Mateus 22.34-40 (41-46)

Auxílio Homilético

23/10/2005

Prédica: Mateus 22.34-40 (41-46)
Leituras: Êxodo 22.21-27 e 1 Tessalonicenses 1.5b-10
Autor: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: 23º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 23/10/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX

 

1.Preâmbulo

O coração perfeito

Certo dia, um jovem sentou-se no meio de um povoado e anunciou que possuía o coração mais formoso de todo aquele lugar. Uma grande multidão reuniu-se em seu redor; todos o admiraram e confirmaram que seu coração era perfeito, pois não se podiam ver nele maldades nem arranhões.

Todos concordaram que era o coração mais formoso que já tinham visto. Neste instante chegou um homem já idoso e disse: “Por que dizes isto? O teu coração não é tão formoso quanto o meu!” Surpresos, a multidão e o jovem olharam o coração daquele senhor e viram que pulsava vigorosamente, estava coberto de cicatrizes e até havia lugares onde faltavam pedaços e estes haviam sido substituídos por outros que não encaixavam perfeitamente em seu lugar, pois se viam bordas e arestas irregulares. E mais, havia lugares com buracos, onde faltavam pedaços grandes. O olhar das pessoas demonstrava surpresa.

O senhor idoso então disse: “O teu coração parece perfeito, porém falta algo... Veja, Deus tem me amado e assim aprendi a amar as pessoas. Cada cicatriz representa uma pessoa à qual entreguei todo o meu amor. Arranquei partes do meu coração para entregá-las a cada um daqueles que eu tenho amado. Muitos, por sua vez, têm-me oferecido uma parte do seu coração, que foi colocada nos lugares que estavam abertos. Como as partes não eram iguais, sobraram as bordas pelas quais me alegro, porque elas me recordam do amor que temos partilhado... Houve oportunidades nas quais entreguei parte do meu coração a alguém, porém esta pessoa não me ofereceu um pouco do seu em troca. Dali vieram os buracos... Dar amor é arriscar, no entanto, apesar da dor que essas feridas produzem por ter ficado abertas, lembram-me de que as sigo amando e alimentam a esperança de que algum dia talvez regressem e preencham o vazio que deixaram em meu coração. Compreendes agora o que é verdadeiramente formoso?”.

O jovem permaneceu em silêncio, lágrimas corriam no seu rosto. Aproximou-se do senhor idoso, arrancou uma parte do seu formoso e jovem coração e lho ofereceu. O senhor idoso o recebeu e o colocou em seu coração, por sua vez arrancou uma parte do seu, já velho e danificado, e com ela tapou o rombo aberto no coração do jovem. A peça se amoldou, porém não com perfeição; por não serem idênticas as partes, notavam-se suas bordas.

O jovem olhou o seu coração, que já não era perfeito como antes, porém parecia muito mais formoso, pois o amor do senhor idoso fluía em seu interior.

Autor: Aldo Bidán (Argentina)
Texto: El corazón perfecto
Tradução e adaptação: Eloir E. Weber

2. Contexto e delimitação

O texto de Mt 22.34-40 (41-46) está localizado dentro da seção que fala do ministério de Jesus em Jerusalém (Mt 21-27). No contexto ainda menor, Jesus aparece respondendo três perguntas e, em seguida, é a vez dele perguntar aos interlocutores. Este era um método de discussão rabínica que Jesus usava para tomar posição diante das diversas correntes religiosas de seu tempo (VV.AA., p. 86). Veja os opositores e os respectivos assuntos:

• Fariseus e herodianos: o imposto a César (22.15-22).

• Saduceus: a ressurreição dos mortos (22.23-33).

• Um legalista fariseu: o maior mandamento (22.34-40).

• Finalmente Jesus interroga seus adversários sobre ele mesmo (22.41-46).

Pode-se perceber que o texto em estudo localiza-se dentro do bloco das controvérsias, que têm origem na resistência oferecida por diversos grupos judaicos aos ensinamentos de Jesus. Numa tentativa de combatê-lo, procuram atacá-lo com questões de cunho teológico e político. Assim, aos poucos, o caminho da cruz vai sendo traçado.

Neste 23º Domingo após Pentecoste está colocado diante de nós o texto de Mt 22.34-40 (41-46), portanto duas unidades de texto que têm início e fim bem moldurados e próprios entre si. No desdobramento exegético e temático desse domingo, sugiro manter-nos no tema do duplo mandamento do amor. Antes, porém, é necessário dizer que a discussão levantada por Jesus (v. 41-46) tem como origem a sua entrada em Jerusalém. Na ocasião, ele foi aclamado como “Filho de Davi”. Aqui ele procura fazer perceber toda a profundeza de um título cujo sentido será descoberto só depois da ressurreição. Os adversários, a partir daí, não ousam mais interrogá-lo. Depois dessa discussão, Jesus deixa escapar, para a multidão e para seus discípulos, um longo grito de amor desiludido (VV.AA., p. 86).

