Lucas 15.1-10

Auxílio Homilético

11/09/2016

 

Prédica: Lucas 15.1-10
Leituras: Êxodo 32.7-14 e 1 Timóteo 1-12-17
Autoria: Carlos Musskopf
Data Litúrgica: 17º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/09/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL

1. Introdução

Até agora, o texto da prédica, na formatação proposta neste estudo, foi tratado no PL 4, p. 106; PL 20, p. 255 e PL 34, p. 309. Em outras formatações: Lc 15.1-3,11b-32 no PL 12, p. 220; PL 34, p. 125; Lc 15.1-3,11-32 no PL 4, p. 209; PL 17, p. 88; no PL 19, p. 100; e Lc 15.1-7(8-10), no PL 10, p. 361.

Recomendo a leitura dessas contribuições que dão subsídios exegéticos importantes e têm boas propostas para prédicas. O presente estudo leva-as em conta, embora não sejam pressupostas para seu entendimento.

A presente formatação (v. 1 a 10) não me parece a mais adequada; bastariam os sete primeiros versículos, tendo em vista que nos versículos seguintes o tema central repete-se, apenas apresentado em cenários diferentes.

Os outros dois textos previstos para o 17º Domingo após Pentecostes (Êx 32.7-14 e 1Tm 1.12-17) abordam o tema usualmente tomado como central, a saber, o tema do arrependimento e da melhora na qualidade de vida. Mas não abordam o tema que tomo como central para este estudo, que é o tema da alegria.

No presente estudo, pretendo trazer a possível relação entre a alegria de acolher pessoas de má fama em contraposição ao murmúrio e ao peso da lei defendida pela elite dominante.

Os temas tradicionalmente abordados (perdidos, pecadores, achados, redimidos) estão suficientemente expostos e detalhados nos estudos anteriores.

2. Exegese

Lucas vinha fazendo sua exposição do evangelho com diversas histórias e ensinamentos: o capítulo 14 inicia com Jesus tomando uma refeição na casa de um fariseu (e a cura num sábado), segue com a ocasião em que Jesus observa como os convidados escolhiam os melhores lugares à mesa (v. 7 a 14) e com a parábola da grande festa (v. 15-24) e termina com as condições para ser seguidor e seguidora de Jesus.

Nesse contexto, Lucas introduz em seu relato a questão da alegria no céu e na terra. Faz isso de forma inusitada, lembrando de um fato marcante: cobradores de impostos e outras pessoas de má fama procuravam Jesus, e isso provocava alegria. As pessoas legalistas não conseguem entender essa alegria e murmuram contra Jesus.

Nos v. 1-3, Lucas introduz o tema da alegria, criando uma cena em que “muitos cobradores de impostos e outras pessoas de má fama” querem ouvir Jesus. São pessoas à margem do peso da lei farisaica. Não significa que todos tenham vindo juntos ou que isso tenha ocorrido numa só oportunidade, mas em diversos momentos isso aconteceu. Lucas decide falar então sobre a alegria, citando esses fatos em seu relato. Logo transparece a oposição entre o pensamento dos fariseus e mestres da Lei e o pensamento de Jesus, profeta, pregador que arrastava multidões e assustava o poder judaico.

A partir do peso da lei, os fariseus e mestres da Lei criticam Jesus. Em sua “sobriedade” e arrogância, não só se entristecem por Jesus conversar com a escória da sociedade, mas, ainda pior, por ter alegria nessas conversas. No céu e na terra há alegria quando o que estava à margem é integrado.

Nos v. 4-7, a forma como Lucas lida com essa questão em seu relato é surpreendente: não faz Jesus entrar direto na discussão com os murmuradores, mas faz Jesus contar três parábolas, das quais duas estão em nosso texto. Elas não foram necessariamente ditas em alguma dessas ocasiões em que Jesus encontrou-se com pessoas de má fama ou foi alvo do murmúrio de legalistas. Note-se que, no texto paralelo de Mateus 18, os interlocutores são os próprios discípulos. Aqui está claro que Jesus fala às pessoas de má fama para contrapor a alegria desse encontro com a frieza dos legalistas.

Chama a atenção que a primeira parábola (v. 4-7) não fala de um pastor de ovelhas que deixa as 99 para buscar a perdida; fala que “se algum de vocês”. Isso é dito para as pessoas de má fama que o ouviam e para nós hoje. Há alegria no viver quando se consegue mudar o foco, tirando o foco daquelas pessoas que não nos decepcionam para aquelas que o fazem. Lucas incentiva para aliviar o foco nas 99 ovelhas e focar naquela que está desgarrada, entristecida, marginalizada.

