Mateus 26.36-46

Auxílio homilético

16/04/1981

Prédica: Mateus 26.36-46
Autor: Hermann Essel
Data Litúrgica: Paixão
Data da Pregação: 16/04/1981
Proclamar Libertação - Volume VI
Tema: Paixão

I – Texto

A história da luta interior de Jesus no Getsêmani está inserida no relato da Paixão. Uma comparação entre os sinóticos (Mt 26.36-46; Mc 14.3242 e Lc 22.40-46) mostra que nosso texto já se encontrava firmemente vinculado à história da Paixão desde a mais remota tradição oral.

V.36: Com eles refere-se aos discípulos mencionados no v.35. Getsêmani significa literalmente lagar de azeite. Aqui, é utilizado como nome próprio de uma plantação de oliveiras no Monte das Oliveiras. Mateus também usa, para designá-lo, o termo CHORION (pedaço de terra, propriedade). Como em Mt 14.23, Jesus busca a solidão para orar. Daí não se pode deduzir, porém, que esteja fugindo à comunhão com os discípulos (cf. vv.37 e 38).

V.37: Jesus leva consigo os três discípulos que lhe são mais chegados (cf. Mt 17.1; Mc 5.37). A expressão MET'EMOU, no y.38 - que não significa apenas a companhia física, mas também um sofrer em conjunto (ADËMONEIN = ter medo; a rigor, estar separado do povo, estar só) — mostra como é importante para Jesus a companhia dos discípulos, justamente nessa hora de temor e sofrimento.

V.38: Não há dúvida de que o trecho está muito próximo do Sl 42.6,12.

V.39: O cálice é usado para simbolizar o sofrimento e a morte (cf. Jr 25.15; Is 51.17; Sl 75.9; Ap 14.10 e outros). Sofrimento e morte - este é o caminho que Deus preestabelece para Jesus, por causa de sua ira.

V.40: Dormir e vigiar sio empregados no sentido físico, mas também podem ser compreendidos figuradamente, como preguiça e vigilância espiritual. Embora se dirijam a Pedro, as palavras de Jesus se destinam a todos os discípulos (plural).

V.41: Ao contrário do ditado alemão que diz quem dorme não peca, aponta-se aqui para a possibilidade de que o dormir (em sentido físico ou figurado) pode fazer com que não se perceba a reivindicação de Deus.

V.42: Percebe-se aqui a luta interior de Jesus para submeter-se à vontade de Deus.

V.43: Embora os discípulos estivessem acompanhando Jesus por longo tempo, nada percebem de sua luta (com a vontade de Deus).

V.44: A oração não é mais citada verbalmente - o que se torna dispensável, a partir das orações anteriores.

V.45: Jesus reconhece dolorosamente que na verdade só lhe resta andai sozinho esse caminho de Deus, apesar das assertivas dos discípulos nos vv.31-35. Filho do homem é utilizado nos sinóticos, sem dúvida, como título de honra. É muito provável que o próprio Jesus não o tenha empregado em relação a si mesmo. Antes, devemos pressupor que a comunidade pós-pascal o tenha atribuído a Jesus para tornar evidente que ele era o Messias esperado. A hora designa o começo da ação redentora de Deus, sob o paradoxo da cruz.

V.46: Este versículo é o fecho da história do Getsêmani e faz a ponte para a prisão de Jesus.

II – Meditação

Antes de mais nada, é importante dar-se conta do seguinte: nossa história é pregação concreta. Ela não foi passada adiante e registrada, simplesmente a partir de um interesse histórico objetivo, mas como testemunho de fé da comunidade para a comunidade. É importante que a perícope seja compreendida e anunciada neste sentido.

Já no testemunho da comunidade primitiva transparece aquele aspecto que viria a ter grande significado no tempo dos Pais da Igreja: a importância de não se encarar Jesus unilateralmente como Deus-homem. Justamente a comunidade pós-pascal considerava relevante compreender Jesus também como homem — com todas as consequências (sofrimento, medo, alegria, etc.). É o que fica claro no testemunho bíblico e na história da Igreja.

Talvez nos perturbe o fato de que Jesus, no Getsêmani, tenha demonstrado tão pouco heroísmo, de que tenha pedido para ser livrado do cálice (sofrimento), de que estivesse abatido e tremesse de medo. Talvez nos impressione, por vezes, a atitude do Sócrates moribundo. Contudo, esta não é a atitude do Jesus Cristo que nos é testemunhado.

Também não faz muito sentido compararmos a qualidade e quan¬tidade do sofrimento de Jesus com a de um Sócrates ou de seja lá quem for.

O que importa é o seguinte: Jesus sofreu como homem que, no mínino, pressentia o caminho traçado por Deus (cf. Kümmel); e assim se expressa no sofrimento de Jesus o protesto contra a vontade de Deus. Lá no Getsêmani o homem Jesus lutou até conseguir trilhar em obediência o caminho que Deus lhe destinara.

Não podemos dizer com certeza se o próprio Jesus chegou a entender seu sofrimento e morte como ação reconciliadora de Deus (cf. Kümmel). A pregação das testemunhas cristãs, porém, é inequívoca nesse tocante. Ou seja, desde o início a comunidade pós-pascal cria que, através do sofrimento e da morte de Jesus, a humanidade e o mundo foram reconciliados com Deus.

