João 20.19-31

Auxílio Homilético

14/04/1996

Prédica: João 20.19-31
Leituras: Atos 2.14ª, 22-32 e 1 Pedro 1.3-9
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: 2º. Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 14/04/1996
Proclamar Libertação - Volume XXI


1. Introdução

A perícope apresenta dois ou até três assuntos, cada um constituindo base suficiente para uma mensagem específica: temos a aparição do ressurreto aos seus discípulos — da qual faz parte a incredulidade de Tomé — e, ligada a isto, temos a dádiva do Espírito Santo (= Pentecostes) com a autorização do perdão e retenção dos pecados (= poder das chaves). A finalidade da redação do Evangelho e a realização de milagres por parte de Jesus poderiam ser um terceiro assunto. Mas ao refletir e pregar sobre a perícope assim como proposta, o acento fica com Tomé como testemunha do Cristo ressurreto e vivo. Este é o objetivo do evangelista: despertar nos seus leitores e ouvintes a mesma fé que foi despertada em Tomé, a saber, que Jesus Cristo é Senhor e Deus. E com esta confissão o evangelista encerra o seu Evangelho (o v. 31 encerrava inicialmente o Evangelho de João), ligando, assim, o fim ao início do Evangelho, onde afirma que o Verbo era Deus (1.1).

2. Aspectos do Texto

V. 19: Os discípulos, i. é, aquele grupo menor, os onze — e aqui os de/, pois Tomé também não estava — estão reunidos em Jerusalém num domingo à tardinha. As portas fechadas revelam, por um lado, o medo dos discípulos de também enfrentarem o mesmo fim que o Mestre e, por outro lado, apontam para o fato de que o ressurreto não pertence e não mais está limitado à realidade do mundo.

Jesus se apresenta através do cumprimento da paz, que a nossa perícope repete mais duas vezes: vv. 21 e 26. Este cumprimento vai muito além do nosso bom dia ou boa tarde, de uma simples saudação, pois o que Jesus deseja e traz para os seus discípulos é justamente o oposto do que eles estão vivendo naquele momento, o oposto daquilo que o mundo oferece: Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou (14.27). Jesus é reconhecido e identificado pelos discípulos quando se apresenta como aquele que traz a paz.

VV. 22-23: E interessante observar que os discípulos, ao se tornarem testemunhas da ressurreição, recebem o poder do Espírito Santo — são, pois, equi¬pados e autorizados a anunciar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus (v. 31) t lhes é dado o poder de perdoar e reter os pecados. Através das palavras e das ações dos discípulos o próprio Jesus age, assim como Deus agia através do próprio Cristo.

Em João, Páscoa e Pentecostes ocorrem quase que simultaneamente; eles se fundem no mesmo evento: o ressurreto se apresenta aos seus e ao mesmo l empo envia-os concedendo-lhes o poder do Espírito Santo.

Vv. 24-25: A exigência de Tomé de querer provas de que o ressuscitado é o mesmo Jesus que ele conhecia antes da crucificação (matéria exclusiva de João) evidencia que para ele, bem como para os demais discípulos, a causa de Jesus só pode existir e ir adiante se o próprio Jesus a conduz e se coloca diante dela. Não se trata, pois, de ficção ou alucinação, nem mesmo de sonhos ou desejos dos discípulos, mas sim de um fato, o qual eles passam a testemunhar.

Essa incredulidade de Tomé, ou sua exigência de provas, encaminha claramente para a bem-aventurança expressa no v. 29: Bem-aventurados os que não viram, e creram. A notícia da ressurreição de Jesus sempre vai se basear no testemunho dos discípulos, inclusive no de Tomé. A experiência que eles tiveram e fizeram com Jesus é a base sobre a qual a fé pascal se assenta em todos os tempos. Jesus veio a Tomé através de portas fechadas e, ao apresentar-se, provocou a confissão de fé: Senhor meu e Deus meu! (v. 28).

3. Meditando sobre o Texto

O que se torna necessário para que o anúncio da ressurreição de Jesus Cristo seja aceito e crido? Como superar o medo e a falta de fé naqueles que só ouviram a respeito da ressurreição por outros? Tomé, afinal, não quer crer apenas porque ouviu dizer, ouviu outros falar, mas ele quer evidências, ou melhor: quer identificar o Cristo ressuscitado, de quem ouviu falar, com aquele Jesus que ele conheceu.

Jesus se revela a Tomé no domingo, assim como já o tinha feito uma semana antes aos outros discípulos. Só que Jesus se apresenta e revela como Senhor vivo de forma diferente: ele vem de fora, coloca-se no meio do grupo dos discípulos apesar das portas fechadas. Como se imaginar o ressurreto? A perícope não se detém em detalhes; portanto, também não é necessário se deter com a comunidade nesta questão. João apenas diz que o ressurreto mostrou as mãos e o lado e veio aos discípulos através de portas fechadas.

