Mateus 2.1-12

Auxílio Homilético

06/01/1996

Prédica: Mateus 2.1-12
Leituras: Isaías 60.1-6 e Efésios 3.2-12
Autor: Manfredo Wachs
Data Litúrgica: Epifania
Data da Pregação: 06/01/1996
Proclamar Libertação - Volume: XXI


1. Introdução

Esta é uma das histórias bíblicas mais conhecidas da tradição cristã, inclusive pelas pessoas que raramente frequentam as atividades da Igreja. É também uma das histórias em que a transmissão oral gravou, na memória das pessoas, elementos que não constam no texto bíblico. Além disso, é anualmente usada no conjunto de textos natalinos. Essas peculiaridades dificultam algumas vezes a elaboração de uma mensagem.

Os auxílios homiléticos publicados nos vols. XVIII e X de Proclamar Libertação contêm uma boa ajuda para a compreensão deste texto. Desejamos, contudo, exercitar uma interpretação a partir de uma visão pedagógica. Para tanto, utilizaremos fundamentos da corrente pedagógica do construtivismo. Nesses fundamentos está embutido um instrumental filosófico que permite a percep-ção da realidade social.

1. Considerações Pedagógicas

O suíço Jean Piaget (1896-1980), juntamente com a sua equipe, realizou diversos estudos sobre o processo de desenvolvimento do pensamento humano. As pesquisas revelam que o desenvolvimento cognitivo de uma pessoa pode ser classificado em quatro níveis que obedecem uma sequência e se integram reciprocamente. Fundamentalmente, importa discernir, no decorrer do desenvolvimento, dois aspectos: 1) a reflexão gradual de estruturas e 2) a descentração.

Do primeiro aspecto, vale destacar que uma das suas estruturas mais elementares é um saber de ação. Este saber é uma espécie de entendimento ou de capacidade que na criança, por via de regra, só muito mais tarde é permeado conscientemente ou construído reflexivamente. Seria compreender conceptualmente o próprio fazer.

Vamos nos deter um pouco mais no segundo aspecto. Descontrai' significa ser capaz do ver ou entender alguma coisa a partir do um ponto de vista que difere do sou próprio. Isso implica sairmos do centro e observarmos o objeto ou a ideia do um outro lugar ou ponto de vista. Realizamos uma centração quando concentramos a atenção em determinado ponto ou aspecto tanto do pensamento quanto da percepção. Normalmente, tendemos a absolutizar quando centralizamos a nossa atenção e reflexão só num pensamento.

Nós descentralizamos na medida em que relaxamos uma centração e, portanto, a absolutização. Essa descentração ocorre como um processo de interação social e inter-relação pessoal. Sem ela, a pessoa permanece numa situação egocêntrica e não adquire a capacidade de ver e compreender outros aspectos de um objeto e de um pensamento. No domínio cognitivo e da autonomia pessoal, descentralizar equivale a elaborar critérios e pensamentos próprios.

Para o desenvolvimento intelectual de uma criança o processo de descentração significa adquirir a capacidade de ver um mesmo objeto sob diferentes ângulos e compreender que se trata do mesmo objeto. E quando se tenta entender uma ideia sob diversos ângulos se elabora um novo pensamento.
Podemos estabelecer relações entre as centrações no momento em que multiplicamos as alternativas referentes ao mesmo objeto ou ideia. Isso implica nos colocarmos de fora do centro para observar o objeto ou a ideia a partir de diversos ângulos, destacando as diferenças. Nesse exercício de descentração podemos estabelecer uma relação de situações opostas a nível de personagens ou agrupamento de personagens, de ambiente, de ideias...
O processo de descentração é uma libertação do egocentrismo, o qual se compreende como sendo a incapacidade de ver outro ponto de vista. Devemos clarear que egocentrismo difere de egoísmo, pois este implica planejar e fazer algo em benefício próprio.

O pensamento lógico, conforme pesquisa de Piaget, somente é desenvolvido no quarto nível, ou seja, a partir da adolescência. Uma pesquisa revela, entretanto, que somente 20% da população desenvolve o potencial de reflexão lógica-abstrata.

Vamos exercitar dois processos de descentração: 1) a descentração realizada pelos próprios magos e 2) a relação das situações opostas. Um terceiro processo seria nos colocarmos no lugar do rei, do clero judaico, dos magos ou da família de Jesus e tentarmos argumentar conforme a sua concepção. Este terceiro processo é bastante utilizado no psicodrama.

3. Aplicando a Descentração

3.1. Descentração dos Magos

Vamos fazer aqui uma primeira ligação com o nosso texto bíblico. Os magos, ao seguirem uma estrela desde o Oriente, provavelmente da Pérsia, revelam a concepção mesopotâmica a respeito dos astros e demonstram o seu conhecimento da esperança messiânica judaica- (Dreher, p. 195). Eles chegam a Jerusalém seguindo a sua crença e a sua lógica de pensamento. Á estrela não lhes dá uma informação segura, mas é óbvio que o filho da realeza só pode nascer na casa real. A sua crença e lógica são confrontadas com a revelação e interpretação das Escrituras, ou seja, com a palavra do Deus desconhecido e abscôndito.

Eles se confrontam com outra convicção religiosa, com uma perspectiva de orientação que não é a sua. Esse confronto os coloca diante do conflito entre seguir a sua crença nos astros e sua lógica ou a orientação que vem da palavra de um Deus desconhecido. O conflito é proporcionado pela inter-relação pessoal e pela interação social, cultural e religiosa de um contexto diverso do seu.

