Mateus 4.1.11

Auxílio Homilético

10/02/2008

Prédica: Mateus 4.1.11
Leituras: Gênesis 2.15-17; 3.1-7 e Romanos 5.12-19
Autor/a: Silvia Beatrice Genz / Dalcido Gaulke
Data Litúrgica: 1º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 10/02/2008
Proclamar Libertação - Volume: XXXII

1 Introdução

Os textos do presente estudo tiveram uma abordagem exegética muito boa no Proclamar Libertação nº IV, por Walter Altmann, e no nº 27, por Augusto E. Kunert. Abaixo transcrevo parte da exegese de Augusto Ernesto Kunert, pois nem todas as pessoas têm acesso ao Proclamar Libertação 27.

2 Momentos de exegese

O deserto e o jejum de 40 dias lembram situações vividas por Moisés. Ele enfrentou a solidão e esteve por 40 dias no Sinai (Gn 24.19). Temos aí duas situações marcantes. Moisés recebe no Sinai os Dez Mandamentos, a lei que orienta a vida do povo de Israel. Jesus, depois de 40 dias de reflexão e oração em jejum, obediente ao Deus do primeiro mandamento, inicia o caminho da reconciliação. Enquanto os Dez Mandamentos são a expressão da primeira aliança, a reconciliação pela cruz de Jesus é a expressão da segunda aliança de Deus com o seu povo.

As citações no v. 4 (“Não só de pão vive o homem”), no v. 7 (“Não tentarás o Senhor teu Deus”) e no v. 10 (“Ao Senhor teu Deus adorarás”) estão relacionadas com situações vividas pelo povo de Israel durante sua peregrinação pelo deserto. O povo passa pela escola da disciplina e da obediência. Os textos de Êxodo 4.2 (“Israel é meu filho”) e Deuteronômio 8.5 (“Como um homem disciplina o seu filho, assim te disciplina o Senhor teu Deus”) dão a entendê-lo assim. Israel e Jesus passam pelo caminho da obediência (NTD, p. 29).

Satanás sabe que Jesus é o Filho amado de Deus. Quer que Jesus desobedeça ao Pai. Uma vez conseguido esse objetivo, o resto, bem, o resto seria o resto com sua terrível conseqüência para a humanidade. Jesus permaneceu obediente e venceu o opositor: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” (v. 10). A resposta de Jesus lembra o conteúdo do Shemá Israel em Deuteronômio 4 e 5, que convoca o israelita a confessar, obedecer e amar a Deus “de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”. Essa, diz Voigt, “é a maneira mais sublime de manifestar a obediência ao primeiro mandamento” (Voigt, p. 159).

A tentação de Jesus e a atitude dos escribas e anciãos na crucificação apresentam semelhança. Nas duas ocasiões, a provocação é instrumento da tentação. Em Mateus 4.3 lemos: “Se és filho de Deus, manda que estas pedras...” E em Mateus 27.42, os escribas e os anciãos escarneciam: “Salvou a outros, a si mesmo não pode salvar-se”.

A multiplicação dos pães, segundo João 6.14 e 15, mostra a importância do milagre como identificação do Messias, como rei secular, muitas vezes confundido com o Messias, o Filho amado de Deus, que veio para cumprir a obra da redenção estabelecida por Deus. O povo de Israel via na multiplicação dos pães o atestado de legitimidade do Messias. A confusão levou Jesus a “retirar-se novamente sozinho para o monte” (Jo 6.19).

“Não só de pão vive o homem” – essa afirmação lembra que o alimento físico não é o único alimento da pessoa. Ele satisfaz o estômago, mata a fome. Ele é importante. Mas o ser humano necessita do alimento que vem da boca de Deus. O pão-pão é básico para a vida física. A palavra de Deus é o pão decisivo para a espiritual e física.

No conceito de Israel, e isso é importante para a compreensão do texto, a palavra de Deus significa vida. Os textos de Deuteronômio 30.15 (“Proponho hoje a vida e o bem, a morte e o mal”) e mais Deuteronômio 32.47 (“Esta palavra não é para vós outros vã, antes é a vossa vida”) atestam que a palavra de Deus, no conceito de Israel, significa “ter vida”. (PL 27, p. 70s.)

