Lucas 2.1-14

Auxílio Homilético

25/12/1984

Prédica: Lucas 2.1-14
Autor: Carlos Musskopf
Data Litúrgica: Dia de Natal
Data da Pregação: 25/12/1984
Proclamar Libertação - Volume X


I — Texto e Contexto

O texto quanto à Crítica Textual não apresenta problemas relevantes.

A descrição é matéria exclusiva de Lucas. Marcos e João não fazem referência ao fato histórico do nascimento de Jesus. Mateus conta a tentativa que José ensaiou de abandonar a noiva grávida e a adoração dos reis magos do Oriente.

Lucas tem razões para redigir da forma como o faz. Supõe-se que seu evangelho originalmente iniciou em 3.1. Os capítulos iniciais teriam sido acrescentados mais tarde. Seriam traduções de textos hebraicos usados em pequenas igrejas e coletados por Lucas. Faz parte de sua teologia ligar a vida de Jesus com os pobres, os marginalizados da sociedade. Assim, faltava fazer esta ligação desde o nascimento de Jesus. Isto Lucas consegue com esta introdução nos capítulos 1 e 2, da qual nosso texto faz parte.

Boff diz que Lucas pintou um díptico nos capítulos 1 e 2, ou seja, um paralelo entre a anunciação e o nascimento de João e de Jesus, onde ressalta que, em tudo, Jesus foi maior.

II — Duas questões centrais

Lucas deixa transparecer claramente, através deste texto, duas de suas maiores ênfases no que se refere à fé cristã.

a) Em primeiro lugar, para ele não existem duas histórias. A história da salvação se dá dentro da história do mundo. Deus age no mundo considerando a contagem secular do tempo e as pessoas que marcaram época. Isto fica claro também na forma como ele coloca a genealogia em 3.23ss. Desde que o mundo é mundo e que existem pessoas habitando a sua face, Deus está presente, seja no templo, na rua ou no palácio. Ele é o Senhor da história toda. Significa, portanto, que o crente não pode ser cristão de vez em quando e outras vezes simplesmente cidadão, como fazem tantos!

Assim, Lucas procura situar o acontecimento do Natal em termos histórico-políticos. Quanto às datas,, no entanto, a coisa é um pouco confusa. Traz como ponto de referência um edito de César Augusto (v. 1), determinando o recenseamento, e o fato de Quirino ser governador da Síria. Se aconteceu tal edito, foi no ano 12 a. C. e este recenseamento levou 4 a 5 anos. Nesta época, com toda certeza, Querino não era governador da Síria. Estes dados também não fecham com o nascimento de Jesus Cristo, que se deu antes da morte de Herodes, que foi em 4 a. C. Jesus deve ter nascido entre os anos 8 e 6 a. C. O fato de os dados temporais serem imprecisos não desacredita a tese de haver, para Lucas, uma só história. Pelo contrário, a reforça, na medida em que coloca uma questão teológica dentro de parâmetros políticos. A questão teológica é fazer o salvador nascerem Belém, terra do grande rei Davi, de cuja casa viria o Salvador. O tempo do Rei dos reis é o mesmo tempo dos imperadores e governadores. Jesus não cria uma nova história, mas toma de assalto a história dos homens, em todas as suas dimensões e situações. Sua presença interfere na convivência humana, na forma que os homens criaram para se relacionarem entre si e com a natureza.

b) A segunda ênfase que Lucas dá, através deste texto, é para quem este Jesus veio.

A casa (hospedaria) dos parentes de José já estava lotada e sobrou para ele e sua esposa grávida um canto qualquer lá fora, onde havia uma manjedoura. Impressiona a falta de consideração dos parentes com relação a uma mulher grávida prestes a ter o filho. Aliás, os parentes saem de cena e entram outros personagens, os pastores do campo. Eles igualmente não tinham casa para passar as noites, uma vez que ficavam no campo cuidando das ovelhas dos outros. Eles recebem em primeiro lugar a notícia do nascimento do Salvador. A estes Ele vem em primeiro lugar. Não havia comodidades e convenções sociais que os prendessem. É por isso que os acomodados e instalados parentes caem fora da narração. Eles serão ouvintes da mensagem deles vai se exigir mudança e transformação como a outros também. Mas, agentes, divulgadores da Boa Nova eles não são. Para isso esta-vam apegados demais aos seus costumes e comodidades.

A quem Jesus veio em primeiro lugar? Àqueles que também com facilidade se desinstalam e saem a proclamar o anúncio de Sua chegada.

Jesus já nasce rejeitado e marginalizado e é com estes que Ele conta como colaboradores de Sua missão. Sobretudo no evangelho de Lucas está claro que os pobres estão ao lado de Jesus e os ricos devem passar por um grande processo de transformação para estar ao Ia do dele (cf. Lc 18.18-23).

Quanto à questão dos pobres, me parece necessário esclarecer duas coisas: a) A pobreza material não é um estado ideal e aprovado por Deus; a falta de condições mínimas para o sustento, saúde, vestimento, moradia, educação, é um estado escandaloso e contrário à vontade de Deus. O Deuteronômio (cf. Dt 28.2-6,13) dá prova disto, bem como a organização da comunidade primitiva (cf At 2.44s). b) A pobreza deve ser entendida sempre em conjunto com a pobreza espiritual. O simples fato de ser pobre — carente material — não significa, ainda, abertura a Deus e ao irmão que sofre. Tem muitos desses pobres que tem uma mentalidade tão capitalista como qualquer rico. É verdade que isso é fruto de uma máquina de propaganda que faz a cabeça dos pobres, mas também não se pode negar que existem e que resistem a organizar-se para lutar por uma transformação de todo da sociedade. Muitos deles querem, no futuro, ter para si as vantagens e os privilégios que hoje os ricos tem.

