Marcos 16.1-8

Prédica

05/03/1987

Marcos 16.1-8

Martim Lutero

Passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para irem embalsamá-lo. E muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol, foram ao túmulo. Diziam umas às outras: Quem nos removerá a pedra da entrada do túmulo? E, olhando, viram que a pedra já estava revolvida; pois era muito grande. Entrando no túmulo, viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto. Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia; lá o vereis, como ele vos disse. E saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e assombro; e de medo nada disseram a ninguém.

Em honra e louvor ao misericordioso e eterno Deus vamos pregar agora sobre a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, por ser justo que se pregue esse artigo nesta festa. E será importante pregar e anunciar este artigo de forma bem especial, já que o que possuímos de mais sublime e de mais elevado, nele se baseia, não só na vida presente, mas também na futura. Este artigo deverá ser tratado não somente por ser proveitoso e bom, mas também com o intuito de se louvar e honrar a Deus, para que haja na terra quem o escute com seriedade e quem agradeça ao Senhor Jesus Cristo por sua paixão e ressurreição. Pois Deus aprecia que se faça lembrança destes eventos e que deles se pregue seguidamente.

Acontece que não poderemos nem anunciar nem ouvir tal mensagem de forma suficiente, por não ser possível compreendê-la suficientemente. Nada de novo pregamos, mas pregamos constantemente e sem parar daquele homem chamado Jesus Cristo, verdadeiro Deus e homem, morto por nosso pecado e ressuscitado por causa da nossa justiça. Mas mesmo que continuamente preguemos e anunciemos tal assunto, jamais seremos capazes de nos inteirarmos dele o suficiente. Continuamos sendo bebês e criancinhas que estão aprendendo a falar e balbuciam as palavras mal e mal pela metade.

Poucos são os que pregam do assunto como convém, e menos ainda os que o aprendem e entendem. Assim acontece que chegaram a surgir espíritos sectários, e vão surgir mais, que discutem de forma muito inteligente e douta e vão acabar esvaziando aquela história. Eles vão pregar a Cristo como se fosse um profeta qualquer, e vão lidar só com espiritualidade, dizendo: espírito, espírito. Com isso vão obscurecer este artigo e fazer com que desprezemos este relato e que, junto com o relato, percamos esta pessoa sublime, embora ela se distinga muito de qualquer profeta, e embora este relato não seja nenhuma narração comum, como a de Dieterico de Berna, ou dos turcos que venceram o rei da Hungria - mas que seja uma história excelente e sublime a respeito da vitória do Senhor Cristo sobre pecado, morte, diabo e inferno.

Esta é a primeira parte desta pregação: Nosso amado Senhor Jesus Cristo, Deus verdadeiro, que é maior do que tudo que se encontra no céu e na terra, e que é também o mais puro e mais inocente homem, dilacerou a morte em si mesmo. Pois já que a morte e o diabo nada lhe puderam fazer, ele ressurgiu do túmulo, mais belo que o sol. Será preciso tomar conhecimento do f ato de o Cristo ressurgido dos mortos ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem em uma só pessoa. E mesmo que você não compreenda como pode ser que Cristo seja Deus e simultaneamente homem, sendo a pessoa uma só, e indivisa, mas sendo as naturezas distintas, afaste a pergunta de si e diga: Creio que Jesus Cristo, Deus e homem, seja uma única pessoa, e que as duas naturezas, divindade e humanidade, nele se tenham unido. Nisto eu vou permanecer.

Pois no Credo cristão confessamos que o Filho de Deus e de Maria seja um Filho único Cristo e Senhor, não que sejam dois Filhos, nem duas pessoas nem dois Cristos ou Senhores. Quem, pois, tocar e matar o filho de Maria, este toca e mata o Filho de Deus. Pois bem assim como meu corpo e minha alma constituem duas naturezas, mas mesmo assim sou uma só pessoa, também quem ferir, pisar ou matar meu corpo, fere a mim, mesmo que não fira, pise ou mate minha alma. Assim também Cristo é Deus e homem ao mesmo tempo, e quem trucidar o filho de Maria, trucida o Filho de Deus; quem desprezar, blasfemar, desonrar, crucificar o filho de Maria, despreza, blasfema, desonra e crucifica o Filho de Deus e o próprio Deus.

A segunda parte desta pregação pretende levar-nos a considerar a narração quanto ao seu poder, seu fruto e seu proveito. Estas coisas vocês escutam o ano inteiro - como o nosso Senhor Jesus Cristo, através da sua vitória alcançada em si mesmo, derrotou e venceu pecado, morte e diabo: ao diabo trucidou em seu próprio corpo; afogou a morte em seu próprio sangue; apagou-o em seu sofrimento e em sua paixão. Efetuou isso tudo por si só e em si só, mas não o guardou para si só e para si mesmo. Pois, sendo Deus verdadeiro e eterno e Senhor de todas as coisas, não tinha necessidade de tal vitória, para si mesmo, e muito menos necessidade de tornar-se homem, ou de sofrer sob Pôncio Pilatos. Mas o fato de tal pessoa excelsa ter realizado tais coisas, isto toca a mim, a você e a todos nós.

