Mateus 10.24-39

Auxílio Homilético

25/06/2017

 

Prédica: Mateus 10.24-39
Leituras: Jeremias 20.7-13 e Romanos 6.1b-11
Autoria: Evandro Jair Meurer
Data Litúrgica: 3º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 25/06/2017
Proclamar Libertação - Volume: XLI

Afirmar diferenças – missionar sem medo

1. Introdução

Pela segunda vez, o texto de Mateus 10 aparece com tal recorte (v. 24-39) no PL, acompanhado das mesmas leituras de apoio: tanto aqui como lá (PL XXXII, 2008), para o tempo após Pentecostes (lá, 6º Domingo; aqui, 3º). Numa primeira leitura dos três textos, percebemos um eixo comum: a necessária distinção entre quem está com Deus e quem está sem Ele e as consequências disso para uma caminhada de vida cristã (discipulado) sem medo.

Jeremias 20 confirma que o “pote de barro” (Jerusalém, Judá) está para ser quebrado. O profeta está sendo ameaçado, pois não estão gostando de sua mensagem. De forma poética, Jeremias apresenta sua “queixa” perante Deus, nitidamente dividida em duas partes distintas e antagônicas: v. 7-10, o lamento diante da situação difícil pela qual passa; e v. 11-13, a confiança na presença de Deus, que “livra os pobres do poder dos maus” (v. 13).

Em Romanos 6, a tônica está na velha vida em pecado e na nova vida em Cristo: a morte daquela, para a vida nessa, e isso por meio da graça revelada na cruz (v. 1b). Morte e vida fazem aqui o contraste. Mortos para o pecado e vivos para Deus (v. 11).

O evangelho para este domingo apresenta mais figuras (mashal) que corroboram essa ideia de que, quando afirmamos o que nos distingue/diferencia como discípulos, firmamos nossa caminhada com Deus, em Cristo e assim podemos segui-lo/servi-lo sem medo. Mateus 10.24-39 quer capacitar-nos ao seguimento de Jesus e à realização distinta, qualificada e sem medo da missão pentecostal.

2. Exegese

Nosso texto precisa ser “exegetizado” na perspectiva do que já sabemos, consenso entre os estudiosos neotestamentários, de que Mateus é o mais judai- co dos quatro evangelhos, escrito para judeus com o objetivo de apresentar-lhes Jesus como Messias: “Não vão aos lugares onde vivem os não judeus”, mas sim “procurem as ovelhas perdidas do povo de Israel” (10.5). Reflete uma comunidade judaica em busca de um “novo judaísmo” (cristão).

Esboços do Evangelho de Mateus concordam que, intercalados às narrativas, encontram-se cinco (Pentateuco?!) discursos de Jesus. Nosso texto em estudo estaria inserido no segundo (Êxodo?!): “As instruções para os doze” (9.35-10.42). Esse discurso viria antecedido pelas “narrativas de milagres” (8.1-9.34) e seguido pelas “narrativas de rejeição do Messias” (11.1-12-50). Essas narrativas que ladeiam o discurso ilustram, no próprio exemplo de Cristo, sua ação e sua consequente rejeição, prenúncio para o discipulado. Ou como alguns preferem chamar: “os pró e os contra a pessoa de Jesus”.

Os versículos 10.1, 10.5 e 11.1 confirmam essas subdivisões textuais. São palavras “fortes” que aparecem nesse contexto: Jesus “chamou”, “deu autoridade” (v. 1), “enviou”, deu “ordem”, “instruções” (v. 5), “essas ordens”, “instruções” (11.1). Interessante constatar que esse “envio” dos apóstolos é, estrategicamente, antecedido pela reafirmação do ministério de Jesus (9.35-cf. 4.23), pelo seu compadecimento à “multidão aflita e sem pastor” (v. 36) e pela constatação de “escassez de trabalhadores” (v. 37-38) = AÇÃO. E seguido por relatos como o da prisão de João Batista (11.2) e os de acusação de falta de arrependimento (v. 20) = REJEIÇÃO.

