Marcos 6.6b-13

Auxílio homilético

17/07/1994

Prédica: Marcos 6.6b-13
Leituras: Amós 7.10-15 (16-17) e Efésios 1.3-14
Autor: Marcos Bechert
Data Litúrgica: 8º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/07/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX
Tema: Pentecostes

1. Contextualizando

A perícope anterior ao nosso texto (Mc 6.1-6a) localiza Jesus de volta a Nazaré, onde prega e consegue curar apenas alguns doentes, devido à incredulidade daquela gente. A perícope posterior (Mc 6.14-29) vai fazer uma história retroativa, lembrando o martírio de João Batista. Nos w. 30 ss.,vamos ter depois o retorno dos discípulos para junto de Jesus, após o envio, que é o tema ora em questão.

Jesus mesmo é o modelo das atividades que os discípulos realizam. Aliás, pode-se dizer que essa perícope contém praticamente um resumo da teologia do evangelista Marcos, pois os doze recebem o poder de Jesus sobre os maus espíritos (v. 7c; cf. 1.27; 3.15). Jesus não foi bem recebido em Nazaré (6.1-6). O mesmo pode acontecer aos apóstolos (v. 11). Os apóstolos pregam a conversão (v. 12), como Jesus (1.14-15). Expulsam como Ele (cf. 3.22) os demônios (6.13a) e curam como Ele (cf. 6.5b) os doentes (6.13b) (REB, p. 340).

2. Aprofundando o texto

Neste ponto darei destaque a alguns pontos que acho importantes. É evidente que o assunto principal é o envio dos discípulos por parte de Jesus. Veremos como acontece esse envio.

2.1. Ao serem enviados por Jesus, os discípulos nada devem levar consigo. Devem ir em apostólica pobreza: nem pão, nem alforje, nem dinheiro (v. 8); apenas um bordão, para apoio. Nada que possa lhes servir de garantia para a sobrevivência, nenhum suplemento material que lhes garanta abrigo ou que lhes sirva de garantia de alimento.

Hoje, quando pensamos numa ação missionária para fora dos muros da comunidade, a primeira pergunta que se faz é pelo suporte financeiro, de onde sairá o dinheiro, quem vai custear um eventual déficit, como adquirir terreno, construir, etc. Perdemo-nos nisso, e a ação fica esperando chegar sua vez. Enquanto isso, as pessoas vão padecendo. Acho que consigo entender por que Jesus envia seus discípulos de mãos abanando: o que poderia sugerir preocupação nada mais é do que liberdade.

A preocupação de cada membro sentado num banco de igreja em um culto não difere muito da preocupação da comunidade. Mais do que preocupado com o que ele Aíai comer amanhã, mais do que preocupado com uma ação missionária de envio de dois a dois, o nosso ouvinte está muito mais preocupado em não perder o que ele tem.

Não devemos desconsiderar, no entanto, as pessoas em necessidade que estão conosco. Existe uma grande diferença entre as mãos vazias de quase metade da população brasileira com o envio desprovido de bens materiais dos discípulos de Jesus. Essa diferença está na origem: os discípulos fazem-no por ordem de Jesus, enquanto que os desempregados brasileiros fazem-no pela ordem econômica do sistema.

A passagem bíblica de Lc 12.27 ecoa muito forte: Olhai os lírios do campo: não fiam nem tecem, mas se vestem majestosamente. É necessário que o zelo pelo material não gaste todo o nosso tempo e nem todas as nossas forças: é preciso lembrar que Deus proverá. É preciso não se deixar escravizar e deixar espaço para a ação gratuita da solidariedade e do repartir. E se as pessoas enclausuradas entre muros e grades em suas próprias casas não sabem mais fazê-lo, aprendamo-lo com os empobrecidos!

2.2. ... passou a enviá-los dois a dois... diz o v. 7. Aqui está o princípio da própria comunidade: se dois estão reunidos e saem missionariamente em nome de Cristo, o terceiro e o quarto não vão demorar a se juntar a eles. Isso acontecerá bem mais facilmente do que o segundo se juntar ao primeiro. Duas pessoas podem apoiar-se mutuamente, duas pessoas partilham suas dúvidas, alegrias, preocupações, duas pessoas dão testemunho muito mais forte. Acentue-se também que Jesus age aqui estrategicamente: além de descentralizar, confia tarefas a seus discípulos, que vão ao encontro das pessoas em suas necessidades.

Jesus não age sozinho no projeto de lançar as bases do Reino de seu Pai, inicialmente nos vilarejos da Galiléia. Ele precisa de colaboradores, de pessoas dispostas e disponíveis, corajosas e confiantes, livres e esperançosas. Por isso chama e envia os doze discípulos e lhes atribui poder e autoridade sobre os espíritos imundos que querem aniquilar a existência humana em sua dignidade, poder de curar doentes e de pregar arrependimento.

Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também Ele envia os discípulos. Envia-os dois a dois, para irem ao encontro do povo, para ficarem com ele e na convivência com ele inaugurarem um novo tempo que é chegado. É tempo do Reino de Deus. E os discípulos chegam junto e curam, expulsam demônios, pregam nova vida (v. 13).

