Marcos 1.12-15

Auxilio Homilético

20/02/1994

Prédica: Marcos 1.12-15
Leituras: Gênesis 22.1-14 (15-18) e Romanos 8.(31-34) 35-39
Autor: Aline Steuer
Data Litúrgica: 1º Domingo da Quaresma
Data da Pregação: 20/02/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX


Mais uma vez, a Páscoa aponta no horizonte e, mais uma vez, recebemos uni convite para entrar mais a fundo num discipulado que gera vida, que caminha mais decididamente para a vitória da vida sobre a morte. Como é que a liturgia deste 1º. Domingo da Quaresma pode nos ajudar? Qual é o desafio lançado a nós pela palavra de Deus e da comunidade?

O texto de Marcos é tão curto, tão condensado, que a tentação seria ignorá-lo e ficar aprofundando a fé-obediência de Abraão ou a tipologia de Isaque, filho único oferecido. O texto de Romanos até convida a enveredar nessa direção. Mas parece que o texto de Marcos, justamente por ser curto e condensado, merece um estudo, antes de se abordar os textos acompanhantes, porque ele é a chave que abre o significado mais profundo desses e de todo o Evangelho de Marcos.

1. Contexto literário

Antes de abordar o texto, olhemos para o contexto literário. Nosso texto abrange os últimos versículos da introdução ao Evangelho e o início da atuação de Jesus junto às multidões. Olhando para os primeiros 15 versículos de Marcos, podemos ver que o tema boa notícia ou evangelho se encontra nos versículos l e 15, formando assim uma inclusão. Essa é uma técnica usada frequentemente por Marcos para chamar a atenção para o conteúdo que está no meio. Esses 15 versículos já trazem o sentido da boa notícia que Jesus nos chama a aceitar.

Boa notícia ou evangelho seriam para nós os 16 capítulos de Marcos. Mas, para o tempo do evangelista, um evangelho seria um anúncio de caráter público ou oficial: o anúncio de uma vitória do exército, do aniversário do rei, do cancelamento de dívidas, etc. Seria, então, compreendido como um prenúncio de um ato libertador. Para os cristãos, evangelho ou boa notícia lembraria Is 52.7-10, onde o profeta identifica a boa notícia com o reino de Deus, com a chegada de Javé.

No meio dessa inclusão sobre a boa notícia da chegada de Deus, encontramos quatro partes: o aparecimento de João Batista (2-8), o batismo de Jesus (9-11), o teste ou a provação de Jesus (12-13) e o resumo da pregação dele (14-15). Cada parte diz algo sobre o texto do 1° Domingo da Quaresma.

Dentro dessa inclusão, a figura de João Batista marca o início (2-8) e o fim (14).

Vv. 2-8: Ele vem preparar o caminho, nome original do seguimento de Jesus e palavra-chave no Evangelho de Marcos. Citando Is 40.3, o texto afirma que quem vem é o próprio Javé. É chegada a hora. A decisão é urgente. Chama ao batismo e à conversão. O povo tinha que fazer uma opção.

Vv. 9-11: Jesus aparece. Ele recebe o Espírito e é proclamado Filho amado. Era para esse que João preparava o caminho. É ele o anunciado evento libertador, a boa notícia.

2. Texto

Vv. 12-13: Assim chegamos ao texto deste Domingo. Jesus, após o batismo, é impelido, como se fosse jogado, ao deserto pelo Espírito, onde se iniciará o confronto com Satanás, que representa tudo aquilo que luta contra a libertação. O deserto, aqui, tem um duplo significado: é um lugar de provação (Massa e Meribá) e de um novo início, de uma oportunidade para concretizar o projeto, o reino de Deus. Jesus é jogado para o lugar de provação, não aos céus, quer dizer, é jogado dentro da história humana. E é dentro da história humana que ele será submetido a uma prova, onde ele fará um teste de força do seu projeto diante das forças da morte. Para Marcos, Jesus não está sendo exatamente tentado, mas testado. (A palavra peirazomenos não tem o sentido de tentação, mas de testar ou provar.) O conteúdo desse confronto, no Evangelho de Marcos, aparece no desenrolar da história. O caminho que Jesus traça será contestado. Qual será o resultado final? Esses dois versículos contêm uma ligeira indicação do êxito de Jesus, pois a convivência dele com os animais selvagens evoca a utopia de Is 11.6-9, que prevê a realização plena de uma sociedade transformada: Ele julgará os fracos com justiça, dará sentenças retas aos pobres da terra (v.4).

Vv. 14-15: E a prisão de João Batista que provoca Jesus a assumir sua missão. Assim, a luta que Jesus vai enfrentar recebe ênfase. Flávio Josefo, o historiador, diz que Herodes tinha medo da possibilidade de uma revolta encabeçada por João e por isso o prendeu. Mc 6.14-29 atribui o ato à crítica feita ao casamento ilícito do rei. Pois bem, criticar o rei é um ato de revolta. João é silenciado e, depois, morto. É nesse clima que Jesus inicia a sua pregação.

Jesus vai a Galiléia, área desprezada, marginalizada pelas elites. O nordeste para eles. Lá, ele prega essa boa notícia de Deus. É o tempo do kairós, o tempo oportuno, o tempo de decisão. Kairós contrasta com chronos, o tempo do relógio que pode esperar para outra hora, outro dia. O reino não espera; exige uma resposta agora. O reino de Deus vem, se aproxima, está aqui! O reino não é algo estático, parado, mas dinâmico.

