Marcos 8.31-38

Auxílio Homilético

25/02/2018

 

Prédica: Marcos 8.31-38
Leituras: Gênesis 17.1-7, 15-16 e Romanos 4.13-25
Autoria: Joel Haroldo Baade
Data Litúrgica: 2º. Domingo na Quaresma
Data da Pregação:  25/02/2018
Proclamar Libertação - Volume: XLII

O que vale ganhar o mundo e perder a alma?

1. Introdução

Os três textos de leitura abordam o tema do discipulado. O texto da prédica, Marcos 8.31-38, retrata a primeira situação em que Jesus anuncia a sua paixão, morte e ressurreição, sendo repreendido por Pedro. A isso Jesus reage de forma enérgica, repreendendo Pedro e dirigindo-se a todas as pessoas que estão em sua presença. O seguimento de Cristo é apresentado não como futilidade, mas como questão de vida ou morte, como algo que diz respeito à existência autêntica e verdadeira segundo os preceitos de Deus. Não há espaços para meio-termo ou indefinição.

Em Gênesis 17.1-7,15-16 retrata-se a promessa de Deus a Abraão e Sara de tornarem-se pai e mãe, respectivamente, de muitas nações. Andar ao lado de Deus e confiar em sua promessa é garantia de usufruir de tudo o que Deus concede. Mesmo contra todas as probabilidades, Deus é fiel e garante o cumprimento de tudo o que promete. Estar ao lado de Deus é mudança de vida, expressa no texto com as mudanças de nome de Abraão e Sara.

No texto de Romanos 4.13-25, por sua vez, Paulo ressalta a importância da fé e da confiança nas promessas de Deus, fazendo referência ao texto de Gênesis e à promessa de Deus a Abraão e Sara. Salvação não está em leis ou obras, mas unicamente na confiança nas promessas de Deus. Seguimento a Cristo é confiança e fé, é entregar-se à vontade de Deus em Cristo.

Em se tratando do 2º Domingo na Quaresma, a temática proposta pelas três leituras é extremamente propícia para se refletir sobre o servir a Cristo em um mundo marcado pelo individualismo e produtivismo, em que pessoas a todo tempo procuram satisfação e reconhecimento a partir de suas próprias obras. Quaresma é tempo de reflexão e avaliação sobre o que alcançamos com isso: ganhamos ou perdemos nossas vidas?

2. Exegese

A análise exegética baseia-se na comparação de quarto versões: Almeida Revista e Atualizada (ARA), Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), Pastoral e Jerusalém. Foi também consultado o texto grego para avaliação das traduções.

v. 31: As quatro versões não apresentam diferenças expressivas no versículo. ARA é mais próxima do texto grego. As três outras traduções apresentam a informação do sofrimento de Cristo na forma de fala do próprio Jesus, o que não corresponde ao original, mas também não altera o sentido. NTLH traduz “anciãos” por “líderes judeus”, “escribas” por “mestres da Lei”, enquanto a Pastoral emprega “doutores da Lei”.

v. 32: ARA e NTLH qualifi cam a exposição de Jesus com “claramente” e “com clareza”, respectivamente, enquanto Pastoral e Jerusalém preferem defini-la  como “abertamente”. O sentido do texto grego está mais próximo das Bíblias Pastoral e Jerusalém, ou seja, Jesus anuncia em público, abertamente, o seu sofrimento, sua morte e ressurreição. A tradução de NTLH e ARA pode dar a entender que apenas o discurso de Jesus era claro, mas não necessariamente público. Esse ponto é importante e o possível motivo da repreensão de Pedro. Falar tais coisas de modo tão público poderia render dificuldades a Jesus e também aos seus seguidores. A ação de Pedro é traduzida como reprovação (ARA), repreensão (Pastoral e NTLH) e recriminação  (Jerusalém). O chamar à parte dá a entender que tenha sido de modo a não contradizer o Cristo em público.

v. 33: Usa-se o mesmo verbo para expressar a ação de Jesus que no versículo anterior foi usado para expressar a ação de Pedro. A reação de Jesus foi de repreensão, dirigida não à multidão, mas diretamente aos discípulos, a quem “fita” (ARA) ou para quem se vira e vê (Jerusalém, Pastoral e NTLH). Pedro é chamado de “Satanás” nas quatro versões, de quem Jesus quer distância. “Satanás” prioriza as coisas do próprio “ser humano” (NTLH) e não as de Deus. NTLH é feliz por empregar o termo “ser humano” ao invés de “homem” (Pastoral, Jerusalém e ARA), mas peca por inverter a ordem na fala de Jesus.

