Marcos 7.1-8, 14-15,21-23

Auxilio Homilético

04/09/1994

Prédica: Marcos 7.1-8, 14-15,21-23
Leituras: Deuteronômio 4.1-2,6-8 e Efésios 6.1-20
Autor: João Artur Müller da Silva
Data Litúrgica: 15º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 04/09/1994
Proclamar Libertação - Volume: XIX


1. Texto

A perícope indicada para pregação no 15° Domingo após Pentecostes está inserida num episódio que envolve fariseus/escribas e Jesus. O palco da ação é a região de Genezaré, uma planície localizada à margem ocidental do Lago Tiberíades. Portanto, Jesus e seus discípulos encontram-se distantes de Jerusalém. Mesmo assim, a oposição oficial envia seus representantes para provocarem e intimidarem Jesus e seus seguidores. Fariseus e escribas representam a religião oficial, são defensores das leis e dos códigos religiosos e pretendem confundir e armar ciladas para Jesus. A pregação e atuação de Jesus representam uma séria ameaça à religião oficial. Por essa razão, faz sentido perceber que a perícope em questão está localizada logo após um breve resumo da pregação e atuação de Jesus naquela região (6.53-56).

No entanto, a nossa perícope é um agrupamento de textos que compõem um trecho maior. Essa composição forma uma unidade textual, mas ignora alguns aspectos interessantes do todo. Mesmo assim, pretendo considerar a perícope na proposição dada pelo Lecionário Ecumênico.

2. Comentários

Os protagonistas do episódio são: fariseus e escribas, Jesus e seus discípulos e a multidão que os acompanhava. Os interesses dos fariseus e escribas em acompanhar Jesus são opostos aos interesses dos discípulos e da multidão. Enquanto esses estão atentos às palavras, aos ensinamentos e milagres que marcam o ministério de Jesus, os fariseus e escribas têm olhos apenas para julgar se as multidões dos discípulos de Jesus estão dentro da tradição, dos códigos e normas estabelecidas pela religião oficial. Os fariseus e escribas são defensores dos códigos de pureza. Estão preocupados com a identidade étnica e nacional do povo e, por essa razão, observam o comportamento dos discípulos. Valendo-se de sua autoridade, aproximam-se de Jesus para exigir satisfação e respeito aos códigos de pureza. Dessa forma se estabelece o conflito. O evangelista Marcos identifica três aspectos da purificação ritual, que antecede as refeições. São elas:

a) a ablução das mãos;

b) a purificação dos alimentos comprados na praça;

c) a limpeza dos utensílios.

É bem provável que essa rigidez ritual só era praticada por sacerdotes ou grupos mais radicais do judaísmo. Mas, para os fariseus/escribas, aqui se apresentava um argumento de peso para elaborar sua crítica a Jesus e seus discípulos. Pois Jesus, como rabi, como mestre, precisa ater-se às normas da tradição oral. Atrelada à esta tradição está a questão da pureza e impureza, que devia ser considerada por Jesus. No entanto, Jesus não entra no debate conceituai sobre o que é puro ou impuro, mas lança mão de uma outra antítese, qual seja, interno e externo. Percebe-se igualmente que Jesus não respeitava incondicionalmente os costumes religiosos do seu tempo. Ele busca sua argumentação na palavra, nos mandamentos de Deus, que são anteriores aos códigos de pureza ritual. Dessa maneira aparece a crítica contra a tradição oral, que estava sendo colocada no mesmo patamar de autoridade que os mandamentos de Deus. A religião oficial praticamente canonizou a tradição oral, que era composta de sentenças, disposições, crenças particulares, códigos. A tradição oral gozava da mesma autoridade que a palavra de Deus e implicava idêntica obrigatoriedade. Se no passado fora importante para o povo de Israel cultivar certas tradições para preservar sua identidade, agora os tempos eram outros. Estava sendo inaugurado um novo tempo para a convivência entre os povos. As pessoas que ouviam Jesus agradavam-se de seu ensinamento, pois nele encontravam liberdade para conviver com outras pessoas.

A crítica de Jesus aos fariseus e escribas também se configura na expressão hipócritas. Ou seja, Jesus considera seus interlocutores como atores que usam máscaras. A máscara não só esconde o rosto de quem a usa, mas também não lhe proporciona uma boa visão da realidade. Jesus entende que os fariseus/escribas tomaram sobre si a tradição oral e não têm mais olhos para detectar quais as atitudes das pessoas que agradam ou não a Deus; quais as atitudes que revelam obediência e fidelidade aos ensinamentos de Deus. Eles são incapazes de crer, incapazes de reinterpretar para o seu tempo o que, por exemplo, foi dito pelo profeta Isaías (v. 6 e v. 7).

A lista de vícios (v. 21 — v. 23) apresentada por Jesus tem a ver com o coração das pessoas. Sabemos da antropologia judaica que o coração é o centro de onde provêm todas as coisas boas ou ruins. Com essa lista de vícios Jesus anula a supervalorização dos códigos de pureza, pois o que importa mesmo são as atitudes, os gestos; em última análise, Jesus enfatiza a ética baseada no amor e nos ensinamentos de Deus. Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo — diz o Senhor em Jeremias 31.33. Guardo no coração as tuas palavras para não pecar contra ti — canta o salmista no Salmo 119.11.