Como muito bem resume Margarete (PL 32), nessa missão dada aos dis- cípulos, “fazer parte da comunidade cristã acarretou riscos e rompimentos, acarretou dificuldades sociais e familiares”. Inclui renúncia e até martírio, “exigências” divinas do chamamento. Provoca rupturas radicais nas relações familiares e humanas. Esses temas apresentam-se em sintonia com o prenúncio de Miqueias (7.6), que já apareceram no primeiro discurso de Jesus (Mt 5.11-12); que encon- tram eco nos sinóticos – Marcos 8.31ss, Lucas 9.23, 12.1ss, 17.33; que são, pos- teriormente, vivenciados pelos primeiros cristãos/apóstolos (Atos 13.50) e corroborados por Paulo – tanto aos de Filipos (Fp 3.10) como a Timóteo (2Tm 2.12). Esse fato de que haverá, de um lado, pessoas que confessam Jesus e, do outro, pessoas que o negam indica que a vinda de Cristo trouxe divisão, diferenças e distinções. E essas são aqui muito tipificadamente apresentadas por diversos mashal rabínicos, linguagem muito bem conhecida pela comunidade judaico-cristã, a quem se remete o evangelista. Nas proposições para a mensagem, a seguir, será bom nos perguntarmos se essa “ruptura” ainda vale para o discipulado hoje. E, afinal, em que medida a temática do “medo” deveria rondar igualmente o universo do seguimento de Jesus em nossos dias.

Chama atenção, ao longo do texto, a dicotomia ou dualidade de situações, expressões, figuras e verbos. Esses “ditos paradoxais”, já sublinhados acima e que identificamos abaixo, são um meio literário que reflete não só uma comparação (no sentido de parábola), “mas sim um poderoso meio de questionamento”. Contém “um alto potencial hermenêutico”. São eles:

⇒  aluno x professor, discípulo x mestre; empregado x patrão, servo x senhor; pessoas da família x chefe da família, seus domésticos x dono da casa (v. 24-25);

⇒  coberto x descoberto, encoberto x revelado; escondido/oculto x conhecido (v. 26);

⇒  escuridão x luz, às escuras x à plena luz; segredo x abertamente, dito ao ouvido x proclamado dos eirados/telhados (v. 27);
⇒  matar corpo x matar alma (v. 28);
⇒  passarinho, pardais x fios de cabelo/cabelos da cabeça (v. 29-31);
⇒  não pertencer x pertencer, confessar x não confessar, negar x não negar (v. 32-33);
⇒  espada x paz (v. 34);
⇒  contra x a favor (v. 35);
⇒  inimigos x amigos (v. 36);
⇒  amar menos x amar mais (v. 37);
⇒  morrer x viver, não tomar a cruz x tomar a cruz (v. 38);
⇒  procurar seus interesses x esquecer a si mesmo; vida “falsa” x vida verdadeira; não ser seguidor x ser seguidor, perder a vida x achá-la (v. 39).
 

Por fim, vale destacar uma palavra, a qual Jesus insiste (v. 26, 28 e 31) em repetir: fobēthēte. Que “fobia” é essa que os discípulos e as discípulas não precisam ter? Deve ser a mesma proclamada aos profetas (Is 41.10, 14; 43.1; 51.7, 12, 13; Jr 1.8,17; Ez 2.6), a mesma posteriormente superada pelos primeiros cristãos diante do Conselho Superior, por exemplo (At 4.13-21), a mesma que Pedro prescreve aos cristãos da diáspora (1Pe 3.13-14). Jesus parece estar dizendo a seus seguidores o mesmo que Deus afirmou a seus profetas: “Tenham a segurança de que nada lhes permitirei fazer que não favoreça a missão”. Estejam sempre associados a ele na missão porque, acima de tudo, a missão que eu lhes confiei a ele pertence. É dele. Ele sim tem poderes ilimitados, que abrangem a vida aqui e agora, bem como a vida posterior nos tempos eternos. Ele os ajudará a enfrentar as dificuldades na perseguição e toda outra dificuldade que houver nos trabalhos missionários. Nada lhes acontecerá sem o amparo dele. Pois tem sido uma marca ao longo de sua caminhada com seu povo destacar seu valor e seu cuidado por todos os seus escolhidos, chamados, seguidores (Mt 6.26, 12.11,12; Sl 8.5; Lc 12.24; 1Co 9.9,10). Por isso “não tenham medo”.