Quantas vezes ouço reclamações de que as pessoas não vêm às atividades da comunidade. Se a gente se der conta de que o pessoal está mergulhado em necessidades e problemas e se a gente se der conta de que Jesus não ficou esperando as pessoas chegarem até Ele, quem sabe também nos poderemos animar a sair, ter contato, ajudar, orar, pregar vida nova, novo ânimo e perspectiva e até curar.

Certamente sairíamos do marasmo e da dor de cotovelo com que, muitas vezes, temos que conviver. Estou dizendo isso para mim mesmo. E enquanto estruturalmente não conseguimos fazê-lo como Igreja, resta animar iniciativas pessoais. Mas fiquemos atentos: o Espírito Santo continua soprando onde quer e certamente nos abrirá brechas e possibilidades. E então é importante não desperdiçá-las.

2.3. Os discípulos recebem uma tarefa interessante: que não saiam logo correndo do lugar onde foram recebidos. As tarefas iniciadas têm que ser bem acabadas.

Nas correrias de hoje em dia, a gente tende a fazer de tudo um pouco. Com isso não passamos da pastoral de atendimento para núcleos ativos dentro da comunidade. Quando os discípulos não forem bem recebidos, porque a verdade causa conflito (veja texto de leitura de Amos), então, ao saírem, sacudi o pó dos vossos pés, em testemunho contra eles ou em protesto contra eles, como diz a Bíblia na Linguagem de Hoje (v. 11). Isso tem consequências escatológicas para o evangelista Marcos: os incrédulos são entregues à própria sorte. Não ouvindo a pregação apostólica nem dando lugar para o seu testemunho, eles podem ter perdido a chame do participar do Reino. O gesto de bater o pó das sandálias nos chama a atenção paia a seriedade da recusa: nenhum sinal de esperança permanece ali; e os discípulos não carregarão consigo a apatia com que ali se defrontaram. Até o pó fica ali mesmo

2.4. Os discípulos atuam porque Jesus deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos (v. 7b). Essa dádiva de poder antecede cada tarefa a ser realizada: o poder do discernimento do espírito da destruição e forca para quebrar o laço que o prende ao ser humano. Eles expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos, libertando as pessoas das forças opressivas.

Nós temos sido cautelosos demais com o poder que Deus nos tem chulo. Ficamos recolhidos e, às vezes, até satisfeitos em nosso cantinho. Há um projeto mundial econômico e político que vem passando pela gente como um rolo compressor. Mas temos dificuldades de reconhecer o nosso inimigo. Apegamo-nos a algumas discussões de cunho moralista e nos esforçamos para manter a estrutura da comunidade. Enquanto isso, a miséria, a violência, a distância entre o rico e o pobre são cada vez maiores. Palavras bonitas e piedosas até ajudam a animar as pessoas em suas ansiedades e problemas individuais (e também é necessário dizê-las), mas infelizmente elas não têm poder de mudar nada.

Não podemos ficar assistindo de camarote ao naufrágio social, consequência da presença sempre mais forte do poder da morte. Como Igreja de Jesus Cristo, podemos buscar a força do poder e da autoridade no Senhor da Igreja para discernir o lutar contra os maus espíritos, para auxiliar e apoiar doentes e ajudar na sua cura. Em Cristo podemos buscar o exemplo da prática, num constante ir ao lugar onde o povo está.

3. Meditando

3.1. Na busca da concreticidade

Jesus e os discípulos atuam como agentes principais neste texto. A sua atuação se dá junto aos possuídos pelos espíritos demoníacos e aos doentes. Mas lodo o universo das pessoas é atingido pela pregação dos discípulos.

Vemos uma composição social problemática. Não encontramos no relato as dificuldades dos doentes. Não é necessário, visto que os ouvintes do evangelista conhecem as suas dificuldades.

Jesus toma com seus discípulos a iniciativa de intervir nessa composição social, curando doentes e expulsando demônios. É evidente que os curados se incorporam à normalidade da vida social, tornando-se eles próprios também ativos. O processo da cura transforma aquelas pessoas que são passivas e marginalizadas em pessoas ativas, restaurando a sua potencialidade de um ser criado à imagem e semelhança de Deus. A restauração completa de uma nova vida viria a ser concretizada ainda um pouco mais tarde com a cruz e a ressurreição de Jesus.

Os discípulos dão testemunho autêntico e coerente, anunciando e vivendo o evangelho. O testemunho é encarnado e solidário, recuperando a dignidade do ser humano, expulsando os demônios do egoísmo, da idolatria do poder, do lucro, da exploração, da violência, da injustiça. O testemunho é um resgate da vida e do Reino, cujas sementes Jesus vem lançar.

O alforje, a túnica, o dinheiro, o pão, as sandálias nos dão indicações materiais da vida social da época. Os discípulos devem dispensar tudo, a não ser o que estiverem vestindo. Isso pode ser interpretado franciscanamente, que focaliza a pobreza evangélica que, livre de preocupações terrestres, se dedica integralmente à causa do Evangelho, confiando na providência de Deus e na bondade dos homens (p. 340 da REB). Pode também ser interpretado escatologicamente, deduzindo das palavras de Jesus grande urgência em pregar a conversão do Reino de Deus, que está chegando.