Jesus abre o espaço da vivência da fé com a sua lista de vícios. Fariseus /escribas representam a religião oficial, impregnada de rituais e simbologias, mas fechada para o verdadeiro serviço a Deus: amar o próximo e ajudá-lo em suas necessidades. Assim sendo, a lista de vícios que Jesus apresenta assume dimensão política e resgata a memória dos Dez Mandamentos, recordando dessa forma as implicações para a vida da vontade de Deus.

São 12 as atitudes que Jesus relaciona em sua lista. São 12 os pecados que provêm do interior/coração e que revelam seu grau de contaminação. Dessas 12 atitudes, nove têm relação com o próximo: prostituição, adultério, malícias, furtos, lascívia, avareza, homicídios, dolo e inveja. E somente três têm relação com Deus e lambem com o próximo: blasfémia, soberba e loucura (insensatez).

Em contraposição a essa lista, podemos relacionar os frutos do Espírito e de uma vida baseada no Evangelho: amor, paciência, confiança, alegria, amabilidade, mansidão, paz, bondade, adoração, humildade e fé.

A verdadeira religião, portanto, não se orienta por rituais de pureza, mas se mostra na prática e vivência dos ensinamentos de Deus. A verdadeira religião não oprime as pessoas com regras e com rituais, mas as torna livres e responsáveis perante Deus e o próximo. A verdadeira religião sai do âmbito meramente cultual e se evidencia no âmbito da vida, do cotidiano, dos lugares onde pessoas trabalham e vivem.

A resposta de Jesus traz consigo uma nova prática religiosa e recoloca a pessoa na relação com Deus e com o próximo. Mais tarde, o apóstolo Pedro reafirmará essa prática com a sentença: Antes importa obedecer a Deus do que aos homens (At 5.29)

3. Preparação para a prédica

A reflexão em torno da perícope Mc 7.1-8,14-15,21-23 poderá ser enriquecida com os subsídios que se encontram nos demais textos indicados para este domingo: Dt 4.1-2,6-8 e Ef 6.10-20.

Essa perícope poderá ajudar a comunidade na discussão e reflexão em torno da ética, dos valores, em torno da atuação dos cristãos na sociedade. No entanto, ela não se poderá tornar uma alocução de juízos e condenações, pois, se assim acontecer, ela será idêntica à fala dos fariseus/escribas.

Caberá ao pregador buscar junto à sua realidade situações e/ou exemplos que possam ajudá-lo na interpretação da perícope para a comunidade. Identificar códigos de pureza na comunidade é também desafio e tarefa para o pregador. Portanto, essa perícope poderá causar alguns incômodos nos ouvintes tradicionais do culto.

Acredito que o pregador não deve se estender muito na explicação das leis e códigos do AT. Pois, nesse caminho, ele poderá se perder e ficar com apenas alguns poucos minutos para a atualização da perícope.

O roteiro para a prédica deverá ser escolhido pelo próprio pregador. Aqui foram expostos apenas alguns estímulos para a reflexão final sobre Mc 7.1-8,14-15,21-23.

4. Subsídios litúrgicos

1. Oração de coleta: Senhor, nosso Deus, nós te pedimos: Abre os nossos ouvidos para que possamos ouvir o que tu tens a nos dizer. Orienta nossa vida com a tua palavra e ensina-nos a tua vontade. Atende-nos através de Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo conduz a humanidade. Senhor, nosso Deus, fica conosco hoje e sempre. Amém.

2. Confissão de pecados: Querido Deus, cá estamos como tua comunidade e nesta hora resta-nos confessar que sentimo-nos culpados por muita coisa ruim que acontece por aí. Nós, muitas vezes, silenciamos quando deveríamos dizer uma palavra; deixamos de ajudar quando era hora de estender as mãos; escondemo-nos atrás de regrinhas e convenções quando era tempo de agir e atuar em favor dos necessitados; acomodamo-nos quando era momento de protestar em favor da vida, da dignidade, da justiça. Perdoa-nos, Senhor, e renova-nos para uma vida com coragem e amor para servir a ti e ao nosso próximo. Tem piedade de nós, Senhor.

3. Hinos: HPD 113, 150, 182.

4. Oração final: Neste momento, o pregador poderá abrir um breve espaço para pessoas na comunidade expressarem motivos de gratidão a Deus e motivos de intercessão. Ao pregador caberá acolher essas preces e incluí-las na oração final previamente elaborada.

5. Bibliografia

MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. Edições Paulinas, São Paulo, 1992.
O Evangelho Hoje — Volume II — O Evangelho Querigmático — Segundo Marcos. Editora Vozes, Petrópolis — RJ, 1977.
GROB, Rudolf. Einführung in das Markus—Evangelium. Zwingli Verlag, Zürich/Stuttgart, 1965.
RIENECKER, Fritz. Das Evangelium des Markus. Verlag R. Brockhaus, Wuppertal, 1967.


Autor(a): João Arthur Müller da Silva
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 7 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1993 / Volume: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 16181
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