3. Meditação

Como motivação para a reflexão e a meditação trago três questionamentos:

3.1 – Enquanto redijo este “auxílio para o anúncio do evangelho”, corre no Congresso Nacional em Brasília a polêmica e dicotômica disputa pelo impeachment ou permanência da presidenta Dilma Rousseff na função. “Direita x esquerda”, “situação x oposição”, “verde-amarelo x vermelho”, “a favor x contra” são apenas algumas das posições paradoxais que se levantam no momento brasileiro atual. Tal conjuntura tem levado inclusive a, se não “rupturas”, pelo menos situações desconfortáveis entre membros de uma mesma comunidade, entre integrantes de uma mesma família, entre amigos e amigas, entre ministros/as e confissões religiosas, entre cantores/as, atores/atrizes. A verdade é que o país está dividido, e essa polarização já se espalha (de modo vergonhoso e vexatório inclusive) pelo mundo. Com certeza hoje, quando você se prepara para a pregação no culto do próximo domingo, o “cenário nacional” é outro, mas a polarização ainda continua presente de outras formas. Em muito se assemelhando aos clássicos futebolísticos espalhados pelo país (Grenal, Atletiba, FlaFlu, BaVi...). Para mim fica a pergunta: por que a fé cristã não provoca mais essa distinção e polarização no mundo? Por que o cristianismo se acomodou e se amoldou ao mundo e não é mais “luz no mundo”? Ser cristão, ser discípulo, é ser igual ao mestre, em tudo, incluindo as perseguições, os sofrimentos, as blasfêmias, o ódio (10.22). Gera inclusive, nos discípulos, satisfação e alegria por essa equiparação e igualdade no sofrimento (cf. também Mt 5.11-13). Contudo não é isso que vemos no que se refere à vivência e diferença cristã. Onde e quando cristãos são perseguidos e blasfemados pelo seu testemunho de fé hoje? Pelo texto do evangelho “exegetizado”, depreende-se que, no que se refere à missão, o discípulo deveria inclusive ultrapassar os desafios pelos quais o mestre passou. Os discípulos deveriam ser como que um “raio X” revelador da verdade, doa a quem doer (em termos de denúncia), cause o que causar (em termos de consequência). A presença da renúncia cristã, aqui reforçada pela afinidade com o tema dos sacrifícios e das renúncias que a vida cristã exige de todo seguidor de Cristo, muito ligado ao tema do martírio pelo seguimento de Jesus, parece estar fora da pauta evangélica em nossos dias. É como se algumas páginas dos evangelhos tivessem sido rasgadas das Escrituras Sagradas. A ação pentecostal e carismática mostra-se limitada ao louvor individualista em detrimento, ou pelo menos abafamento, do fervor profético, denunciador e transformador coletivo e social.

3.2 – Outro questionamento que trago é sobre o medo. O que leva as pessoas cristãs a ter medo hoje? A violência, o roubo, o assalto, o câncer, a morte, uma bala perdida. Contudo algum eventual medo causado pelo efetivo testemunho de fé, posicionamento perante uma situação incompatível com a vontade de Deus, esse sim me parece totalmente (ou pelo menos minoritariamente) ausente do dia a dia do discípulo, da discípula contemporânea. As palavras de preparo para o profetismo, as instruções para o discipulado, a advertência para a ação missionária – “não tenham medo” – mostram não ter praticamente mais sentido hoje. Nosso discipulado e seguimento cristãos estão tão inoperantes, inofensivos, despretensiosos, inertes, infrutíferos, inativos, que a décima bem-aventurança pode ser até riscada da Bíblia (Mt 5.10). O cuidado divino não é mais nem necessário: “Já lhes disse, volto a repeti-lo para que nunca o esqueçam: não tenham medo de seus perseguidores. Vocês são mais valiosos para Deus que todos os pardais juntos. Ele cuidará de vocês cada instante da vida”. Quem de nós cristãos é lite- ralmente perseguido por ser cristão?

