Lucas 4.14-21

Auxílio Homilético

21/11/1980

Prédica: Lucas 4.14-21
Autor: Edson Streck
Proclamar Libertação - Volume: VI

Proclamar Libertação III – Aspecto Individual


I – Isaías 61.1-3

As palavras que encontramos em Is 61.1-3 são ditas por Trito-isaías aos israelitas que haviam retomado do exílio babilônico. O profeta diz ser enviado por Deus para dar boas novas a um povo cansado e surrado! São essas as boas notícias: curar os quebrantados de coração, proclamar libertação aos presos, libertar os algemados, pregar o ano aceitável do Senhor e o dia da vingança, consolar todos os que choram (enlutados, entristecidos, angustiados).

O profeta, já bem no início, revela a fonte dessa nova vida: Deus. O Espírito de Deus está com ele, Deus o ungiu para levar aos pobres essa boa notícia e a chance de uma nova vida.

O Senhor me ungiu

Uma pessoa é destinada a cumprir uma tarefa especial junto ao povo, como enviado de Deus, através da unção: reis, profetas e mais tarde até mesmo sacerdotes são ungidos. O óleo na unção (como a água no batismo) é um veículo do Espírito de Deus, pois unção e Espírito andam de mãos dadas. Deus chama, fortalece e envia — todos esses passos estão intimamente ligados na função.

Um pequeno parêntesis: até que ponto nós, como pastores, estamos encarando a nossa ordenação no sentido de sermos ungidos? Ou: até que ponto cada um de nós, cristãos, está encarando o seu batismo no sentido de ser ungido = chamado por Deus, fortalecido pelo Espírito e enviado? Cf. 2Co l.21s.

II – Lucas 4.14-21

Segundo At 10.38, Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espirito Santo e poder.

Publicamente, na sinagoga em Nazaré, Jesus assume essa tarefa Hoje se cumpriu a Escritura em vossos ouvidos, diz Jesus, referindo-se a Is 61.Is. Jesus coloca-se no centro da história da humanidade e no centro da vida de cada pessoa. Ele reconhece a sua função, sabe que o Espírito de Deus o acompanha, e assume a tarefa do ungido: levar a boa nova aos pobres, proclamar libertação aos presos, restaurar a vista aos cegos, libertar os oprimidos, apregoar o ano da graça de Deus. Jesus não pode permanecer quieto e satisfeito enquanto houver pessoas que sofrem; por isso, provoca alterações profundas e mudanças radicais nas mais diversas situações de pobreza, prisão, cegueira e opressão em que as pessoas se encontram.

Jesus chama as pessoas à conversão

Seguir a Jesus significa: aceitar vida nova, nova mentalidade e assumir o batismo. Ele chamou discípulos. Também hoje pessoas são chamadas por Cristo para uma conversão em seu modo de viver. Pois a igreja que prega a Cristo deve saber que o seu Senhor hoje está presente e deve agir em seu nome; que Jesus está presente, hoje, como aquela vez: isso os pobres devem sentir (Voigt, p.77).

É totalmente absurdo, portanto, entendermos a conversão apenas no nível pessoal e bem particular de cada pessoa ou em sentido moralista. O cristão sempre é alguém convertido para alguém e para uma tarefa. Essa conversão também não pára no tempo e no espaço, mas deve ser assumida diariamente. Da mesma forma o batismo não é um ato único: não tem sentido sem a comunhão da Santa Ceia e o consequente envio. A tarefa assumida por Jesus (evangelizar os pobres...) deve ser entendida corretamente. Levar uma boa nova significava no tempo de Jesus: anunciar o nascimento de um rei, ou anunciar a visita de um rei, ou trazer a notícia da vitória em uma guerra. Tratava-se, pois, de uma notícia capaz de provocar uma tremenda festa. Jesus foi, ele mesmo, esse novo rei, um rei que visita o seu povo, alguém que traz a vitória. Não foi um zelote (interessado só na vitória política imediatista e fanática), mas também não foi um esseno (interessado apenas numa conversão isolada, deixando o mundo entregue ao mundo). É importante vermos que Jesus não só anunciou, mas veio tornar realidade (= proclamar) a libertação. No contexto lucano APHESIS ( = libertação) é empregado no sentido de remissão dos pecados. Refere-se também ao perdão; os oprimidos são também os pecadores que Jesus quer aliviar com a dádiva do perdão. Isso transparece na inclusão da citação de Is 58.6d.

Jesus traz a libertação a pobres, cegos, presos, oprimidos; isto é, a pessoas que estão por baixo em todos os sentidos, social e espiritualmente. Ele vem restabelecer a relação entre Deus e os homens, também dos homens entre si. Em Jesus todos os poderes que escravizam o homem, individual e coletivamente, estão seriamente ameaçados. A libertação que Jesus traz quer ir à raiz de todo o tipo de corrupção e injustiça entre os homens, quer libertá-los de si mesmos para os outros, convertendo-os assim em seus discípulos.

O Reino de Deus que se inaugura em Jesus de Nazaré não admite qualquer corrupção: pessoal ou coletiva; qualquer pobreza: exterior ou interior; qualquer cegueira: física ou ideológica; qualquer opressão: política ou espiritual; qualquer prisão; qualquer escravidão; qualquer ato que transforme o ser humano em animal ou objeto. Lc 4.14-21 é a chave para a compreensão correta do evangelho. Ao transferir a cena de Nazaré para o início da atividade de Jesus, Lucas a transforma no programa da atuação do Senhor.