Na primeira oração da nossa perícope, Jesus ainda luta com a vonta¬de de Deus, até dizer, em concordância com o Pai Nosso: não seja como eu quero, e, sim, como tu queres. Já na segunda oração se evidencia sua submissão à vontade do Pai, mesmo diante do sofrimento e da morte que estão pela frente.

Sendo assim, o que significa para nós, que procuramos seguir a Jesus, aquela sua submissão no momento decisivo: seja feita a tua vontade!?

Antes de mais nada o seguinte: como se pode perceber na luta de Jesus - pela, com e contra a vontade de Deus - a submissão a essa vontade não tem nada a ver com uma espera inativa e passiva. A luta pela vontade de Deus evidencia, antes, o seguinte: lá onde é feita a tentativa séria de fazer valer a vontade de Deus neste mundo, as pessoas se orientam exclusivamente pelo mandamento de Deus, submetem-se a um questionamento e partem para a luta contra o mundo e sua realidade frequentemente dura, egoísta e grotesca. De fato, o que se esconde por trás das palavras de Jesus não é resignação. Comparado com este espírito revolucionário, o espírito revolucionário das diversas ideologias, baseado na força humana, não passa de comodismo inofensivo (Ebeling). (Neste ponto cada pregador poderá concretizar à sua maneira.)

Aos cristãos que levarem esta oração a sério é prometido que toma¬rão parte na salvação de Deus que, desde Jesus Cristo, quer penetrar o mundo na forma do amor divino.

Quando isso acontece, não é mudada apenas uma coisinha aqui, outra ali, enquanto o resto fica como está. Pelo contrário, quando isso acontece, anula-se até aquela antiga disputa filosófica sobre o que precisa ser transformado primeiro, o ser ou a consciência. Acontece que, então, o homem, e com ele todo este mundo, é renovado a partir da base. Nisto confiamos, porque cremos que desde o sofrimento do nosso Senhor Jesus Cristo este mundo se encontra sob sua promissão — a única que ainda nos permite ter esperança, no emaranhado econômico e político mundial, no qual nos encontramos.

E esse caminho de esperança começa sempre que a oração inicia com a confissão meu Pai, pois tal confissão é o ponto de partida de toda nossa esperança e anseio.

Nossa perícope, porém, também fala do fracasso dos discípulos de Jesus. Esses discípulos que tinham prometido compartilhar seu sofrimento, por três vezes Jesus os encontra dormindo, depois de lutar com Deus. Essas palavras parecem quase que expressar uma previsão dos dois mil anos de história cristã, mantendo sua validade até hoje. Num momento decisivo da história universal, os discípulos dormem. Evidentemente, pode-se arguir que um juízo tão generalizado não é correto; afinal, ao lado da grande massa que parece dormir, sempre existiram aqueles que, vigilantes, reconheceram os sinais dos tempos. Quanto a isto, não há dúvida. Tanto mais, porém, atinge-nos esse relato sobre o sono dos discípulos, como uma exortação: vigiai!

É significativo e, ao mesmo tempo, consolador, verificar que a comunidade primitiva julgava desnecessário silenciar sobre o fracasso dos discípulos. Embora Jesus tivesse, sem dúvida alguma, procurado a comunhão dos discípulos naquela hora difícil, foi certamente o doloroso reconheci-mento da vontade de Deus — e não, a resignação da ironia — que o levou a dizer, no v.45: ainda dormis e repousais! Foi o doloroso reconhecimento de que, em última instância, teria que andar sozinho esse caminho determinado por Deus.

O caminho que ele pretende andar junto com seus discípulos, Deus exige que o ande por eles. E nisso reside um consolo inabalável. (Com isso não queremos, em absoluto, bagatelizar a seriedade do que foi dito acima!)

Deus não nos entrega sozinhos ao labirinto do poder e agir humanos. Ao contrário, dá-nos a certeza de que seu plano salvífico previsto para este mundo tem consistência e é duradouro, com ou sem a participação dos homens.

O caminho que Jesus percorreu — e teve que percorrer — sozinho, a partir de Getsêmani, só pode ser entendido por aquele que — como a comunidade primitiva e os apóstolos — reconhece em Jesus Cristo o Cristo ressurreto, e nele crê, podendo, por isso, crer, viver e agir sem resignação, a partir da esperança na próxima vinda de Cristo. Assim, a intimação levantai-vos, vamos! vale da mesma forma para a comunidade de hoje, a qual, como devemos e podemos confessar, corre frequentemente o risco de ser uma comunidade que dorme. Esta exortação precisa ser levada muito a sério, para que Cristo, na sua vinda, não nos receba com aquele aniquilante juízo: Eis que o traidor se aproxima.

III – Bibliografia

- BAUER, W. Wörterbuch zum Neuen Testament. 5.ed. Berlin, 1971.
- BULTMANN, R. Geschichte der Synoptischen Tradition. 8.ed. Göttingen, 1970.
- EBELING, G. Vom Gebet. Tübingen, 1963.
- KÜMMEL, W. G. Die Theologie des Neuen Testamentes. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. complementar 3. 3.ed. Göttingen, 1976.
- VOIGT, G. Meditação sobre Mateus 26.36-46. In: Die grosse Ernte. 2,ed. Göttingen, 1976.

Proclamar Libertação 06
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Hermann Essel
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 26 / Versículo Inicial: 36 / Versículo Final: 46
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1980 / Volume: 6
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7050
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