3.3 – Finalmente, pensemos como será nosso encontro com o Senhor na eternidade sob a perspectiva dessa passagem que estamos a estudar. Longe de nós negarmos a justificação por graça e fé, que nos é muito cara e inegável como luteranos. Mas pensemos um pouco, diante das dicotomias presentes no texto em estudo, como alcançaremos o reino dos céus (Mt 5.11)? Como seremos afirmados por Cristo, diante do Pai, no dia do juízo final (v. 32)? Será que “merecemos”, “somos dignos de”, “servimos para” ser seguidores/ras de Cristo? Ouço muitas pessoas se manifestarem surpresas com tanta violência, criminalidade, maldade e tantas outras coisas ruins crescentes no mundo. Tenho dito a elas que, a meu ver, dois são os motivos principais. Primeiro uma questão muito simples: o crescimento populacional. Como a maldade já está naturalmente presente em maior quantidade no mundo, com o crescimento populacional ela aumenta proporcionalmente mais em relação à bondade, presente em menos quantidade no mundo. E segundo: o crescimento do cristianismo. Sim, isso mesmo, uma forma de fé majoritária no mundo não é mais perseguida nem causa mais impacto transformador, mas só legitimador, do mundo que a cerca. A “vida verdadeira” (v. 39) fica cada vez mais apagada, abafada, distante, negligenciada. Seguindo o desafio do evangelho, vamos convidar nossas comunidades para trazer mais espada e menos paz. Mais luta do mal contra o bem. Mais espadas cortantes de decisões radicais que respondam ao chamamento de Jesus, que exijam muitos cortes e sacrifícios dolorosos com o mundo, com a sociedade corrompida, com a família e, se necessário for, com a própria comunidade, abraçando prioritariamente o seguimento de Jesus.

4. Imagens para a prédica

4.1 – Quem ainda não utilizou em suas pregações a crônica “A pipoca”, de Rubem Alves, pode ser uma boa oportunidade (cf. sugestão de Margarete no PL 32).

4.2 – Poder-se-ia ainda perguntar à comunidade reunida: O que leva uma pessoa a colocar-se inerte, de braços abertos, “desarmado” diante de um tanque de guerra, diante de uma “tropa de choque” da polícia, de um trator ou de uma máquina de demolição para impedir a ação desses? A imagem daquele chinês anônimo ainda nos cala fundo, mesmo passados 27 anos. Mas, depois dele, também no Brasil se registraram/registram situações e imagens semelhantes com índios, professores, sem-teto, agricultores em manifestações de defesa das suas causas. Quem tiver o recurso poderia projetar uma ou mais destas imagens:

[Veja as imagens anexas.]

Disponíveis em:





4.3 – Não há como deixar de fazer uso aqui do momento pessoal que vivo enquanto me debruço no estudo e redação deste (abril/maio de 2016). Em março, fiz exames de rotina para monitoramento médico. No urologista, em especial, queria ficar tranquilo de que não teria novas surpresas com crises renais já vivenciadas em anos anteriores. Contudo a ultrassonografia revelou outra coisa: um nódulo no rim direito. O médico indicou uma tomografia, a qual revelou “tumoração, sugestivo de neoplasia”. Para um parecer mais preciso ainda do que estava se revelando, seguiu-se uma ressonância magnética, na qual as imagens minuciosas confirmaram um tumor, sendo que, pelo parecer de cinco profissionais que consultei, carece de uma cirurgia para retirada do rim e posterior biópsia para confirmação (ou não) do que as imagens estão revelando. (De momento, enquanto escrevo, aguardo a realização da cirurgia.) Narro isso a título de sugestão de ilustração, caso opte por enfatizar as dualidades presentes nos versículos 26 e 27. Você não precisa citar o “meu caso”, basta levar ao púlpito uma lâmina de RX qualquer e, durante a pregação, mostrá-la como ilustração e recurso.

5. Subsídios litúrgicos

Proponho que o texto de Jeremias seja lido como um salmo em responsório: o/a celebrante lê os versículos 7-10, e toda a comunidade lê os versículos 11-13.

O hino “Não temas, pois eu te remi” (HPD 1 – 191) é bem sugestivo para a afirmação da temática do culto.

Bibliografia

EARLE, Ralph; SANNER, A. E.; CHILDERS, C. L. Comentários Bíblicos 6. Mateus a Lucas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006. Disponível em: .
HENDRICKSEN, William. Mateus. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.


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Autor(a): Evandro Jair Meurer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Tempo Comum
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 24 / Versículo Final: 39
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2016 / Volume: 41
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 45485
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