João 6.60-69

17/09/2000

Prédica: João 6.60-69
Leituras: Josué 24.1-2,13-18 e Efésios 21 (22-25) 26-31
Autor: Odemir Simon
Data Litúrgica: 14° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/09/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV
Tema: Pentecostes

1. Situando o texto

Nosso texto encontra-se inserido no bloco que apresenta a atuação, o ministério de Jesus na Galiléia, e estende-se de 6.1-71. Temos neste bloco o milagre da multiplicação dos pães e o consequente saciamento da fome da multidão. Segue-se então o relato de Jesus andando por sobre as águas ao encontro dos discípulos. O momento seguinte é um discurso de Jesus em que Ele se apresenta como pão da vida. Após este discurso, segue-se a murmuração dos judeus, com um novo discurso. Nos vv. 60-69 o tema é a murmuração dos próprios discípulos de Jesus, os quais reagem frente ao discurso do mestre.

(Em comunidades onde ocorre a pregação dominical as perícopes precedentes já terão sido abordadas de forma particular; assim, o texto em questão fechará o bloco. Mesmo assim, considerando a presença de novos ouvintes, convém situar rapidamente a passagem em estudo para facilitar sua compreensão. Isto se faz mais necessário ainda em comunidades que não têm um encontro dominical.)

2. Olhando para o texto

V. 60: Muitos de seus discípulos — João conhece um grupo maior de pessoas que querem seguir a Jesus, são polloi e são chamados de mateton. São discípulos, ouvintes, simpatizam com a pessoa e a pregação de Jesus, pelo menos até este momento. Mas agora estão escandalizados com as palavras do Mestre. A versão da Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH) diz: O que ele ensina é muito difícil. A questão não parece estar na dificuldade de compreender o ensino de Jesus. O discurso é perfeitamente compreensível, mas as implicações decorrentes de seu ensino, estas são duras demais. Este grupo de discípulos/ouvintes não é o mesmo grupo dos dodeka (v. 67), é um grupo distinto. Os discípulos são ouvintes, simpatizantes, mas não pertencem ao círculo mais íntimo dos doze.

V. 61: Jesus tem consciência, sente, pressente que suas palavras são para muitos motivo de escândalo, de murmuração, de revolta. A capacidade de pressentir de Jesus é uma característica enfatizada por João para ressaltar a sua natureza divina (cf. 2.24; 6.70). Tende percebido a reação de seus ouvintes, Jesus passa a interpelá-los: Isto vos escandaliza?

V. 62: Diante do escândalo causado por suas palavras e afirmações Jesus poderia ter amenizado seu discurso para assim reverter o quadro que lhe era adverso. Porém ele torna ainda mais agudas suas afirmações, como que a provocar seus discípulos. Ele radicaliza. Se aos ouvidos dos judeus soava como blasfêmia a reivindicação de Jesus de ter vindo do Pai, tanto mais os escandalizará a afirmação de que voltará para junto do Pai.

V. 64: Novamente o evangelista destaca o pressentimento de Jesus e o entendimento que ele tem do coração humano. Jesus não foi surpreendido pela murmuração de seus seguidores. Tem consciência de que entre os que o seguem há aqueles que não crêem em suas palavras que são espírito e vida. A máxima rejeição, na visão do evangelista, é a traição de Judas (Jo 6.71).

V. 66: Estes mateton se escandalizaram com as palavras de Jesus, consideradas por eles como scleros. Agora, as palavras que são espírito e vida são motivo para maior escândalo ainda. Muitos o abandonam e não o seguem mais. O caminho da cruz não é fácil, e são poucos os que o podem suportar. A mensagem de Jesus sofre resistência e é rejeitada mesmo por seus seguidores.

V. 67: Jesus volta-se agora para os doze. Trata-se de um grupo distinto. Os doze são o grupo que goza de maior intimidade com o Mestre, estão mais afinados com sua mensagem. Jesus os provoca: Vocês também querem me deixar? Jesus lhes oferece a liberdade de escolher: ou ficam com ele, ou vão com os outros. Teriam suas palavras ofendido também aos doze?

A construção grega com o emprego da partícula de negação me sugere que a resposta esperada é não, mas não elimina a possibilidade do sim.

V. 68: Como em outras oportunidades, Pedro assume o papel de porta-voz do grupo. A resposta dele é dada em forma de pergunta: Para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna, tu disseste que tuas palavras são espírito e vida. Nós cremos, como poderíamos deixar-te? A quem haveríamos de seguir senão a Ti, o Santo de Deus? A confissão de Pedro é um assentimento pleno à pessoa de Jesus.