Com o anúncio da paz Jesus se dá a conhecer e transforma totalmente aquela situação: de medo em confiança e alegria! Justamente essa atuação de Jesus em meio a sua comunidade é que desperta/cria comunidade.

Paz seja convosco é a saudação que o ressurreto dirige à sua comunidade! Ele quer o bem-estar, a salvação, a saúde, enfim o shalom para os seus. Isto ouvimos ainda hoje na liturgia e, em especial, na saudação, tanto inicial quanto final, feita do púlpito.

Tomé é uma testemunha do Cristo ressurreto e vivo. Ele o reconhece como Senhor e Deus, portanto diferente do que a princípio imaginava. O Jesus crucificado é o que superou/venceu a morte. Agora ele é o seu Senhor e o seu Deus. Este reconhecimento, porém, Tomé não conseguiu por si, também não surgiu por ele ter observado e avaliado os acontecimentos. O reconhecimento surgiu, ou melhor, foi provocado: Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a Ele (Lutero, Catecismo Menor, 3a Artigo).

4. Pistas para a Prédica

Há uma semana a maioria dos participantes do culto ouviram falar sobre a ressurreição. Agora, no 2o Domingo da Páscoa, continuamos nos ocupando com os resultados, os efeitos e as consequências deste acontecimento extraordinário. Por isso a nossa prédica poderá ser temática, abordando como surge a fé, se ela precisa de provas materiais e racionais e o que a mantém.

— Tomé quer provas evidentes para chegar a crer. Ele não quer basear a sua fé no ouvi dizer ou no diz que.... Antes, porém, das provas, Jesus se apresenta, fala a Tomé. A partir do momento em que Jesus fala, ocorre a mudança em Tomé, assim como tinha ocorrido nos outros discípulos. Fé surge sob a Palavra, no encontro com o ressurreto quando Ele fala. E é ela que confessa: meu Senhor e meu Deus!

— O ressurreto se encontra/se manifesta à comunidade no domingo, isto é, no Dia do Senhor. Por isso a comunidade se reúne: para encontrar-se com o seu Senhor ressurreto, para ser servida por Ele, para ouvir dele: Paz seja convosco!

— Em meio à situação de medo, insegurança e até de morte, Jesus vem para anunciar paz: paz como abertura e confiança no futuro. Por isso os discípulos ficam muito alegres (v. 20): apesar de muitas ameaças que persistem, sabem que a paz do Senhor que excede todo o entendimento está junto a ele e os acompanha.


— Aos que sentem não terem a mesma sorte de Tomé, a sorte de poder obter provas para a fé, deve ser dirigida a bem-aventurança do v. 29. Realmente a fé pascal se baseia nas experiências de fé que alguns discípulos fizeram. E o relato, o testemunho dessas experiências quer despertar hoje a f é e a confissão: Meu Senhor e meu Deus!

5. Para Ler

Crer na ressurreição

A proposta de Deus deve ficar clara: ele pede de nós que acreditemos na ressurreição e nos preparemos para ela. Ele nos pede, com isso, que nos doemos como Cristo se doou e nos ponhamos a caminho sem ver adiante, a exemplo de Cristo.

Acreditar na ressurreição é...

... deixar-se guiar por uma perspectiva encoberta aos nossos olhos;

... pôr-se a caminho tal qual Abraão, apenas baseado na palavra de Deus;

... caminhar em direção ao Mar Vermelho, como os israelitas, mesmo não vendo as águas se abrirem para lhes dar passagem;

... louvar a Deus pela libertação, mesmo que se tenha ainda o deserto pela frente (Êxodo 15);

... entrar no deserto, mesmo sem ter as fotos da terra prometida para mostrar como prova;

... aceitar as palavras de Maria Madalena, Joana, Maria e das outras mulheres que foram ao sepulcro na manhã de Páscoa, sem as desqualificar como boato (Lucas 24.9-12);

... acreditar na mensagem do anjo: Ele não está aqui, ressuscitou! (Lucas 24.6), sem querer pôr o dedo nas feridas de Jesus.

Crer na ressurreição é...

... saber das estruturas de morte do nosso tempo derrotadas, apesar de senti-las ainda com vida e vigor;

... confiar que, repartindo e doando a vida — a exemplo de Cristo — ganhar-se-á a vida plena.


6. Bibliografia

BULTMANN, Rudolf. Theologie des Neuen Testaments. 6. ed. Tübingen, 1968.
SAUTER, Gerhard. Meditação sobre João 20.19-29. In: Neue Calwer Predigthilfen. 1a ano, volume A, pp. 270-277.
VOIGT, Gottfried. Der schmale Weg— auxílios homiléticos. série l, pp. 232ss.


Autor(a): Valdemar Lückemeyer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 2º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 20 / Versículo Inicial: 19 / Versículo Final: 31
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1995 / Volume: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14248
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