Joel 2.12-18

Auxílio Homilético

04/03/1987

Prédica: Joel 2.12-18
Autor: Gerd Uwe Kliewer
Data Litúrgica: Quarta-Feira de Cinzas
Data da Pregação: 04/03/1987
Proclamar Libertação - Volume: XII

l - Situando o texto

Joel profere as suas palavras na época após o exílio, por volta do ano 400 a.C.. O povo judeu está sob o domínio do povo persa; mas o culto a Javé em Jerusalém foi reconstituído pela parte do povo que voltou do exílio. A maioria do povo judeu, porém, vive na diáspora. Nesta situação, o povo sonha com o dia em que Javé mudará a sorte de Judá e de Jerusalém (Jl 3.1); lembra-se da promessa do Dia de Javé que já está próximo (Jl 2.1). Será um dia de juízo para os povos opressores (Jl 3.2); será um dia de misericórdia para o povo de Judá (2.18). Chegou a hora do arrependimento, da penitência para o povo, para alcançar a misericórdia de Javé.

O profeta Joel aproveita uma praga de gafanhotos para alertar o seu povo: O dia do Senhor está perto e vem como assolação do poderoso (1.15). A praga de gafanhotos lhe serve como ponto de comparação para mostrar a ação de Deus que quer alertar o seu povo. Faz uma descrição impressionante do exército de gafanhotos que avança sobre as lavouras, segue o seu rumo ... e não se detém no seu caminho (2.8).

A título de ilustração quero relatar uma lembrança da minha infância, na colónia: Um dia apareceu uma nuvem escura no horizonte que se aproximava rapidamente. Gafanhotos! gritou um dos adultos. De fato, já se ouvia o zunir de milhares de asinhas. Todos, adultos e crianças pegamos panelas e latas e pusemos a fazer barulho, para impedir que os gafanhotos pousassem nos campos e lavouras. Os vizinhos faziam a mesma coisa. Mas em vão. Os gafanhotos caíam do céu, para comer e depositar os seus ovos. As galinhas, inicialmente, caçavam o maná que caía do céu, mas quando o seu papo estava cheio, refugiaram-se confusas no galinheiro diante dessa invasão. Dentro de pouco tempo, só se ouvia o barulho dos gafanhotos devorando tudo que era verde. Nem de noite eles pararam. O outro dia amanheceu com todas as lavouras destruídas, as árvores desfolhadas. Os ovos das galinhas tinham um gosto nojento. No segundo dia, os gafanhotos levantaram voo, deixando um deserto atrás de si. Os colonos puseram-se a replantar as lavouras. Mas alguns dias depois saíram as larvas da terra. Juntavam-se em exércitos devoradores e terminaram com o que ainda brotara de verde nos campos. Aterrador o avanço destes exércitos! (...) cada um vai no seu caminho, e não se desvia da sua fileira (2.7). Após a passagem deste exército, não sobrava nem a casca das plantas.

Os pais, os adultos estavam desesperados. Foi-se o fruto do trabalho, a expectativa da colheita. À noite, reuniam-se em oração e estudavam a Bíblia para descobrir por que Deus mandara este castigo. Porque só podia ser castigo. Onde eles desrespeitaram a vontade de Deus? Qual era a penitência exigida? Em que ponto eles deveriam mudar a sua vida? Ou seria a vinda do Senhor Jesus que se anunciava?

É esse o tipo de raciocínio que motiva o texto de Joel. O flagelo, a desgraça são sinais da presença de Deus que chama o seu povo ao arrependimento, a uma mudança de atitudes (conversão). Esta conversão tem os seus sinais externos, jejum, choro e pranto (v. 12), mas os sinais externos não são suficientes. Não adianta rasgar as vestes, o coração tem que ser rasgado (v. 13). A prática externa não basta; o que conta mesmo é a mudança interior. Mas todos têm que participar dessa mudança de atitude. Por isso se toca a trombeta (os sinos na nossa cultura), convoca-se uma grande assembleia e um santo jejum (v. 15). Ninguém pode ficar em casa! Os velhos têm que ser tirados da sua cadeira de balanço, os bebês do berço, as crianças da rua para irem à assembleia. Até o casal novo que está aproveitando a intimidade no quarto dos fundos tem que sair para a reunião. Não é hora de divertimentos particulares! (v. 16). Até os sacerdotes, encastelados na segurança do templo (= religião organizada), têm que sair e participar do clamor (v. 17).