Portanto, a pobreza espiritual é a pobreza material unida à total disponibilidade a Deus e aos irmãos. Difícil é para um rico ser pobre espiritual, pois deveria abrir mão de usar o que tem (material e poder) para seu benefício e colocar isso a serviço da conscientização e da organização dos pobres tendo em vista uma mudança da estrutura social vigente.

O texto mostra que quem primeiro está disposto a assumira causa de Jesus são os pobres (material) espirituais (abertura a Deus e aos irmãos), quem louva a Deus por se ter feito irmão, são eles; quem divulga o acontecimento são eles; quem vai estar presente, ao lado de Jesus em toda sua vida, são eles; quem vai continuar pelos séculos a anunciar a Boa Nova de grande alegria para o povo, são eles. Os ricos (mesmo que pobres de bens) incomodam, traem, travam, interrompem, prendem, torturam e matam.

Os pobres espirituais recebem e divulgam uma mensagem: Nasceu-vos hoje o Salvador, que é o Cristo-Senhor, na cidade de Davi (v. 11). E eles já sabem que esta criança trará alegria para o povo. Se o povo não tem razões para ter alegria, é sinal que hoje a notícia está sendo mal recebida e mal transmitida pêlos encarregados.

Ill — Meditação

Estamos iniciando a época de Advento. Os antepêndios são violeta, simbolizando (ironicamente) o recolhimento, a auto-análise, o arrependimento, a preparação para o grande dia em que será festejada a vinda do nosso Senhor e Salvador.

No entanto, a verdade é que nos preparamos para a grande festa do consumo, do supérfluo, do desnecessário. Ricos e pobres estão unidos em fazer economia para os gastos com as festas natalinas. É claro que o resultado da economia de uns e de outros vai permitir uma festinha bem diferente, mas a preocupação é a mesma. Todos buscam estar alegres e contentes naquela hora. Mas, no fundo, está todo mundo tenso, nervoso, preocupado, cansado. Seguramente a maioria gostaria mesmo* que tudo isso já tivesse passado, para recolocar a vida em ordem e começar a pagar as contas que esta farsa toda provocou.

Nesta confusão vivemos a preparação para a alegria de Natal. Só que este não é o Natal ligado à manjedoura e aos pastores (pobres de espírito). É razão de verdadeira alegria para eles, porque lhes dá valor e uma missão. Suas vidas são preenchidas com Jesus. O egoísmo, a ganância, a vaidade caem definitivamente derrotadas e é iniciado o novo tempo, o tempo de Jesus, o tempo em que os pobres de espírito tomam a iniciativa e têm o poder. Não para oprimir e explorar, mas para criar a paz na terra entre os homens, aos quais Deus quer bem. O Natal de Cristo não deveria ser fonte de problemas e preocupações, mas celebração real da alegria. Alegria que vem da consciência, de que Ele veio até nós, nós estamos do lado dele e Ele está do nosso lado. A alegria do Natal é um estado de espírito mental, racional, uma paz e uma esperança que os pobres de espírito têm na cabeça e que ninguém pode tirar ou distorcer. Por isso mesmo é alegria de quem está comprometido com os irmãos na construção de uma nova sociedade, na qual os freezer dos ricos foram esvaziados, onde as terras foram divididas, onde as fábricas foram socializadas.e onde os pobres de espírito o sejam somente por sua abertura a Deus e aos irmãos e não por sua carência absoluta.

IV — Para a prédica

Iniciar com duas perguntas:

1. O que ainda não foi ouvido a respeito do Natal? Nada! Todos os detalhes já foram lidos, cantados ou representados em teatros. A Comunidade já sabe tudo!

2. O que já foi entendido a respeito do Natal? Outra vez: Nata! Senão ele não teria sido convertido em farsa.

Continuar conforma a Meditação.

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Pai bondoso e misericordioso, a situação em que vive a maioria de nós tem-nos transformado em pobres materiais. No entanto, espiritualmente continuamos soberbos, fechados, vaidosos e gananciosos. Transforma-nos a partir do coração e da mente e faze de nós anunciadores da verdadeira alegria do Natal. Tem piedade de nós. Senhor!

2. Coleta: Senhor, a Tua Palavra tem sido tão mutilada e deturpada, que nós nos esquecemos de sua força vitalizadora para a nossa vida. Com humildade, pedimos que derrames o Teu Santo Espírito sobre nós e nos concedas ouvir tua reta mensagem. Amém.

3. Subsídios para a oração final: Trino Deus, normalmente queremos sair aliviados do culto, mas sabemos que Tu nos convocas e capacitas para levar Tua Boa Nova: aos que são enganados pela propaganda; aos que se atolam em dívidas para o Natal; aos que são marginalizados pela sociedade de consumo: velhos, inválidos...; aos que lutam nas Associações de Bairro, Sindicatos, Movimentos de Sem-Terra, Centros Acadêmicos, Grêmios Estudantis...; aos que dão de si e do seu tempo no trabalho missionário da Igreja.

VI — Bibliografia

- BITTENCOURT, A Forma dos evangelhos e a problemática dos sinóticos. São Paulo.
- BOFF, L. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis, 1972
- BRAKEMElER, G. Mundo contemporâneo do N T. São Leopoldo, 1984.
- GOPPELT, L. Teologia do NT. São Leopoldo, 1982.
- GUTIERREZ, G. Teologia da Libertação. Petrópolis, 1975.


 


Autor(a): Carlos Musskopf
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Dia de Natal
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1984 / Volume: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14656
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