3. Análise do texto

Jesus é perguntado por um fariseu: “Mestre, qual é o grande mandamento da lei?” (v. 36). Ele responde (v. 37-40) recitando dois versículos conjugados da própria lei: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força” (Dt 6.5) e “... amarás o teu próximo como a ti mesmo...” (Lv 19.18b). Conforme a concepção bíblica, a profissão de fé em Deus acarreta um compromisso prático imediato: o ser humano é ligado a Deus, na totalidade de seu ser e de sua existência, por um pacto de obediência, dedicação e fidelidade. Na tradição da Torá, esse compromisso fundamental é resumido na palavra amor (Barbalho, p. 566). Vejamos a seguir uma análise dessa resposta de Jesus:

a) v. 37 – Amar a Deus

O amor a Deus sempre precisa ser entendido como reação ao amor que recebemos dele primeiro. O mandamento de amar a Deus, no Antigo Testamento, é a estipulação básica da aliança, pois mostra a fidelidade do povo ao único Deus.

“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento.” A intenção de Jesus certamente não é distinguir entre faculdades e potências, mas, sim, insistir na plenitude da resposta. O amor a Deus precisa ser supremo.

Na compreensão da época, o amor era visto como regulador de toda a atitude do ser humano: tanto para com Deus como para com o próximo. Além disso, o amor deveria ser incondicional, exigir decisão definitiva, confiança sem restrição e manifestar-se na afirmação e execução da vontade de Deus. O amor deve-se mostrar ativo em obras, em serviço, em dedicação e doação da vida (Bauer, p. 47).

A novidade do texto não consiste em propor o amor como mandamento principal. A novidade talvez nem consista na íntima conexão estabelecida entre o mandamento do amor a Deus e ao próximo: o amor a Deus se exprime e se realiza no amor para com o próximo. O amor tem que ser entendido como um ato voluntário, não como um sentimento. Nisto consiste a verdadeira essência da autêntica piedade (Schmidt, p. 330).

“... de todo o teu coração”: o coração, na compreensão hebraica, é o interior do ser humano, que Deus vê, a sede das forças da alma, da inteligência, das faculdades espirituais do ser humano. Ali têm lugar a alegria, o temor, a dor, o amor, o desejo, a inteligência e o pensamento. Ali nascem os propósitos e as resoluções. O coração é a própria consciência. O coração é o “eu” do ser humano em que Deus escreve a lei, ali estão a fé e a dúvida. O coração é, sobretudo, a fonte do amor a Deus e ao próximo. Ele serve para descrever a atitude ético-religiosa da pessoa e tem sentido de “sede do segredo vital”, do “destino vital” do ser humano. Na Bíblia não existe qualquer sugestão de que o cérebro seja o centro da consciência, do pensamento ou da vontade; tudo isto acontece no coração. Amar a Deus de todo o coração é igual a amar a Deus de toda a alma, mente e força (pois tudo isso está contido no coração). A Bíblia não distingue os processos racionais ou mentais, a exemplo da filosofia grega (Douglas, p. 323).

“... de toda a tua alma”: a alma é considerada a fonte da vontade e dos sentimentos do ser humano, muitas vezes vista como a vida em si.

“... e de todo o teu entendimento”: o entendimento pode significar mente ou inteligência.

Em última análise, o uso dos três termos tinha a intenção de dar a entender que precisamos amar Deus com todo o nosso ser, sem reservas. Na prática, amar a Deus é, simplesmente, permitir que ele nos ame; permitir que seu amor flua em nós; entender que não podemos conquistá-lo por méritos. Nem podemos atraí-lo por meio dos nossos feitos, prestígio ou piedade. O amor em si é dádiva dele, não conquista nossa. Portanto, a única maneira de amar a Deus é dar espaço e permitir que o seu amor aja em nós.

b) v. 39 – Amar o próximo como a nós mesmos

Jesus une com um elo o amor a Deus e ao próximo, que contém em si todos os mandamentos da lei. A medida e a norma que ele coloca do amor, ao próximo é o amor que o ser humano tem de si mesmo, naturalmente. Assim, pois, a relação íntima desses mandamentos é também evidente no judaísmo.

A forma como Jesus apresenta o enlace do duplo mandamento do amor é novo. Jesus ultrapassa, assim, o ponto de vista do judaísmo, porque a justiça e a santidade consistem no cumprimento do duplo mandamento do amor, que inclui toda a lei. Jesus reúne dois mandamentos originalmente separados, embora cada um seja ardentemente recomendado pelos rabinos. Ninguém, exceto Jesus, apresentou-os juntos como sendo os dois princípios reguladores que representam a síntese da fé (Schmidt, p. 331).

O texto do Antigo Testamento que Jesus usa como base (Lv 19.18) recomendava que os israelitas amassem os demais membros de seu povo; mais tarde isso foi ampliado e se incluíram no amor ao próximo os residentes estrangeiros, pelo menos (Lv 19.34). Ambos os mandamentos eram capitais na religião judaica. O conceito de próximo que Jesus tinha era certamente mais amplo do que o de muitos escribas (Lc 10.25-37). Não há nenhuma exortação especial feita por Jesus para amar a si mesmo; ele certamente presumia que o princípio da vida é conservá-la. O cristão, no entanto, busca mais do que isso: livremente, a partir da fé, ele ama os outros da mesma forma.

