Marcos 9.30-37

Auxílio homilético

21/09/1997

Prédica: Marcos 9.30-37
Leituras: Jeremias 11.18-20 e Tiago 3.16-4.6
Autor: Silvia Beatrice Genz
Data Litúrgica: 18º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 21/09/1997
Proclamar Libertação - Volume: XXII

 

1. O Evangelho de Marcos

O Evangelho de Marcos nos apresenta Jesus e a comunidade cristã com traços muito críticos frente aos problemas de injustiça e pobreza sofridos pelo povo. Não encontramos uma fé triunfalista que esquece o conflito histórico de Jesus com o poder político e religioso. Jesus se confronta com fariseus e escribas. Marcos não conta uma história de Jesus, mas sim Jesus-Evangelho-Boa Notícia.

Em Marcos a pergunta Quem é Jesus? é fundamental. A confissão de Pedro é clara e direta, mas logo em seguida transparece a dúvida, quando Jesus faz o anúncio da sua paixão. Pedro tem dificuldades de aceitar, como os outros discípulos e nós ainda hoje, o seguimento no caminho da cruz e do serviço até o fim, até a morte. No entanto, realmente somos levados a falar e proclamar a Boa Nova-Jesus a partir da cruz e ressurreição.

2. O Texto

O texto de Mc 9.30-37 é um dos três momentos nos quais Jesus anuncia a sua paixão, morte na cruz (castigo e suplício de escravos) e ressurreição.

O primeiro anúncio: Mc 8.31-33.

O primeiro anúncio se dá no Evangelho de Marcos após a confissão de Pedro, como instrução e ensinamento. O mesmo Pedro que reconhece Jesus como Senhor não entende e nem aceita o que ele diz. Jesus explica o que é ser discípulo: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. (Mc 8.34b.) A dificuldade está no seguimento até as últimas consequências.

O segundo anúncio: Mc 9.30-37.

Esta perícope está prevista como base para a pregação. Jesus está a caminho de Jerusalém, mais exatamente,conforme o texto, passava pela Galiléia (...) lendo partido para Cafarnaum, e ali acontece o segundo anúncio da sua paixão, li, como nos outros relatos, os discípulos não entendem as colocações de Jesus. Não estão ligados e nem percebem o que significa ser discípulo, seguidor. Ou tinham medo de ouvir respostas mais concretas, que esclareceriam o ensinamento de Jesus?

Nas considerações exegéticas, vários autores nos relatam que Bultmann e outros percebera neste texto parte de um tipo de catecismo comunitário. E. Lohse, na p. 139, diz: À segunda palavra do sofrimento são acrescentados diálogos com os discípulos e um complexo semelhante a um catecismo (10.1-31: do matrimônio, dos filhos e da propriedade). Outros duvidam dessa inclusão. Não queremos aqui discutir este assunto, mas concluir que essas palavras não falam apenas para os doze, o grupo que seguia Jesus naquela época, mas para a comunidade de hoje, para nós.

Percebemos que o ensinar, a instrução, está ligado à realidade que Jesus e os próprios discípulos estavam vivendo. O Filho do homem será entregue; isto é um fato duro, mas real (os discípulos não compreendem — v. 32). Os discípulos começam a se preocupar com a sua situação pessoal. Era preciso assegurar um lugar. Garantir lugar em todas as esferas é típico daqueles que têm e querem poder, porque não conseguem entender o que é estar a serviço. Nos vv. 33 e 34 aparece primeiro a revelação do desejo egoísta e a seguir o questionamento que não pode faltar na vida comunitária. Jesus percebeu a preocupação e, como um professor, com seus alunos em desespero, explicou qual é a saída, qual é o único caminho a seguir. Dos vv. 35-37, destacamos as palavras do v. 35 em torno do servir: Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos, porque a pergunta era quem é o maior?. Essa pergunta ainda é atual e bem presente na comunidade e sociedade. O texto é claro, direto e deve ser lido e relido. O exemplo da criança é prático e concreto. Mais abaixo apresentaremos como trabalhamos o texto na comunidade, com algumas conclusões e exemplos atuais.

O terceiro anúncio: Mc 10.32-45.

Neste terceiro anúncio também fica incompreensível para os discípulos o significado do anúncio, pois os filhos de Zebedeu se preocupam exclusivamente consigo. Queriam um lugar de destaque. Pensavam num fim glorioso. Jesus dialoga com os discípulos após o anúncio e, nos vv. 42-45, dá claramente o seu recado. Hoje este recado tem importância fundamental quando se fala em qualidade total, mas não como cristão, e sim principalmente como cidadão produtivo.

3. Trabalhando o Texto na Comunidade

Confrontando-nos com uma comunidade tradicional, centenária, mas completamente apática à leitura bíblica e uma ouvinte indiferente à palavra de Deus,nos perguntamos: como pregar? Como falar de Bíblia se, para a maioria, ela era um livro desconhecido ou, então, impossível de se entender? As pessoas diziam: Nos lemos uma, mas ainda está escrita no alemão gótico, não entendo mais nada. Uma vez eu a lia. Os mais jovens reclamavam que este livro é velho e usado para a repressão moral; não tem valor. De fato, em algumas comunidades a Bíblia não é conhecida, a não ser o texto que o pastor usa para a pregação; o pastor está com a palavra e isto basta. Confirmandos não traziam Bíblia porque a família não tinha e teriam de emprestá-la. Havia alguns exemplares do NT na paróquia e estes eram emprestados. Aqui não quero colocar culpas, porque são várias e de todos nós. Muitos já indagaram: o que aconteceu com os evangélicos de confissão luterana? A Bíblia é a principal ferramenta.