3.2. Pensando na prédica

Penso que a pregação pode se traduzir num misto de confortar, desafiar e enviar a comunidade.

3.2.1. Confortar: Partindo da pergunta Para que Cristo veio ao mundo?, vejo que temos uma grande novidade, que é anunciada pelos anjos aos pastores nos campos. Cristo vem para realizar o projeto de Deus em relação ao ser humano, que é a liberdade, a dignidade e a salvação. Deus quer que o ser humano seja feliz. Por isso envia o seu Filho.

Jesus vive em plenitude o projeto do Pai, pois foi enviado para manifestar a Mia vontade, qual seja: a vida, a bondade, a glória e revelando a face do Pai, dando vista aos cegos, ouvido aos surdos, movimento aos paralíticos, esperança aos desesperados, pão aos famintos, vida aos mortos... (Lc 4.43). Realiza, assim, uma nova ordem: justiça, solidariedade, amor, fraternidade, paz, liberdade, realizando o sentido pleno da vida. Ele anuncia e instala a novidade do Reino.

Saber hoje que podemos participar desse projeto de Deus, saber que o Filho doou a sua vida para que nós realmente tivéssemos acesso a Ele, saber que podemos ter esperança, isto é um conforto para a nossa vida.

3.2.2. Mas é também um desafio: Para que serve a Igreja? Saber-se parte do grande projeto de Deus é reconfortante. Mas, e daí? Que consequências isso tem?

Os nossos cultos são cada vez mais individualizantes. Não porque a gente o queira, mas porque eles não deixam de ser reflexo da sociedade. Tenho motivado uniu saudação comunitária entre os membros com um aperto de mão e o desejo mútuo de boas-vindas, mas sei que isso causa desconforto para alguns. Como o culto ainda é o maior momento de encontro da comunidade, devemos aproveitar esse espaço para lançar o desafio para as consequências práticas de nossa inserção no projeto de Deus.

3.2.3. O envio: tal como Jesus enviou seus discípulos dois a dois, dando-lhes autoridade e poder, nós continuamos sendo enviados ao mundo. Afinal, qual é o papel do cristão em nosso tempo? Quero concretizar a resposta numa sugestão fácil de ser efetivada e que pode fazer com que cada participante do culto saia da celebração com uma tarefa, tal como o envio dos discípulos. Todos poderemos fazer isso com alegria (incluo-me nesse envio), porque, afinal de contas, Deus está confiando em mim, Ele está apostando na sua comunidade.

Certamente cada participante do culto conhece uma pessoa que está doente, e todos vão sair do culto levando consigo uma flor (simples, pequena, providenciada anteriormente e deixada em vasos sobre o altar). Enquanto cantamos o hino 191 do HPD, todos poderão vir à frente buscar uma flor, que é um pequeno símbolo. De preferência, vamos formar sempre um par (dois a dois). Essa flor deverá ser entregue a um doente que nós conhecemos, numa visita que faremos logo após o culto. Todos estão sendo enviados para entregar a flor à pessoa doente, e cada um vai dizer a ela que nos lembramos dele(a) no culto, que oramos por ele(a), que ouvimos que Jesus enviou seus discípulos para curar os doentes e que este também é o nosso desejo: que pelo poder de Jesus ele(a) seja curado(a). (É bom repetir essa explicação depois que ¬cada um pegou a sua flor.) A bênção final deveria fazer referência a esse envio, a essa visita a que cada um foi desafiado.

4. Auxílios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, chegamos a ti com nossos corações ainda endurecidos. Como é difícil reconhecer os nossos erros. Mais difícil ainda é atender ao teu chamado. Sempre nos esquivamos, estamos com muitas tarefas a fazer, falta-nos administrar melhor o nosso tempo. Achamos que o arrepender-se é para os outros. Perdoa-nos em nossa fraqueza. Tem piedade de nós, Senhor.

2. Oração de coleta: Senhor, agradecemos-te por esta oportunidade de podermos celebrar e cantar a nossa fé, a nossa vida, a nossa comunidade. Agradecemos-te porque nos chamaste e nos remiste no batismo. Queremos suplicar-te que o teu Santo Espírito tome morada no meio de nós. A tua comunidade reunida carece do (eu apoio, do teu afago. Seja nosso convidado no meio de nosso louvor e na meditação e testemunho de tua Palavra. Vem a nós, Senhor, e acompanha-nos. Amém.

3. Oração de intercessão: Deve ser um momento forte de pedido pelas pessoas doentes e pela motivação para a visita a esses doentes no envio da comunidade.

5. Bibliografia

STÄHLIN, Wilhelm. Das Angebot der Freiheit. REB — 1979, Fase. 153, Ed. Vozes, pp. 340-343.


 


Autor(a): Marcos Bechert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 8º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 6 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13054
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