3. Refletindo com o texto

A mensagem de Jesus escandaliza os seus ouvintes e sofre resistência; por muitos é mesmo rejeitada. A exemplo dos discípulos que deram as costas a Jesus, em nossas comunidades também podemos encontrar pessoas que acham as palavras de Jesus duras demais. Deveríamos nos questionar se muitas vezes a proposta de Jesus também não escandaliza a nós.

No mercado religioso, a palavra da cruz está em desvantagem. Pregações mais cômodas são mais atraentes. Pregações que prometem prosperidade, solução milagrosa para problemas os mais diversos, são mais agradáveis aos ouvidos da grande maioria. Neste contexto, a palavra da cruz é loucura e estamos na contramão. Cabe, porém, lembrar que sucesso ou fracasso, neste caso, são relativos.

Ouçamos um desabafo do Reformador ao comentar a pregação do Dr. Nicolaus: Ele jogava com muitas alegorias e interpretações espirituais, e é disso que o povo gosta. Se é assim eu também posso ser mestre. Mas quando se prega sobre a justificação, o povo fica dormindo e tossindo, mas quando se começa a contar histórias e exemplos, esticam as duas orelhas, ficam quietinhos e prestam atenção. Acho que muitos pregadores entre nós me botam no chinelo.1 Quantas vezes também nós não percebemos durante a pregação pessoas cochilando, olhares de desaprovação, risadinhas, meneios de cabeça? Então nos julgamos um fracasso, maus pregadores. Jesus experimentou rejeição, desaprovação, mas prosseguiu, pois estava convicto de sua fidelidade ao Pai.

Lutero em sua época definiu de forma irônica o perfil do pregador desejado: O pregador, como o mundo agora o quer, deve ter as seis seguintes características: 1) ser erudito; 2) ter boa pronúncia; 3) ser eloquente; 4) ter boa aparência, para ser amado pelas mocinhas e senhoritas; 5) não aceitar, mas ainda por cima dar dinheiro; 6) falar aquilo que o pessoal quer ouvir.2 Prédicas suaves, adornadas com belas palavras, que evocam sentimentos agradáveis, que dizem aquilo que as pessoas querem ouvir, têm maior receptividade. Mas, muitas vezes, pecam na fidelidade para com o evangelho.

4. As leituras

A leitura do AT de Josué possui grande afinidade com o texto do Evangelho. Josué, a exemplo de Jesus que interpela seus discípulos, interroga o povo e coloca diante dele a liberdade, a possibilidade de optar por servir ao Senhor ou aos deuses aos quais haviam servidos seus antepassados.

O povo, a exemplo de Pedro que faz a confissão em nome dos doze, afirma seu desejo de servir/seguir ao Senhor que os fez subir da terra do Egito. Assim como o povo, os discípulos têm de optar, tomar uma decisão. A quem quereis seguir/servir?

5. Pensando na pregação

A prédica poderia contemplar dois momentos. Os ouvintes deveriam ser questionados: até que ponto estamos realmente dispostos a ouvir e aceitar os ensinamentos de Jesus? Até onde vai nossa fidelidade ao Mestre? Queremos verdadeiramente seguir seu ensino, seu exemplo de vida e doação, ou buscamos tão-somente palavras que nos façam sentir-nos bem? (O pregador também deveria fazer-se estas e outras perguntas.)

Por outro lado, a pregação deveria animar, consolar e encorajar aquelas pessoas que buscam viver o evangelho em todas as suas dimensões e implicações.

A exemplo do que faz Jesus com os doze, também a comunidade deveria ser interpelada e levada a tomar uma decisão.

A murmuração no texto em questão está relacionada às palavras de Jesus referentes à Santa Ceia. Contudo, há outros aspectos em sua pregação que são motivo de escândalo e conflito com seus ouvintes, por exemplo: o mandamento do amor ao próximo; dar a outra face; orar pelos inimigos, etc.

Para prender a atenção dos ouvintes pode-se fazer uma pequena encenação. A pregação poderia iniciar com algumas colocações bem agudas do ensino de Jesus. Então alguém (uma pessoa previamente contatada) do meio dos ouvintes poderia levantar-se e reagir de forma semelhante aos discípulos: Estas palavras são duras demais, quem agüenta ouvir?

6. Lembrete

Em Proclamar Libertação, vol. XIX, temos um bom auxílio homilético às páginas 229-32. A meditação oferece bons impulsos para a pregação.

Notas

1 Ap. Nelson KIRST, Lutero, pregação e pregadores — pequena antologia de ' 'falas de mesa, in: Martin N. DREHER (Ed.), Reflexões em torno de Lutero, São Leopoldo, 1981, p. 77.
2 ID., ibid., p. 75.

Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Odemir Simon
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 14º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 60 / Versículo Final: 69
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12829
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