É quando todo o povo se arrepende, se converte, Deus se compadece(v.18).

II – Atualizando

Uma praga de gafanhotos, hoje, se ataca com inseticidas e aviões. E também outros flagelos, como as secas, têm hoje a sua explicação científica (que, para dizer a verdade, pouco consolo dá ao que perde a sua lavoura na seca). Flagelos como carestia ou escassez de alimentos são debitados a governos incompetentes. Guerras e revoluções igualmente. As epidemias foram controladas; se elas surgem, é por falta de cuidados dos órgãos de saúde pública. Parece que não há flagelos, atualmente, que se apresentam como castigo de Deus ao homem moderno. Mesmo assim, o nosso mundo está cheio de pregações que dizem justamente isto: as pessoas, os povos têm que mudar, têm que converter-se; a sociedade tem que mudar, tem que renovar-se para evitar o juízo final. E não são somente as seitas adventistas que pregam assim. Em todas as igrejas encontram-se esse tipo de pregadores. Os ecologistas levantam o dedo e apontam o fato de que a devastação da natureza levará ao fim do nosso planeta azul; o castigo virá, se a humanidade não mudar de atitudes. E os pacifistas? Pregam a iminência do holocausto nuclear. E até partidos políticos entram nesta linha.

É que o conceito do flagelo natural ou social como castigo de Deus comporta uma componente muito interessante: a ideia que, no fundo, o homem no seu relacionamento a Deus é o responsável, ou no mínimo, co-responsável, pelo sofrimento e os infortúnios da humanidade. E que o homem, mudando as suas atitudes, pode mudar os destinos da humanidade. Diante de desafios como a devastação ecológica, a crescente polarização social, a ameaça nuclear, este conceito pode servir de fator de mobilização no caminho da mudança de atitudes dos homens e das sociedades.

Ill - O que pregar?

O texto está previsto para a Quarta Feira de Cinzas, após o carnaval. Depois dos excessos e das libertinagens do carnaval, este dia está dedicado ao arrependimento, à penitência. Quem virá à igreja neste dia? Duvido que os rapazes e homens que se encharcaram de bebidas nos dias passados estejam aí, nem as mocinhas e senhoras que se exibiram nos salões e nas ruas. Pular o carnaval já não é mais considerado um pecado, nem ò sexo eventualmente praticado. São prazeres da vida, direito do homem, da mulher moderna. Os foliões do carnaval, provavelmente, estão descansando neste dia. Supondo que estará presente a comunidade tradicional, os elementos mais puritanos da igreja; talvez também um ou outro que se ressente dos excessos praticados. E é bem possível que essa comunidade esteja disposta a ouvir um sermão condenando o exibicionismo, o consumismo, a irresponsabilidade das folias de carnaval. Afinal, os pecados dos outros sempre são um tema interessante, também na prédica.

Não convém, portanto, abusar do carnaval para despertar o arrependimento dos ouvintes. Fazendo isto, possivelmente, em vez de arrependimento, motivaremos a hipocrisia.

Proponho os seguintes tópicos, tirados do texto, para elaborar a prédica:

1. A conversão (v. 13), a mudança radical de atitudes e pensamentos, interna (rasgai o vosso coração e não as vossas vestes), como exigência de Deus para que o castigo seja afastado da humanidade (v. 14).