Após várias experiências, quero relatar uma que, para este povo da roça, dos morros, foi muito válida; a partir dela as pessoas conseguiram perceber vida nos textos. Textos difíceis de serem entendidos devido à pouca formação do povo. Como procedemos: lemos o texto (na comunidade) para uma tomada de conhecimento; são dadas algumas explicações sobre termos e palavras difíceis... e tentamos encenar, vivenciar o que lemos. Relacionamos os personagens, que são assumidos por algumas pessoas. Escreve-se o nome do personagem numa folha, que é presa na roupa do corpo. Relembramos a partir do texto a ação de cada personagem, e a pessoa encena de forma muda o acontecido durante uma nova leitura do texto, feita normalmente numa linguagem mais atualizada, às vezes da Bíblia das crianças. Desde o momento da apresentação da proposta de estudo, há o despertamento da atenção ao texto. As pessoas participam: escolhem os personagens, outras fazem sugestões, ajudam a planejar, há envolvimento. Percebe-se uma grande participação de jovens e mulheres. A comunidade se envolve, presta atenção, cuida para que tudo seja encenado de acordo com o que se lê na palavra de Deus. É uma forma dinâmica, há vida, há pessoas hoje lembrando o que pessoas ontem já experimentaram, ou seja, buscam sentir a proposta de Deus, a Boa Nova de Deus.

Após esta primeira parte, vêm perguntas e reflexões sobre o texto. Quando trabalhamos o texto numa comunidade do interior, foi importante para as pessoas de pouca formação familiarizar-se com o texto e se apropriar dos personagens, imitar Cristo, relembrar o ensinamento de Jesus e a prática proposta para os discípulos.

4. Algumas Ideias que Surgiram no Encontro

— Jesus ainda nos ensina, mas tem gente que acha que sabe tudo.
— Tem alguns que sabem demais, mas não o que Jesus ensina e quer. Eles nem vêm aqui porque sabem que estão roubando.
— O danado é que eles continuam nos roubando, e tem alguns por aí, e como eles estão unidos! (Aqui o texto levou à reflexão sobre o termo pequeno em oposição a grande, fraco e forte, pobre e rico. A Palavra levou ao confronto com a prática e clareou o conflito. Jesus é o mestre para quem quer aprender.)
— Nós viemos até aqui para aprender e ouvir Jesus, como ele aceitava os fracos, nós temos esperança e sabemos como viver. Mas também mudar, porque nós também não ajudamos um ao outro.
(Aqui fala-se da criança no meio, percebe-se que Jesus nos acolhe e nós acolhemos Jesus no outro [criança]. O outro nos acolhe em Jesus. O difícil é concretizar.)
— Eu já gosto de ir ao culto para aprender, a gente tem pouco estudo, e ouvir a Bíblia, a explicação, a encenação, a conversa, é tudo ensinamento.
— Os discípulos ficaram quietos porque sabiam que estavam errados; é como na nossa comunidade, tem os que vêm, mas isso não muda muito, mas tem os outros que não vêm para não se confrontarem com o erro que estão cometendo (aqui foi lembrada também a leitura de Jr 11.18-20).
— Não é que os corruptos não saibam que estão errados, eles só não querem mudar.
— Os discípulos sabem que estão errados, por isso se calam; eles não são burros; tinham vontade de ter poder, ser um mais importante do que o outro.
— E, mas a gente gosta de estar no poder, não vê na campanha política? Vale tudo, vende voto, compra voto.
— Jesus devia sentar muitas vezes no nosso meio e conversar, pois isto que ele disse é bem assim, pra gente saber o que é ser o último a gente tem que ser uma vez o último. Tem alguns que sempre estão por cima.
— E acham que sempre devem ser servidos; se penso nos políticos, eles são eleitos para o serviço, mas só querem cargo, poder, nome e dinheiro, e defender seu pessoal, tem alguns que pensam diferente, mas a maioria...

Na conversa percebemos a sede de formação que as pessoas têm. Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), qual é a nossa proposta de formação? Lembro que nesta comunidade a oferta do curso para presbíteros oferecido pelo Instituto de Capacitação Teológica Especial (ICTE) teve ótima aceitação entre jovens. As pessoas querem sair desse anonimato como Igreja e também como agricultores sem formação, sem conhecimento. A novidade de vida é oferta, é busca. Jesus anuncia a sua morte, o seu sofrimento, mas três dias depois ressuscitará. Depois fala do novo jeito de viver. Os discípulos recebem esse anúncio. Somente eles, pois o v. 30 aponta para o segredo messiânico, que vai sendo revelado na medida em que seguidores estão preparados para entender. Para a nossa fé é impossível falar de Jesus sem cruz-ressurreição.

Sugiro a leitura de Proclamar Libertação, vol. XVI, 1990, pp. 255-262, um rico trabalho que analisa exegeticamente partes do texto, as quais poderão servir de complemento para a preparação da prédica.

5. Bibliografia

ALEGRE, Xavier. Marcos ou a Correção de uma Ideologia Triunfalista. Belo Horizonte, CEB1,
1988. (A Palavra na Vida, 8).
BORNKAMM, Günther. Jesus de Nazaré. Petrópolis, Vozes, 1976. pp. 135-143.
LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, Sinodal, 1974.
LUDEMANN, Gerd. Texte und Träume; ein Gang durch das Markusevangelium in Auseinandersetzung mit Eugen Drewermann. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1992.
MOSCONI, Luis. O Evangelho segundo Marcos. Belo Horizonte, CEBI, 1989. (A Palavra na Vida, 24).


Autor(a): Silvia Beatrice Genz
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 18º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 30 / Versículo Final: 37
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1996 / Volume: 22
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13071
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