E esse é o poder e o fruto da paixão e da ressurreição de Cristo. De acordo com a história devemos saber e crer que Cristo é excelso e excelente, verdadeiro Deus e homem; que sua paixão e morte são magníficas e sublimes, que sua ressurreição da morte é gloriosa e vitoriosa. Mas quanto ao poder e ao fruto deveremos saber e crer que sua vitória e seu triunfo são distribuídos e doados a todos que nele creem. Assim não cremos somente que Cristo, em pessoa, tenha morrido e ressurgido dos mortos. Igualmente cremos que precisamos apoderar-nos deste mesmo sofrimento e desta mesma ressurreição, como sendo tesouro dado e doado a nós, e encontrar verdadeiro consolo através dele, como cantamos no hino de Páscoa: Por isso vamos jubilar, Cristo quer-nos consolar. Aquilo vale para nós, é a nós que Cristo pretende consolar com sua ressurreição.

Este é um bom cântico, são palavras muito confortadoras, sim, elas são puramente espirituais. Pois ensinam que a vitória e a gloriosa ressurreição desta pessoa majestosa e excelsa tenham sido doadas e presenteadas a todos os crentes. A ressurreição de Cristo, que é maior do que o céu e a terra, e na qual o pecado e a morte de todo o mundo foram devorados - essa ressurreição eu deverei possuir para vencer a minha morte, você e cada qual de nós, para vencer a sua. A minha santidade não o deverá fazer, de fato, ela é incapaz de efetuá-lo, assim como é incapaz de me livrar de qualquer peso do pecado e mesmo da morte. Mas o que é eficaz é que esta pessoa, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, em si e por si obteve eterna e gloriosa vitória contra pecado, morte e diabo. E essa vitória deverá ser minha, uma vez que eu creia nele, aceitando ser ele a pessoa que em beneficio meu e a bem de todos os crentes efetuou tais coisas.

Quem não quiser crer aquilo, que o deixe. Nós pregamos aos que gostam de ouvi-lo e que o necessitam. São os que se encontram em angústias, em pavor e medo, os que dizem: Chegou a minha hora, preciso morrer. Da mesma forma: Pequei, não tenho descanso nem paz. Pois quando o diabo ataca uma pessoa, faz com que céu e terra a apertem. Tal coisa ele faz através do pecado. Da mesma forma vai agindo através da morte. A esta ele consegue exagerar de forma tão horrível, hedionda e abominável que nos vamos esquecendo totalmente de Deus e de sua palavra. O diabo é artista de mil artimanhas, é mestre do pecado e da morte. Por isso é capaz de enfeitar o pecado e a morte de maneira tão magistral.

É proveitoso e é necessário que nos armemos contra tal inimigo, que nos preparemos para o enfrentar, com a reta compreensão do poder e do fruto da ressurreição de Cristo, assim que não pensemos que Cristo tenha ressurgido dos mortos e subido ao céu por sua própria causa, que para si mesmo viva em toda a bem-aventurança, mas antes que ele reparta sua herança e seus bens conosco. Pois ele não veio ao mundo por amor de si mesmo, não se fez pregar na cruz em seu próprio benefício. Não teve necessidade de fazer tal coisa em seu próprio proveito, mas carregou o nosso pecado, devorou a nossa morte através da sua morte, e o inferno que nos era destinado, ele o destruiu, como vem escrito no profeta Oséias 13.14: Eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, á inferno, a tua destruição? Ele fala da nossa morte, fala do inferno que nos aprisionava, dizendo que quer dar cabo do pecado que jaz sobre mim e que me acusa; diz que quer destruir o inferno, o qual me quer engolir e devorar.

Assim queremos colocar a paixão, a morte e a ressurreição daquele homem chamado Jesus Cristo, que é onipotente e eterno Deus e homem inocente e justo - contra nosso pecado e contra nossa morte. Se o diabo vier dizendo: Veja aí, como é grande o seu pecado, veja como é amarga e horrível a morte que você terá de sofrer. Aí você pode responder. Meu caro diabo, não saberá você, de outro lado, como é grande a paixão, a morte e a ressurreição de meu Senhor Jesus Cristo? Pois nele se encontra eterna justiça e eterna vida, nele se dá a toda-poderosa ressurreição dos mortos, que não só é maior do que o meu pecado, a morte e o inferno, mas que também é maior do que céu e terra. O meu pecado e a minha morte não passam de pequena centelha, enquanto que a morte e a ressurreição de Cristo, meu Senhor, é o imenso mar.