2. O jejum (v. 15): Apesar de a conversão ser do coração, ela tem claras consequências externas, visíveis, na vida diária: o jejum. Um jejum que é mais do que a simples abstinência de comida e bebida. É a expressão prática da conversão. O convertido não mais enche a barriga de carne e cerveja, só porque ele tem dinheiro para isso; não mais compra carro novo, só porque o vizinho tem; não compra calças Levi's, só porque está na moda. Ele usa os seus recursos conscientemente, tendo em vista o bem do próximo e da coletividade. Não grita Morte aos comunistas! (ou aos homossexuais, judeus, etc.), só porque todo mundo grita e é a linha oficial do governo. Não apoia o armamento nuclear, também se querem fazê-lo crer que dele depende a sua liberdade. Não procura a felicidade individual (com a noiva na recâmara). Não diz mais: Eu para mim, e Deus para todos. É cauteloso no uso de agrotóxicos, também se isto o força a reduzir a sua área de lavoura. Desiste de um negócio que é vantajoso para ele, mas prejudicial à coletividade. Fazer jejum significa ter coragem de ser diferente, dizer não ao consumismo.

3. A assembleia solene (v. 15b e 16): A conversão e o jejum não podem ser atitudes individuais. Como atitudes individuais, teriam a conotação de obras para agradar a Deus. Mas não é este o seu sentido. Estão voltados para o mundo, não para Deus. Visam um motivo coletivo que muda o clima do relacionamento entre os homens e destes para com o seu habitat. O clima de arrependimento que fará Deus mudar de ideia. Por isso, todos têm que participar: os velhos, as crianças, os bebés, os jovens namorados, os pastores e dirigentes da igreja, os líderes políticos...

Será que aqui cabe o apelo à comunidade de organizar-se em sindicatos, movimentos, associações? Por que não? Está na hora de os cristãos saírem da sua atitude individualista, de cada um querer garantir a sua salvação e o seu bem-estar espiritual individualmente. Acho que o profeta nos quer alertar: A misericórdia de Deus virá para todos juntos, ou não virá para ninguém. O Dia de Javé só acontecerá, se o povo estiver unido em conversão e jejum.

IV - Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, Deus misericordioso: Chegamos a Ti, sabendo que a nossa maneira de viver e de agir não satisfazem e que precisamos mudar de atitudes e de pensamentos. Estamos ligados aos prazeres deste mundo; somos irresponsáveis no consumo de bens e produtos; cedemos aos desejos da nossa carne e da nossa mente seduzida pela propaganda. Procuramos a felicidade individualmente, esquecendo do nosso próximo. Afastamo-nos da tua comunidade, negamo-nos a fazer coisas em conjunto. Com o nosso egoísmo e a nossa ganância destruímos o mundo que nos deste para cuidar. Sabemos que não merecemos a tua misericórdia, e por isso pedimos, com o profeta: Poupa o teu povo, ó Senhor, e não entregues a tua herança ao opróbio! (Jl 2.17). Tem piedade de nós, Senhor!.

2. Oração de coleta: Nosso Deus e Pai! Agradecemos-te que sempre de novo podemos chegar aí, para sermos orientados por tua Palavra. Sempre de novo tu nos ofereces a chance do arrependimento, da renovação da nossa vida. Dá que a tua Palavra hoje mexa com a nossa vida, desperta-nos para a verdadeira conversão e o verdadeiro jejum. Motiva-nos para crescermos na comunhão um com o outro, para que a nossa fé, pela união, se torne um movimento forte que influencia o destino da humanidade. Amém.

3. Assuntos para a oração final: Agradecer pela comunidade e igreja que está aí e pedir que ela cresça na unidade de ação; pedir que toda a igreja e a sociedade sejam movimentadas pelo arrependimento; pedir que haja conversão e jejum verdadeiros; pedir que os governantes (deve ser na época de instalação dos governadores e congressistas recém eleitos) também se convertam e trabalhem para o bem de todos (e não para os próprios interesses),etc.


Autor(a): Gerd Uwe Kliewer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma

Testamento: Antigo / Livro: Joel / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1986 / Volume: 12
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17858
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Da fé, fluem o amor e a alegria no Senhor, e, do amor, um ânimo alegre, solícito, livre para servir espontaneamente ao próximo.
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