v. 34: ARA, Pastoral e Jerusalém são fiéis ao texto original. NTLH interpreta mais ao traduzir “tomar a sua cruz” por “esteja pronto para morrer como eu vou morrer”. NTLH pode conduzir a mal-entendidos com essa interpretação, pois o que quer dizer, afinal, “tomar a sua cruz”? A partir do contexto maior do texto, é possível entender que “tomar a sua cruz” é estar disposto a viver o evangelho com todas as suas consequências, ainda que isso signifi que, muitas vezes, sofrer oposição, perseguição e até morte.

v. 35: A fala de Jesus neste versículo é um jogo de palavras sobre perder e ganhar a vida. ARA, Jerusalém e Pastoral mantêm-se fiéis ao texto grego nesse sentido, enquanto NTLH interpreta e contrapõe “próprios interesses” e “vida verdadeira”. A tradução de NTLH não está totalmente equivocada, mas perde força comunicativa. “Salvar a vida” é mais do que “interesses próprios”, trata-se de questão vital, essencial, de fundamento. Tomar a cruz e seguir a Cristo, ganhar e perder a vida são questões que dizem respeito ao cerne da existência cristã, assumir riscos e consequências, transcendendo em muito a preocupação apenas com um ou outro interesse. Conforme Wegner (1999, p. 140): “Nessas ocasiões, o seu testemunho, por ferir interesses poderosos, suscitará reações violentas que podem implicar assassinatos. Vidas assim perdidas representarão sempre vidas ganhas diante de Deus, vidas em que tenham prevalecido a fidelidade a Deus e o compromisso com a humanidade”.

v. 36: Jesus propõe mais uma oposição: ganhar o mundo e perder a “alma” (ARA), “vida” (Jerusalém e Pastoral) ou “vida verdadeira” (NTLH). ARA é mais literal em sua tradução do texto grego, no qual se emprega o termo usualmente traduzido por alma. Há que se cuidar aqui no sentido desse termo.  Deve-se a todo custo evitar o dualismo platônico de corpo e alma. “Alma” deve ser entendida e interpretada a partir do contexto judaico-cristão. Alma tem o sentido de vida em todo o Novo Testamento (Strathmann apud Dreher, 2011).

v. 37: Este versículo é uma pergunta feita por Jesus aos seus interlocutores. O que daria alguém pela sua “alma” (ARA) ou “vida” (Jerusalém e Pastoral)? NTLH interpreta e não preserva o formato de pergunta, afirmando que não há nada que se possa pagar para ter de volta a vida. A pergunta é recurso retórico e pode ser útil para a adequada compreensão do texto e também pode ser ferramenta interessante por ocasião da prédica. Quanto vale a sua vida? Quanto vale a sua alma? Pelo que temos perdido a nossa alma/vida?

v. 38: Após a pergunta do v. 37, Cristo apresenta a consequência dos que não o seguirem: quem não se lembrar do “Filho do Homem” também não será lembrado por ele. A diferença entre as versões está em NTLH, que traduz o qualificativo da geração a que Cristo se refere (adúltera e pecadora) por “época de incredulidade e maldade”. Novamente a tradução de NTLH parece reduzir a força comunicativa dos termos em sua tradução literal.

Com base na análise exegética, sugere-se a leitura do texto na versão de ARA.

3. Meditação

Em muitos adesivos de carros, encontramos a seguinte frase: “Eu sirvo a Jesus” ou, então, “Eu sigo a Jesus”. Será que todas as pessoas sabem o que significa seguir a Jesus? Nem mesmo os discípulos de Jesus haviam entendido o que significa seguir a Jesus.

Jesus começou a contar aos seus discípulos tudo o que iria passar. Falou que sofreria muito, seria rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas. Seria morto, mas depois de três dias seria ressuscitado. Ao ouvir essas palavras, Pedro não se conteve e, querendo que Jesus parasse de falar aquelas coisas, chama-o em particular e o repreende. Como Jesus poderia falar tais coisas? Ele não era o Cristo enviado por Deus para libertar o seu povo? Como seria possível passar por sofrimento, perseguição e morte? Pedro e também os outros discípulos queriam ver em Jesus vitória, poder e glória. Jesus, entretanto, abre os seus olhos para uma outra realidade.