Nos v. 8-10 está a segunda parábola. Ela não vem do ambiente rural, mas do urbano. Aqui comandam o dinheiro, as moedas, o valor das moedas. Para achar uma moeda perdida, é necessária muita dedicação, é preciso deixar de fazer outras coisas para dedicar-se à busca. Dá uma dimensão do tamanho da alegria que Jesus gostaria de ver as pessoas vivendo.

Nos v. 11-32 está a terceira parábola, que não pertence ao nosso texto, mas tem o mesmo escopo: a alegria de uma pessoa quando experimenta a restauração de algo que foi quebrado ou separado.

3. Meditação

a) Embora apareça dezenas de vezes na Bíblia, a alegria não tem recebido a devida atenção nos compêndios de teologia. Se existe, não conheço uma teologia sistemática que aborde a questão da alegria. Esse tema fica para verbetes em dicionários teológicos e artigos especializados. Pergunto-me se o peso da lei não se sobrepôs mais uma vez sobre a alegria da conversa de Jesus sobre a alegria provocada pela libertação exalada da cruz. Lucas deixa claro que os fariseus e mestres da Lei são pessoas tristes, pesadas, deprimidas, subjugadas por leis, regras e convenções que não permitem uma real alegria no viver.

É da característica dos legalistas viverem sob o peso da lei, impondo a conversão para atitudes e comportamentos que geram tristeza e dureza do coração. Lucas vai em bem outra direção. As parábolas em questão não levam à conversão, mas à alegria na terra e sua correspondente alegria no céu.

b) O dicionário Houaiss diz em seu primeiro verbete sobre alegria: “Estado de viva satisfação, de vivo contentamento, regozijo, júbilo, prazer”. Parece que a Bíblia diz que é mais: a alegria é fruto do encontro com Jesus, ou seja, é fruto de uma ação de Deus que procura e encontra algo ou alguém no mundo. Portanto o povo de Deus deveria ser sempre alegre. Aqui importa não confundir alegria com diversão. É possível ter diversão sem alegria e vice-versa. O cristão é alguém que foi encontrado, aquele que é feliz e recuperou sua posição como filho. 

c) Vejamos como o tema da alegria aparece na Bíblia. No Primeiro Testamento, aparece muito fortemente como alegria terrena. O texto de Deuteronômio 28.15-48 é um bom exemplo da importância da alegria. Moisés fala dos castigos que sobrevirão ao povo se não servir a Javé “com alegria e gratidão” (v. 47). As grandes festas de Israel são espaços privilegiados de viver a alegria do encontro, da dança, da música, da diversão. Mas, conforme Oseias (9.1-4), não se deve ir ao ponto de haver alegria orgíaca, como nas festas dos “outros povos”. Essa alegria é negada ao povo de Israel.

A alegria deve estar bem presente nas refeições de sacrifício (Dt 12.7). A alegria vivenciada nesse contexto não se deve somente ao comer e beber, mas também é expressão da bênção recebida, que habilita para o trabalho e para a colheita dos frutos do trabalho.

Na literatura sapiencial, a alegria também está muito fortemente presente. Mencione-se aqui apenas o Salmo 1.3, que fala da alegria pela sabedoria de Deus concedida aos seres humanos, e o Salmo 104.30-31, que fala da alegria de Deus pelo que fez na criação.

Os textos posteriores ao exílio fazem a transição para a compreensão de alegria no Segundo Testamento. A esperança escatológica messiânica é fonte de alegria: até os céus se alegrarão pela misericórdia e salvação de Deus (Is 44.23); Deus consolará o seu povo (Is 49.13); uma nova aliança é estabelecida (Jr 31.31); Deus terá uma alegria matrimonial com seu povo (Is 62. 5).

Na transição para o Segundo Testamento, já aparece a ênfase numa alegria mais afastada das coisas “mundanas” e mais ligada à relação com Deus. Como “bem religioso”, a alegria fica inteiramente ligada à pessoa de Jesus e à salvação nele oferecida.