Exemplos muito claros foram dados por Jesus. Alguns, entre os muitos que os evangelhos nos trazem: Jesus convida os pobres (Lc 14.16ss-a grande ceia; Lc 21.1ss — a viúva pobre); Jesus reprova a avareza e procura libertar os ricos da escravidão sob o dinheiro (Lc 12.13ss - reprova a avareza; Lc 18.18ss — o jovem rico); Jesus cura muitos doentes, libertando-os de uma escravidão e marginalização imposta pela sociedade (Lc 17.11ss — cura dos dez leprosos); Jesus liberta pessoas de seus pecados, de preconceitos (Lc 18.9ss - fariseu e publicano; Jo 8.lss - mulher adúltera); Jesus liberta da tristeza do luto (Lc 8.49ss - ressurreição da filha de Jairo; Jo 11.1ss - ressurreição de Lázaro); Jesus liberta pessoas do egoísmo (Lc 19.1ss - Zaqueu); Jesus liberta pequenos e fracos (Lc 18.15ss - crianças); Jesus liberta pessoas que não recebem o mesmo direito dado a outras pessoas (Lc 7.36ss - a mulher que ungiu seus pés; Jo 4.1ss - a mulher de Samaria); Jesus liberta pessoas de preconceitos raciais (Lc 10.25ss — o bom samaritano); Jesus liberta condenados à morte (Lc 23.32ss — o condenado crucificado ao seu lado). Exemplos como esses, ao lado de centenas de outros narrados nos evangelhos, nos atestam a concretitude da ação de Jesus. Ele realmente proclamou e deu libertação aos pobres, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz (Fp 2.8).

Mas a cruz não consegue acabar com o proclamar libertação de Jesus. Seus discípulos, fortalecidos pelo Espírito Santo, continuam assumindo totalmente essa tarefa, transformando-a na tarefa da Igreja de Jesus Cristo. At 3.1ss, por exemplo, nos mostra que essa tarefa tem continuidade: pessoas continuam sendo libertadas por Cristo, através da ação dos seus apóstolos. Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!, diz Pedro ao coxo que lhe pede esmolas. (At 3.6)

Jesus também hoje nos liberta - para sermos libertadores. Paulo o reconhece bem: e ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. (2 Co 5.15)

III — Algumas indicações para uma prédica

A capa do livro Proclamar Libertação pode ser um ponto de partida para a prédica. Vê-se nela uma porta que se abre. Assim, como a chave que abre uma porta, vejo este texto: Lc 4.14-21. Uma chave para entender toda a atuação e missão de Jesus de Nazaré como o Ungido. Creio ser pos-sível usar essa ilustração: Jesus abre uma porta, através desse texto, convidando-nos para acompanhá-lo.

Ante uma porta fechada temos expectativas: não sabemos o que há por trás dela; podemos alimentar as mais diversas esperanças, receios ou apenas curiosidade. Mas de uma ou outra forma sempre reagimos. Pode-se ver que expectativas os membros talvez tenham em relação a Cristo, em relação à Igreja.

Com Cristo abre-se a porta do Reino de Deus para os homens. Quem Deus convida? É importante comparar com as expectativas acima! Deus convida todos os homens, um por um; todos aqueles que sofrem sob escravidão do pecado. Devemos ter cuidado para não apontarmos apenas para a dimensão pessoal do pecado e, sim, olharmos bem mais para a sua dimensão social e coletiva, como já vimos nas outras duas análises sobre proclamar libertação, que se encontram no início deste livro e são leitura indispensável para uma melhor compreensão de nossa tarefa como cristãos.

A partir da porta que Jesus nos abre para seu Reino podemos ver o nosso batismo como condição para a entrada — o batismo como o nosso primeiro passo para dentro da Igreja de Jesus Cristo.

Podemos também olhar ao nosso redor e ver quem está conosco dentro dessa Igreja. Talvez seja possível aqui uma rápida olhada para aqueles que geralmente frequentam os cultos (que escutam hoje, como escutaram os nazarenos naquele dia, as palavras de Jesus Cristo), para todos aqueles que estão engajados no trabalho da comunidade. E fazer a pergunta, já levantada acima: até que ponto cada um de nós está encarando o seu batismo como unção, isto é, como alguém chamado por Deus, fortalecido no seu Espírito Santo e enviado?

O nosso envio, nosso trabalho, está sendo realmente um proclamar libertação assim como Jesus o espera dos seus discípulos, da sua Igreja? Estamos conseguindo libertar pessoas, como ele o faz, de pobreza, cegueira, prisão, opressão?

Se usarmos o exemplo de uma porta que se abre, é importante observarmos que essa porta, esse Cristo, nos leva para o mundo, em ação, e não nos tranca dentro de quatro paredes. Cristo quer libertar a própria Igreja de cegueira, de prisões, de opressões, de pobrezas, de muros que a separam
da realidade do homem que é pobre, que está cego, que é oprimido, que está preso.

Vamos, levanta-te e anda!

IV - Bibliografia

- ALLMEN J. J. von, ed. Vocabulário Bíblico. São Paulo, 1972.
- CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS. Por uma Igreja solidária com os pobres. In: Cadernos do CEDI. No. 4. Rio de Janeiro, 1980.
- MOLTMANN, J.  Kirche in der Kraft des Geistes. München 1975.
- Evangelização e Compromisso Popular. In: Tempo e Presença. No. 157. Rio de Janeiro, 1980.
- VOIGT, G. Meditação sobre Lucas 4.14-21.- In: Der schmale Weg. Göttingen 1978.
- WESTERMANN, C. Meditação sobre Isaías 61.1-3, 10, 11. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 1. 3.ed. Stuttgart, 1967.


Autor(a): Edson Edilio Streck
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 14 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1980 / Volume: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18236
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