Lucas 18.9-14

Auxílio homilético

26/08/1979

Prédica: Lucas 18.9-14
Autor: Edson Streck
Data Litúrgica: 11º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 26/08/1979
Proclamar Libertação - Volume: IV


I – Texto

V.9: Jesus contou também a seguinte parábola para aqueles que rondavam em si mesmos, considerando-se justos, e desprezavam os outros:

V. 10: Dois homens subiram para o templo com a intenção de orar: um era um fariseu, o outro um publicano.

V.11: O fariseu, parado para si, orava assim: ó Deus, eu te agradeço por não ser como os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros, ou até mesmo como esse publicano!

V.12: Eu jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o que eu ganho (compro)!

V.13: O publicano, porém, parado distante, não queria nem mesmo levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: ó Deus, tem compaixão de mim, pecador!

V.14: Digo-vos que esse desceu justificado para a sua casa. e não aquele. Pois todo o que se exalta a si mesmo será rebaixado: aquele, porém, que se rebaixa a si mesmo será exaltado!

II - Alguns dados exegéticos importantes

Nessa parábola Jesus descreve duas pessoas que se colo¬cam frente a Deus, em oração. Essas duas pessoas devem ser vistas em relação à sua função, à sua maneira de pensar e de agir. Olhemos objetivamente suas vidas e suas orações aqui confronta¬das, procurando esquecer por instantes que o fariseu é o tradicional vilão e o publicano um mocinho nos relatos do Novo Testamen¬to.

O fariseu, parado para si, orou o que lemos nos vv.11 e 12. Sugundo Joachim Jeremias (Die Gleichnisse Jesu, pp. 95ss.), não está bem correta a tradução orava para si, pois as orações e leituras em silêncio não eram usuais. Orava-se e lia-se a meia voz (At 8.30). A oração do fariseu divide-se em duas partes bem distintas. No v.11 ele enumera os pecados, as tentações, dos quais se absteve. No v.12 aponta os seus méritos. Interessante: ele não pede nada a Deus, apenas agradece. Agradece por não ser um transgressor dos mandamentos de Deus. Agradece por não ser como os demais homens. E aponta para as suas obras, nas quais ele, inclusive, revela ter feito muito mais do que o exigido pela lei. A lei exigia um dia de jejum por semana: ele jejuava dois dias por semana! O segundo dia de jejum provavelmente era por aqueles que nunca jejuavam, isto é, pelos pecados do povo. Além disso, ele não dá o dízimo somente do que ganha, mas também de tudo aquilo que compra, para não correr o risco de ter que consumir algo ilegal. Esse fariseu prefere pagar o dobro para não pecar, sem o saber.

Jesus coloca a seu lado a figura de um publicano. Um homem que em sua profissão (cobrar impostos, além dos estatais) tinha que usar de muita malícia para lograr os outros. Um homem que trabalhava para o seu próprio bolso. O povo colocava os publicanos no mesmo nível de ladrões; eles não tinham os direitos civis de um cidadão comum; eram odiados pelo povo e evitados pelas pessoas decentes. Sua oração é essa: ele bate com a mão no peito, revelando através desse gesto um total arrependimento. Sua oração revela o seu estado: ele está totalmente perdido, não vê e não tem chances de recuperação, de salvação. Pois para que ele pudesse recuperar-se teria que abandonar a sua profissão. E não só isso! Teria que restituir tudo o que tinha roubado, a todos os que haviam sido logrados por ele. E isso era praticamente impossível. Sua situação, inclusive a de toda a sua família, estava irremediavelmente perdida.

Jesus coloca lado a lado dois homens, duas vidas, totalmen¬te opostas: um de comportamento irrepreensível em relação a lei, que fez mais do que o exigido, um homem que tira uma nota maior que a nota máxima, o fariseu, que agradece a Deus com sinceridade, por ser assim como é. Do outro lado está um pecador por excelência, um homem que não tem nada de positivo a enumerar, um homem que tira uma nota menor do que a mínima, o publicano, que se esvazia perante Deus, um homem que por lei não teria a mínima chance de ser aceito por Deus, um homem que nem sabe orar.

Jesus derruba os seus ouvintes com a conclusão da parábola: o publicano sai justificado, o fariseu não. Zebra total! Jesus nem discute os méritos da questão: qual o erro do fariseu? o que fez o publicano de tão notável? Ele apenas esclarece que assim Deus julga Com a sua ação Jesus mostra que assim Deus age: dizendo mm aquele que se arrepende sinceramente, dizendo não àquele que se enaltece.

III – Meditação

Deus é injusto!, falamos nós ë falaram quase todos os ouvintes de Jesus ao ouvirem essa parábola. Graças a Deus!, falaram os desgraçados e falamos nós se nos olharmos no espelho.