Jesus havia pregado o evangelho e, com isso, denunciou atitudes e poderes que iam contra a vontade de Deus. Ao fazer isso ele assumiu todas as  consequências que a pregação do evangelho traria. Ele sabia que ao falar e viver o evangelho confrontaria uma série de opiniões e desagradaria muitas pessoas. Por isso a sua pregação o levaria ao sofrimento e à morte. Ser discípulo de Jesus significa “tomar essa cruz”, ou seja, assumir os riscos e as consequências do anúncio do evangelho.

Quantas pessoas dizem “estou carregando a minha cruz” ou “o peso da cruz nunca é maior do que podemos suportar”. Geralmente, essas frases são usadas para expressar conformismo com uma situação de sofrimento. Jesus também usou essa frase ao falar para os seus discípulos “tomem a sua cruz e sigam-me”. Entretanto, é importante não confundirmos o significado da frase usada por Jesus com o significado que é empregado a ela nos dias de hoje.  Ao exortar os seus discípulos para que “tomem a sua cruz”, Jesus não está sugerindo uma atitude de conformismo diante das situações difíceis, nem tão pouco incentivando uma vitimização de seus discípulos, mas está deixando claro que seguir os seus passos 
e os seus ensinamentos requer coragem para assumir todas as consequências.

Além disso, seguir a Jesus significa deixar de lado nossos desejos egoístas. Ainda que meu desejo seja, muitas vezes, de vingança, ódio e inveja, em Jesus devo negar esses sentimentos e fazer a vontade de Deus. Ao invés de buscar a vingança, oferecer o outro lado da face; ao invés de guardar mágoas, perdoar; ao invés de alimentar o ódio, amar os inimigos; ao invés de falar mal dos que falam a nosso respeito, bendizê-los; ao invés de odiar os que nos perseguem, orar por eles.

Vale a pena seguir Jesus? O próprio Jesus responde a essa pergunta: Que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, mas perder a vida verdadeira? Somente em Jesus temos a vida verdadeira. Ainda que o discipulado exija abnegação e compromisso árduo, somente a vida em Jesus tem propósito e sentido. A decisão de seguir a Cristo não pode estar baseada em sentimentos ou vontade momentânea, mas sim na fé. É ela que nos leva a assumir o evangelho e suas consequências, e nos mostra o horizonte da promessa de Deus.

4. Imagens para a prédica

A história de Dietrich Bonhoeffer pode ser usada como exemplo de discipulado que “carrega a cruz e nega a si mesmo”. Esse jovem teólogo cristão se opôs ativamente ao movimento nacional socialista na Alemanha, no tempo de Hitler. Foi enviado a um campo de concentração, onde sofreu as mais terríveis torturas. Contudo, com sua fé e esperança encorajou muitos prisioneiros.

Em seu livro “O Preço do Apostolado”, Bonhoeffer diz que muitos de nós não queremos pagar o preço total como servos de Cristo. Ele foi um exemplo vivo do sofrimento que um discípulo de Jesus está sujeito a sofrer. Bonhoeffer pagou o preço com sua própria vida, pois não deixara de pregar o evangelho, nem mesmo num campo de concentração.

5. Subsídios litúrgicos

Sugestões de hinos: HPD 2, 414 (Quem quer cantar do amor), 411 (Se eu tiver Jesus ao lado)

Bibliografia

DREHER, Scheila dos Santos. Marcos 8.31-38. In: HOEFELMANN, Verner (Coord.). Proclamar Libertação: Auxílios homiléticos. São Leopoldo: Sinodal; EST. 2011. v. 36, p. 121-127.
WEGNER, Uwe. Marcos 8.31-38. In: SILVA, João A. M. da; WITT, Osmar (Coord.). Proclamar Libertação: Auxílios homiléticos. São Leopoldo: Sinodal; EST. 1999. v. 25, p. 134-143.


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Autor(a): Joel Haroldo Baade
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 2º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 31 / Versículo Final: 38
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2017 / Volume: 42
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50136
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Cada qual deve se tornar para o outro como que um Cristo, para que sejamos Cristos um para o outro e o próprio Cristo esteja em todos, isto é, para que sejamos verdadeiros cristãos.
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