Eles desenvolvem um processo de descentração criando outra centração'' na sua reflexão, pois o seu pensamento deixa de ser orientado pelos astros ' para se defrontar com a palavra de uma entidade religiosa desconhecida. O pensamento se centraliza em outro objeto-idéia e se estabelecem relações entre as centrações, ou seja, entre as hipóteses da sua reflexão.

Surge uma nova centração quando os magos encontram, numa casa-estrebaria, o menino-Rei deitado numa manjedoura. A advertência divina (v. 12) os coloca diante da situação de optar por uma das centrações-hipóteses. Um processo de descentração implica a opção por um novo pensamento ou, então, uma ideia reformulada.

3.2. Descentração de Situações Opostas

Ao desenvolvermos uma relação de situações opostas e as colocarmos lado a lado como dois objetos semelhantes a serem observados, podemos perceber diversas facetas da mesma realidade. Ao realizarmos uma relação de situações opostas com um texto bíblico nos damos conta de que o contexto sócio-econômico-político do texto pode sobressair e a contextualização ocorre com maior facilidade. Constato frequentemente este fato quando desenvolvo esta forma de interpretação com professores de Ensino Religioso.

Observemos essa relação de situações opostas a partir da presença dos magos e de Herodes no texto.

Os magos vêm do Oriente para adorar o menino-Rei, adoram-no e voltam para a sua terra. Eles se deixam guiar pelos astros desde o Oriente, mas não têm uma orientação precisa acerca de onde se encontra o recém-nascido.

O rei Herodes vive na mesma região do nascimento do menino-Rei. Ele e os habitantes de Jerusalém ficam alarmados com o motivo da visita dos magos. Herodes sente-se ameaçado pela possibilidade de surgir o rei de uma outra descendência. Os magos, enquanto isso, se alegram com o nascimento do Messias profetizado por Miquéias. Herodes utiliza as atribuições do seu poder e convoca a hierarquia religiosa — principais sacerdotes e escribas. Eles consultam os textos proféticos e obtêm uma informação mais precisa do que a dos magos. Com a sua autoridade de rei, Herodes convoca os visitantes e comunica o resultado da pesquisa nas Escrituras.

Os magos consultam os astros e chegam ao destino errado. Herodes e a hierarquia religiosa consultam a palavra de Deus e obtêm uma orientação correta. Os primeiros seguem a orientação das Escrituras, vão a Belém e adoram o Messias. Herodes, a hierarquia religiosa e os habitantes de Jerusalém permane¬cem na sua cidade aguardando o retorno dos magos. Eles, porém, não retornam para comunicar o local certo do nascimento.

Os magos, sendo provenientes do Oriente, são considerados pagãos. Herodes e a hierarquia religiosa são judeus. Os seus rejeitam o Rei (Mt 21.42) e os excluídos o acolhem.

4. Epifania — Tempo de Revelação

Vamos recordar o significado de Epifania — revelação — e refletir sobre as seguintes perguntas: onde Deus se revela? A quem ele se revela? Quem são os agentes da sua revelação? Quem nos comunica sobre a revelação de Deus?

Os magos crêem que a revelação de Deus deve ocorrer no lugar em que habitam as pessoas do poder governamental e económico, as autoridades religiosas e os que convivem com o poder. Os magos precisam abandonar uma convicção, precisam descentrar-se de uma concepção para estar abertos a um novo pensamento.

A partir da questão da Epifania percebemos que a convicção dos magos aponta para um Messias que devia se revelar em Jerusalém, na capital do país. Conforme essa concepção, um mundo novo deve surgir a partir do centro do país, do poder que governa, convoca, comanda o povo. Os magos, contudo, descobrem nas Escrituras a profecia de um Messias que será Guia e apascentará o povo. Eles descobrem outra visão de Messias.

O guia deveria nascer no palácio e ser descendente da realeza que estava no poder, mas nasce numa casa da periferia de uma cidade de camponeses. O evangelista Mateus tem o cuidado de destacar na genealogia que Jesus era descendente do rei Davi.

5. Considerações Conclusivas

Tenho percebido que, ao apontarmos alternativas de pensamento durante a abordagem de um assunto, estamos proporcionando às pessoas a oportunidade de assumirem um pensamento próprio. Na educação fala-se em autonomia de pensamento e de comportamento. Na perspectiva sócio-política usa-se o termo conscientização. No ambiente religioso utilizam-se os termos convicção e conversão.

Espero que cada leitor/a, a partir da forma em que foi apresentado o texto, tenha suficientes subsídios para desenvolver uma mensagem na qual o/a ouvinte consiga constatar os paralelos entre o texto e a sua realidade.

6. Bibliografia

DREHER, Carlos A. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: —, org. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal. vol. 10, p. 193-205.
KESSELRING, Thomas. Jean Piaget. Trad. Antônio Estêvão Allgayer e Fernando Becker. Petrópolis, Vozes, 1993. 296 p.
STEUER, Aline. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: BECHERT, Marcos et ai., coords. Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal. vol. 18, p. 49-52.
WINTZER, Friedrich. Meditação sobre Mateus 2.1-12. In: BREIT, Herbert & GOPPELT, Leonhard, eds. Calwer Predigthilfen. Stuttgart, Calwer. vol. 11, p. 69-75.


Autor(a): Manfredo Wachs
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania

Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1995 / Volume: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14250
REDE DE RECURSOS
+
Nós te damos graças, ó Deus. Anunciamos a tua grandeza e contamos as coisas maravilhosas que tens feito.
Salmo 75.1
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br