Diante da chegada do reino de Deus em nosso meio, é necessário mudar o nosso jeito de ser, nosso jeito de ver as coisas. Não é fácil mudar a nossa maneira de ver e julgar, nossa maneira de agir no mundo, mas é isso que o reino exige: Arrependei-vos. Muda ou transforma sua mente e o seu agir. A justiça que Javé vem implantar e as retas sentenças necessitam um jeito de encarnar e/ou julgar a realidade tanto sócio-política quanto a pessoal. A nossa leitura dessa realidade e as opções que fazemos a respeito terão que se modelar pela ação de Jesus no Evangelho. Nós temos que encarnar a boa notícia, ser evangelho neste mundo. No evangelho, fé nunca é somente uma atitude interior, mas sempre ação. É a prática de Jesus que nos ensina sobre o reino, a prática que começa com a prisão de João Batista e que se realiza dentro de uma realidade opressora.

3. Situação

A situação sócio-política, econômica e religiosa no tempo de Jesus c bom conhecida. Mas, para lembrar, havia gente explorada por um sistema injusto; dosem prego crescente; empobrecimento e endividamento crescentes; poderosos ricos, que não se importavam com a pobreza dos irmãos; tensões e conflitos sociais; repressão sangrenta, que matava sem piedade; classes altas comprometidas com os romanos na exploração do povo; grupos de oposição aos romanos, que se identificavam mais com as aspirações do povo; a religião oficial, ambígua e opressora; a piedade confusa c resistente dos pobres.

Diante dessa realidade, o ensinamento de Jesus sobre o reino, sobre a intervenção de Deus na vida e na sociedade humanas, é realizado através da denúncia profética do pecado social e pessoal, através do confronto com os poderes e as instituições. Jesus tirou as máscaras das ideologias e tradições, desafiou descrenças e preconceitos e exigiu conversão e comprometimento radical. Ele viveu o reino nas curas e nas vitórias sobre o demônio, reintegrando as pessoas na comunidade; nas suas amizades, abrindo-se para mulheres e outras pessoas marginalizadas pela socie¬dade, e nos conflitos sobre a interpretação da lei. Ele comunicou a sua visão do reino através das parábolas.

4. Sugestões para a pregação

A pregação de Jesus nos desafia a levarmos a sério o reino. Quaresma é tempo para examinar a nossa prática e, ao mesmo tempo, a nossa visão do reino. Conversão não é uma atitude interna, individualista, idealista, mas a transformação do ambiente humano. Temos que encarar a sociedade e o papel da comunidade cristã dentro dela. A hora é agora, o kairós, e urge uma decisão diante da palavra de Deus. A descrição do tempo de Jesus difere do nosso mais na magnitude da opressão do que no fato. Jesus agiu nessa realidade. E nós? No tempo de Jesus, uma pessoa que sabia os limites e vivia dentro deles era considerada respeitável. Aqueles que cruzavam linhas de raça, classe social, barreiras de doenças, etc., eram considerados nocivos à sociedade e eram marginalizados. Só pessoas loucas seguiam tais figuras.

Hoje em dia, não é tão diferente. Nós cristãos temos medo de ser criticados se sairmos das normas da sociedade. O evangelho de hoje nos convida a refletirmos sobre a prática de Jesus e a decidirmos segui-lo ou não. A prática dele acontecia junto aos pobres, marginalizados, desprezados do seu tempo. E a nossa?

A primeira leitura deve ser feita à luz desse texto. A palavra de Deus, dirigida a Abraão e Sara, exigia deles um compromisso total, uma mudança de mentalidade. Não era fácil, diante dos costumes que encontraram na nova terra da promessa, saber qual seria a melhor maneira de seguir caminhando conforme o projeto do Deus. Eles tinham que estar dispostos a perder tudo, inclusive o filho da promessa, para poder aprender que Deus não quer o sacrifício humano, que Deus é o Deus da vida, e não da morte.

As palavras de Paulo também colocam uma opção pelo reino em termos absolutos. Sendo que o nosso Deus está do nosso lado, podemos afirmar, com a certeza que vem da fé, que nada pode nos desviar do seguimento fiel a Jesus.

5. Subsídios litúrgicos

1. Usar Salmos que colocam a opção fundamental (Sl 1; 73) ou as características do reino Deus (Sl 103; 147).

2. Organizar um jogral com as várias leituras de Isaías sobre o reino, intercaladas com textos do Evangelho que colocam a prática de Jesus.

3. Usar jornais ou revistas para, em pequenos grupos, fazer uma colagem de sinais do reino e do anti-reino. A partir desse trabalho, decidir quais estruturas opressoras a comunidade pode trabalhar nessa Quaresma e com quais grupos marginalizados a comunidade tentará estabelecer um relacionamento.

4. Organizar um estudo, para a Quaresma, do Evangelho de Marcos, que ajudará a perceber a prática de Jesus que segue o texto de hoje.

5. Organizar um grupo de educação política neste ano de campanha eleitoral, que ajudará a comunidade a levantar critérios para avaliar os candidatos.

6. Bibliografia

ARIAS, Mortimer. Announcing the Reign of God. Philadelphia, Fortress Press, 1984. MESTERS, Carlos. A Prática Libertadora de Jesus. São Leopoldo, CEBI.
SEGUNDO, Juan Luis. O Homem de Hoje Diante de Jesus de Nazaré. Vol. II/l. São Paulo, Edições Paulinas, 1985, pp. 107-262.


Autor(a): Aline Steuer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 1º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 15
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 16179
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