É isso é tão verdadeiro que o diabo não o consegue negar. A ressurreição e a vitória de Cristo contra pecado, morte e inferno são maiores do que céu e terra. Você não conseguirá engrandecer sua ressurreição e sua vitória o suficiente; ela ainda é muito maior. Pois por sua pessoa ser grande, eterna, infinita e inescrutável, também sua vitória e seu triunfo são grandes, eternos, infinitos e inescrutáveis. Mesmo que existissem mil infernos e cem mil mortes, eles não passariam de simples centelhinha e de mera gotinha frente à ressurreição, à vitória e ao triunfo de Cristo. Cristo, contudo, presenteia sua ressurreição, sua vitória e seu triunfo a todos que nele creem. Portanto, sendo nós batizados em seu nome e crendo nele, tira-se a conclusão que, mesmo que eu e você estivéssemos envolvidos por cem mil pecados, mortes e infernos, não obstante, isso nada significaria. Pois a ressurreição, a vitória e o triunfo de Cristo, que me foram dados no Batismo e na palavra através da fé e que agora são meus, ainda são muito maiores. Se aquilo for verdade, como realmente é, então que pecado, morte, diabo, inferno, mundo, papa, imperador e todo mal resmunguem: que mal nos poderão fazer?

Essa é a segunda parte daquela mensagem: que não devemos olhar somente a história que se deu através da pessoa de Cristo e que é grande e gloriosa, mas que saibamos e creiamos que tudo aquilo aconteceu em nosso benefício, que nos vai sendo apresentado através da palavra e nos vai sendo dado através da fé, como Paulo diz em 1.Coríntios 15.57: ¨Graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo¨.

Mas quantas pessoas haverá hoje que de coração se alegram por esta vitória? Não é mentira o que Cristo realizou através de sua ressurreição; é a pura verdade, fundamentada na Sagrada Escritura, anunciada pelos profetas e testemunhada pelos apóstolos; mas nós fazemos ouvido surdo e temos corações pesados e lerdos para o compreender. Se verdadeiramente o entendêssemos, ficaríamos contentes de todo o coração, e andaríamos saltando de alegria. Mas já que procuramos nossa alegria em outra parte, em dinheiro, bens, luxo e lascívia, agimos como os descrentes.

Se um único pecado desperta e os ataca, a seus olhos, o pecado é maior do que vinte Cristos. Também nós somos tolos e infames ao permitir que nossa triste descrença desfaça este tesouro sem par. A mensagem vai sendo cantada e pregada, mas não a queremos escutar.

Vejamos o que fazemos. Que despreze aquele tesouro quem quiser. Não haverá vergonha maior do que a daquele que o desprezar. Cristo, apesar de tudo, encontrará pessoas que se alegrarão pelo que fez, que se admirarão e que lhe agradecerão por ter realizado tão grande obra através de sua ressurreição dos mortos. Já agora devemos estar certos de que pela ressurreição e pela vitória de Cristo nos foi dada tal segurança, que nem pecado nem morte nos poderão amedrontar. Se pecado e morte nos atemorizam, então ou nos acontece algo indevido, já que Cristo nos libertou - ou nós não temos fé. Pois Cristo, ressurreto de todo sofrimento, quer ser nosso consolo e é maior do que nosso pecado e nossa morte, maior do que céu e terra.

Mas o que faz nossa carne mimada? Este tesouro não consiste de moedas de ouro ou prata visíveis, que poderemos tatear e manusear, mas que vai sendo pregado e colocado em nossa frente através da palavra, e por isso o desprezamos. Mas eu chamo à atenção a todos para que aprendam bem este artigo e que se compenetrem dele. Quem não estiver bem fundamentado e treinado neste artigo, será atacado pelo diabo, ele perceberá que tipo de mestre o diabo representa. Nosso amado Senhor Jesus Cristo, que quer ser nosso consolo, nos conceda sua graça e seu Espírito, para que o possamos aprender e guardar como convém.

Amém.


10 Sermões sobre o Credo - Martim Lutero

Prefácio de Lindolfo Weingärtner

O Primeiro Artigo do Credo Apostólico

Mateus 6.24-30

O Segundo Artigo do Credo Apostólico

Lucas 2.1-14
Lucas 22.7-20
João 19.13-30
Marcos 16.1-8
Lucas 24.13-35
Marcos 16.14-20
Mateus 25.1-13

O Terceiro Artigo do Credo Apostólico

Atos 2.1-13
João 10.12-16
  


Autor(a): Martim Lutero
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: 10 Sermões sobre o Credo / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 28382
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Devemos orar com tanto vigor como se tudo dependesse de Deus e trabalhar com tanta dedicação como se tudo dependesse de nosso esforço.
Martim Lutero
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