Na prática, é necessário começar exercitando o amor próprio e confiar no amor de Deus por nós, porque assim vai crescendo em nós a capacidade de ver, nas outras pessoas, criaturas que também são amadas por Deus. Somente assim poderemos respeitá-las como seres integrais. Descobrir semelhanças e diferenças. Perceber o próximo em suas alegrias e dores; ouvi-lo e tentar entendê-lo em sua real necessidade. Amar o próximo também significa estar sempre atento e aberto ao perdão de Deus, que abre novas possibilidades de vida em nós quando, por meio do pecado, fechamos espaços. Assim, o amor possibilita exercitar na prática o ato de abrir espaços aos que viram seus caminhos obstruídos pela maldade humana.

4. Textos de leitura

a) Êx 22.21-27: Este texto amplia a compreensão de “próximo”. Deus condena a exploração da miséria. O imigrante, o órfão, a viúva e o pobre devem ser protegidos pelo direito. A não-exploração desses já é o princípio do mandamento duplo do amor. As necessidades vitais do ser humano estão acima de qualquer direito de propriedade.

b) 1 Ts 1.5b-10: Os cristãos de Tessalônica compreenderam a profundidade da mensagem do evangelho. Neste texto, Paulo elogia a fé e a constante busca dessa comunidade, tornando-se “imitadores do próprio apóstolo e de Cristo”. A fé deles tem servido de exemplo para cristãos de outras comunidades. “Servir ao Deus vivo” é comprometer-se com Jesus Cristo, que nos chama a viver o duplo mandamento do amor.

5. A celebração

O texto abre muitas possibilidades para moldar a liturgia. Destaco alguns elementos da liturgia oficial da IECLB que merecem atenção:

a) Kyrie eleison: No “clamor coletivo pelas dores do mundo” é necessário destacar os tantos sinais de que o duplo mandamento do amor é ignorado, fazendo pessoas sofrerem todos os tipos de exploração e violência. O texto de leitura do Êxodo pode nos ajudar a formular a motivação do clamor a Deus.

b) Gloria in excelsis: Temos muitos motivos de louvor e adoração. Acontecem muitos sinais de que o duplo mandamento do amor é vivenciado, é um grande motivo de louvor. No texto de leitura de 1 Ts, Paulo fala de “servir ao Deus vivo”; coloquemos, pois, o nosso serviço em louvor.

c) Interpretação da palavra: Sugiro começar a interpretação lendo a estória “O coração perfeito” (ver início do estudo). Enquanto a estória é lida, duas pessoas fazem a encenação da mesma. Com corações grandes, confeccionados em papel dupla face, as duas pessoas vão interagindo, no desenrolar da leitura, por meio de mímica. Uma pessoa deve ter um coração bem recortado e liso, enquanto o da outra será todo remendado e com partes faltando. Criatividade é a palavra-chave.

– Depois da estória é necessário fazer a análise do texto bíblico de Mateus, destacando as conseqüências da prática do duplo mandamento do amor.

– O amor nos compromete com a vida. De que forma?

– Diferencial cristão é a motivação para amar. Não amamos para somar pontos, mas porque Deus nos ama primeiro e nos capacita para tal.

– Amar a Deus e ao próximo é sempre estrada de mão dupla. É sempre doação em forma de corrente.

– Há um dito popular que diz: “Tem gente que tá pior”. O amor nunca usa esse parâmetro.

d) Liturgia da eucaristia: A eucaristia é a concretização plena do amor de Deus por nós. Por isso vamos moldar uma oração eucarística, destacando a mensagem central da proclamação do evangelho: o amor. A seguir, alguns elementos que, entre outros, não podem faltar na oração eucarística.

Prefácio: É uma explosão de gratidão a Deus por amar incondicionalmente e colocar em nós a capacidade de promover o amor. Proclamar ação de graças a Deus desde a criação até a ressurreição é motivar a comunidade a viver o duplo mandamento do amor.

Anamnese: Em Cristo Deus encarna todo o seu amor pela humanidade. Vamos então reatualizar esse evento de amor, invocando Jesus do passado e tornando o amor dele presente e ativo em nosso meio.

Epiclese: O Espírito Santo é quem realiza a comunhão em Cristo. Peçamos, pois, que em torno da mesa da eucaristia o amor de Deus nos una e nos comprometa a viver o duplo mandamento do amor.

Mementos: Aqui é o momento de pedir: “Lembra-te, Senhor, dos fiéis batizados de todos os tempos...” O amor de Deus nos une em fé para proclamar a esperança do reino por meio do banquete celestial preparado para todos os seus filhos.


Bibliografia

BARBAGLIO, Guiseppe et alii. Os Evangelhos (I). São Paulo: Loyola, 1973.
BAUER, Johannes B. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Loyola, 1973.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, s.d.
SCHMID, Josef. El Evangelio Según San Marcos. Barcelona: Herder, 1973.
VV.AA. Leitura do Evangelho Segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1985.


Autor(a): Eloir Enio Weber
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 23º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 22 / Versículo Inicial: 34 / Versículo Final: 40
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23601
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