Deus julga, não nós! Seus critérios não são os nossos. Certa vez, ao ser perguntado por um membro em uma reunião: sim, quem então, está certo? quem são os bons?, um colega respondeu: graças a Deus não temos essa tarefa de julgar! Seria um inferno se nos agora tivéssemos que julgar os outros! Mas é o que sempre (azemos: julgar. Julgamos os outros homens segundo os nossos critérios, de acordo com os nossos princípios e leis. É tão fácil e espontâneo falar sobre os roubos, sobre a corrupção dos outros, sobre o adultério cometido pelos outros, sobre as injustiças praticadas pelos outros. Nós, como pastores, por exemplo, apontamos o nosso amor à causa do Evangelho e cremos ser um mérito nosso nos contentarmos com um salário que poderia ser duas ou três vezes maior em outra profissão. Nós membros enumeramos os nossos serviços prestados à comunidade como méritos nossos: nossas anuidades e doações (muitas vezes em dobro), as construções que ajudamos a fazer, os sacrifícios que fazemos, quando relegamos não poucas vezes nossa família e nossa profissão a planos secundários. Eu fui fundador dessa comunidade! Eu construí essa igreja! Eu tenho a ficha limpa, podem perguntar aos outros! Eu pago o dobro da contribuição média! Eu ajudo em todas as promoções! Eu não perco um culto! etc.., etc.

Como é difícil nos livrarmos dessa maneira farisaica de agir e de pensar, de julgar os outros, de procurarmos nossa autojustificação! Já não trazemos isso de berço? Não fomos doutrinados a pensar assim? Não necessitamos acompanhar o ritmo em um mundo onde a autojustificação é quase questão de sobrevivência?

Mas também temos momentos na vida em que nos vemos irremediavelmente perdidos, totalmente abandonados e sem chance de salvação. Momentos de publicano.

Por isso creio que nós somos muitas vezes um misto de fariseu e de publicano. Somos faricanos ou publiseus. Mas será que tal afirmação já não é um novo julgamento? É difícil distinguirmos entre julgar os outros e reconhecer a nossa própria culpa. Examinemos as nossas orações: não nos enaltecemos e com isso rebaixamos os outros, quando agradecemos por tudo o que temos, somos e fazemos? E não reconhecemos ao mesmo tempo nossa fraqueza, nossa impossibilidade de nos salvarmos por nossas próprias forças?

Uma outra pergunta: por que deveríamos nós assumir a posição e a atitude do publicano para sermos aceitos por Deus? Claro é que não devemos seguir a sua conduta à risca, praticando corrupção, injustiças e desobedecendo ao mandamento de amor ao próximo! Ao apontar o publicano como justificado por Deus, Jesus quer chamar a atenção para a sua atitude perante Deus e em relação a si mesmo. Ele não exige ser justificado, por não ter nada de positivo a apontar em sua vida. Nele existe apenas o arrependimento sincero, a entrega total de sua vida nas mãos de Deus. Também em várias outras ocasiões Jesus alertou para esse comportamento. Em Mt 18.1ss, ao ser perguntado pelos discípulos sobre o maior no reino dos céus, Jesus tomou uma criança e lhes respondeu se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus! Uma criança não tem méritos e boas ações a enumerar que a autojustifiquem perante os outros. Mas está sempre disposta a ser presenteada, a receber.

O esvaziar-se de si mesmo, para dar lugar à ação generosa de Deus em nós: esse parece ser o ponto alto do comportamento desse publicano, de uma criança, de um cristão. Pois se nós mesmos já nos justificamos, então não deixamos lugar para uma justificação por parte de Deus. Em muitas discussões com os fariseus Jesus lhes disse essa verdade de maneira bem clara.

Jesus não apenas falou do amor de Deus pelos marginalizados, mas ele mesmo viveu esse amor, tão fofa de comum, de Deus pelos excluídos da sociedade, pelos considerados perdidos, pelos que tinham fechadas pela lei as portas que davam acesso a Deus. Jesus procurou-os, conviveu corri eles, perdoou seus pecados.

IV — Sugestões para uma prédica

É difícil que essa parábola cause nos ouvintes de hoje o mesmo impacto que causou naqueles que a ouviram da boca de Jesus. Talvez por se tratar de um texto bastante conhecido e por carregarmos dentro de nós uma antipatia profunda pelo fariseu e por vermos o publicano com bons olhos.

Creio ser importante retomarmos na prédica, rapidamente, as duas orações, as duas maneiras de viver e de colocar-se perante Deus, apontadas aqui por Jesus. É importante para a atualização procurarmos ver a ambos, fariseu e publicano, no seu tempo, com os mesmos olhos dos ouvintes de Jesus. Assim conseguiríamos um pouco daquele impacto causado pela parábola ao ser contada. Impacto que fica patente ao analisarmos então comportamentos de autojustificação existentes em nós mesmos, em nossas comunidades

Jesus chocou seus ouvintes com essa parábola. Esse choque não deveria ser minimizado na prédica. Devemos cuidar, entretanto, para não atacarmos e rotularmos pessoas, julgando-as simplesmente. Mas o ponto alto deveria ser aquilo que na conduta do publicano é o essencial e decisivo: o esvaziar-se de si perante Deus: o estar disposto a receber de Deus: uma confissão de pecados bem sincera

V — Bibliografia

JEREMIAS. Joachim. Die Gleichnisse Jesu. Kurzausgabe. München e Hamburg. 1969.


Autor(a): Edson Edilio Streck
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 12º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 4
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14593
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