Alguns exemplos dessa nova concepção de alegria: o anúncio do nascimento do precursor de Jesus já é motivo de “alegria e felicidade” para Zacarias e para muita gente; João mexe-se de alegria na barriga de Isabel quando ela se encontra com Maria, grávida de Jesus; a proclamação dos anjos aos pastores é algo que trará uma alegria que supera o medo (Lc 2.10); o fato de os pequenos receberem a revelação do Filho é motivo de alegria (Lc 10.21); bem como Jesus mesmo se alegra porque os discípulos verão o sinal da revivificação de Lázaro (Jo 11.15). Assim chegamos às parábolas de Jesus e ao nosso texto, que se encontra dentro da forte tradição de alegria na Bíblia. Jesus está preocupado em mostrar que a alegria é o resultado de seu projeto histórico terreno e celeste.

d) Por fim, algumas ideias tiradas de um dos poucos livros que falam sobre o assunto da alegria – do teólogo e sociólogo Peter Berger. Ele escreveu um livro sobre o riso, que é a expressão facial da alegria. Conforme Berger, “quando brincamos com alegria genuína, recuperamos a sensação de imortalidade que se tem na infância”. Não deixa de ser interessante que a alegria ganha uma dimensão de transcendência, uma manifestação de um universo que contém “sinais visíveis da graça invisível”. Berger afirma ainda: O lúdico faz surgir um mundo separado, diferente do mundo da realidade comum, que opera segundo regras diferentes. É também um mundo no qual as limitações da condição humana são milagrosamente superadas. A experiência do lúdico é, por fim, uma promessa de redenção. A fé religiosa é a intuição (algumas pessoas de sorte diriam a convicção) de que a promessa será mantida...

Concluo que o culto deveria ser o espaço de conversa com Jesus, que provoca a murmuração dos legalistas e moralistas. Nessa conversa brotam a alegria, o riso franco, livre e espontâneo. Já na proclamação do perdão, logo após a confissão de pecados, ela deveria estar no rosto de cada participante do culto. Da mesma forma, a participação na Santa Ceia deveria ser com um autêntico sorriso no rosto. A seriedade da Eucaristia não é diminuída pela alegria da participação na festa ao redor da mesa do Senhor. Ao cantarem-se os hinos, não são necessárias palmas e watts de potência, mas uma alegria contagiante.

Devemos colocar-nos ao lado das pessoas de má fama, que vêm para escutar Jesus, ouvir sua boa-nova de alegria, enquanto os legalistas acham que não têm nada para ouvir, mas só para dizer, ensinar, impor.

4. Imagens para a prédica

A prédica pode começar com uma piada de bom gosto ou comentário jocoso que provoque riso e alegria no ambiente. Depois pode seguir com os sinais de legalismo em nossa igreja e na sociedade, que provocam peso nas costas e tristeza no coração. Contrapor a proposta de Jesus de entrar na casa dos membros para falar da alegria, para viver essa alegria, com a proposta legalista cheia de cobranças, exigências e cargas da lei.

Chama a atenção que essa alegria expressa-se não só com piadas e citações jocosas, mas com o coração livre, que, como disse o novo papa Francisco, “nos faz sentir a beleza de estarmos juntos, de nos apoiarmos uns aos outros no caminho da vida”.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados e absolvição

Pastor/pastora: Muitas vezes, nossos corações estão frios e sem gratidão. Muitas vezes, nossas mãos estão fechadas e não querem entregar ações de misericórdia. Muitas vezes, nossos lábios ficam fechados, não querendo dizer palavras de amor.

Comunidade: Muitas vezes, nós nos colocamos em atitude de separação e alienação de nossos irmãos e irmãs, separados e alienados de Deus. Pastor/pastora: Confessamos essa separação e alienação quando cantamos: ♫ HPD 410.

Pastor/pastora: Deus, ouve nosso pedido, entra em nossa vida com sua alegria e nos perdoa. Demos graças por sua ação misericordiosa! Glória a Deus nas maiores alturas!

Oração de coleta

Deus de amor e misericórdia, somos teu povo e tua comunidade. Preserva-nos da falta de fé em ti e da falta de confi ança no próximo. Permanece em união conosco para que possamos permanecer em união contigo como teu corpo na alegria fraterna da tua presença. Por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive contigo e com o Espírito Santo um só Deus, pelos séculos dos séculos. Amém.

Bibliografia

BAUER, Johannes B. (Org). Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Ed. Loyola, 1973.

HOUAISS, Antonio. DICIONÁRIO HOUAISS da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2004.

TEOLOGIA DA ALEGRIA. Disponível em: <.http://crunicap.blogspot.com. br/2013/09/teologia-da-alegria. html >. Acesso em: 06 jun. 2015.

 


 


Autor(a): Carlos Musskopf
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 17º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2015 / Volume: 40
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 35201
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