossenses estavam submetidos às ordens das potestades, agora já não vivem mais sob esse domínio, mas sob o senhorio de Cristo e buscam as coisas do alto, de Deus. Cristo é o senhor sobre tudo e todas as coisas; isto faz com que aqui, neste mundo, vivamos as coisas do alto, a vontade de Deus no dia-a-dia. Pensar, procurar as coisas do alto, é não se orientar nas coisas da terra; ídolos, bens materiais, coisas palpáveis, deuses, espíritos... Deus nos liberta em Cristo para uma nova vida. Libertação é uma realidade ligada à fé e a superação de todos os poderes que escravizam o ser humano, a pessoa. Assim perseverança na fé é a condição para a nova vida em Cristo e por Cristo.

4. Celebração da Páscoa – sugestões práticas

Os textos indicados para este domingo da Páscoa apontam para o poder de Deus, a sua vitória sobre todos os poderes e a nossa vitória com Cristo diante de todos os poderes deste mundo. O relato da Páscoa no Evangelho de João conta a vitória de Deus em Cristo sobre todos os poderes (imperador, governador, sumo sacerdote, soldados... todos tremem e perdem a força, o poder). Em Colossenses, Paulo diz que as coisas da terra foram vencidas pelas do alto e convida para o seguimento do evangelho revelado em Jesus Cristo. Ele é o senhor. No hinário Hinos do Povo de Deus, o hino nº 264 descreve essa vitória de Deus, de Cristo, assim:

Nome sobre todo o nome é o nome do meu Cristo.
Diante de tão grande nome todos se prostrarão.
Todas as forças da escuridão, todas as forças do mundo vil,
Todos os céus e as hostes de Deus; todos se prostrarão.
Nossos olhos te contemplam, nosso coração te adora,
nossa língua já proclama: Jesus Cristo é o Senhor.

Este hino não é apenas uma sugestão de canto, mas mostra como é a fé dos que de Cristo e em Cristo vivem. É a Páscoa, a vitória sobre a morte, sobre um mundo vil, opressor, sobre todas as forças da opressão... É a vitória em Cristo. É a superação do medo, da tristeza, da angústia e da dor. É a passagem de um mundo que leva para a morte a um mundo de vida plena, abundante. Que seja assim o dia-a-dia!

A celebração pode dar ênfase a essa vitória de Cristo, que é Senhor sobre tudo e todos/as. Os relatos da Páscoa mostram o poder do mundo; os poderosos que faziam o povo tremer de medo e gemer de dor estão agora caídos, como mortos, desmaiados, sem força diante do poder de Deus. O poder de Deus, revelado em Cristo, é o mesmo poder que dá forças para todos os que nele crêem e leva a viver uma feliz Páscoa – “passagem” do medo para a firmeza na fé, da tristeza para a alegria, da opressão para a liberdade limitada pelo amor... Que a Páscoa seja momento de reafirmar a fé e a vivência do evangelho de Jesus Cristo. Que a pregação e a celebração contagiem com essa alegria transformadora do presente, da graça de Deus revelada em Cristo.
Uma possibilidade de dinâmica é deixar o espaço, igreja, com cartazes que afirmam o que é a Páscoa. Pode ser assim que, de um lado, apareçam os medos e os desvios da verdadeira Páscoa cristã e, de outro, o que é a Páscoa, baseado no estudo acima. Aproveitando as frases na pregação com leitura dos participantes. Também sugerimos o hino 60 do HPD, que expressa o louvor e a alegria da vitória de Deus - Páscoa.

Bibliografia

BÍBLIA DA MULHER. São Paulo: Mundo Cristão & Sociedade Bíblica do Brasil, 2003. p. 1.514-1.521.
BORTOLINI, José. Como ler a Carta aos Colossenses. Série Como Ler a Bíblia. São Paulo: Paulus, 1996. p. 05-55.
COTHENET, Edouard. As Epístolas aos Colossenses e aos Efésios. Cadernos Bíblicos. São Paulo: Paulus, 1995. p. 09-41.
LUTZ, Marli. Exegese sobre Colossenses 3.1-4. In: SCHNEIDER, Nélio & DEIFELT, Wanda, coord. Proclamar Libertação vol. 21. São Leopoldo: Sinodal & IEPG, 1985. p. 117-120.
SCHMIDT, Ervino. Exegese sobre Colossenses 3.1-4. In: KAICK, Baldur van, coord. Proclamar Libertação vol. III. São Leopoldo: Sinodal, 1981. p. 70-77.


Autor(a): Silvia Genz
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13311
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