3 A tentação sob o prisma do pão de cada dia e a obediência a Deus

O tema da tentação é atual e não se esgota, pois o ser humano cria, vive e está sujeito à tentação. Mas o que significa a tentação de Cristo? O que tem a ver a tentação com o pão?

O povo de Israel esperava um messias político, revestido de poderes especiais, que desse a Israel a soberania sobre os outros povos. O pão e o poder de tê-lo sempre é o desejo do povo. A grande esperança em Jesus era que ele fosse o tão esperado messias, poderoso. O poder era desejado. Mas o Messias é o Filho amado de Deus – ser humano e Deus, fiel e obediente, mostra a vitória sobre a tentação, não realizando o desejo humano, mas a vontade de Deus. Poderíamos concluir que a obediência a Deus exclui o ter pão em abundância? Na verdade não!

Segundo Dietrich Bonhoeffer, no livro “Tentação”, nas meditações sobre a primeira e segunda tentações: “Há duas grandes interrogações na vida do homem: Uma indaga a respeito de Deus e a outra trata do pão; e as duas perguntas têm ciúmes uma da outra. Nenhuma pretende excluir totalmente a outra, mas cada uma deseja estar em primeiro lugar. Deus não exige do homem desistir da pergunta pelo pão, após ter sido resolvido, o direito ao homem de também interessar-se por Deus. Por que não faria isso?” É evidente que se Jesus tivesse aceito transformar as pedras em pão, então as pessoas iriam endeusá-lo, pois deu de comer. Por que não o fez? Tem poder para fazê-lo e assim fazer o desejo do povo, mas também o desejo de Satanás? A pergunta pela necessidade do pão em uma terra de fome é crucial e está, quase sempre, em primeiro lugar. Como igreja nos sentimos até vazios quando falamos de Deus e as pessoas estão carentes de pão. O que vem em primeiro lugar? Na concepção humana, sempre tem a classificação; primeiro, segundo, terceiro... Mas no convite de Deus tem apenas o primeiro e as demais coisas: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas essas coisas vós serão acrescentadas. Portanto não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados” (Mt 6.33-34). Podemos assim concluir que a busca pelo reino de Deus é também a busca pela transformação da sociedade.

Nem só de pão o homem, a pessoa viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. A palavra de Deus não exclui diaconia; ao contrário, a palavra nos anima e impulsiona para a diaconia. A palavra, a vontade de Deus, o evangelho, contêm vida em abundância, o pão nosso de cada dia. O problema está quando separamos por desejo humano a palavra do pão, o dia-a-dia da palavra e do pão de cada dia dado por Deus. Não há pão que não seja dado por Deus e não há palavra sem pão. Deus é o pão vivo. No Evangelho de João (6.32-35), podemos ler que Deus, o Pai, é o verdadeiro pão e Jesus é o pão da vida.

O não de Jesus a Satanás não é para que a fome continue existindo, mas para que a transformação seja total, “para que tenham vida em abundância”. A tentação foi e é vencida em Cristo.

4 As tentações

O texto de Mateus 4.1-11 descreve três tentações, cada uma com ênfases diferentes, mas com o mesmo objetivo. A vitória de Satanás sobre Jesus. Antes de analisarmos as tentações, saliento que “o tentador sempre se encontra onde há inocência. Aliás, o tentador somente se faz presente onde há inocência, pois onde há culpa ele já é vencedor. Inocência quer dizer estar preso à palavra de Deus com o coração puro e integral” (D. Bonhoeffer).

O tentador apresenta-se com a firmeza do argumento e com palavras da Escritura, procurando introduzir-se em nome de Deus e empregando a palavra de Deus. Na primeira tentação, o Espírito leva Jesus, e o ambiente é o deserto, de fome... situação de desespero: “provoque até não agüentar mais” e então a oferta de muito pão e de mostrar que tem poder. O desafio do tentador é que Jesus se submeta a seu desejo e faça a sua vontade e não a vontade do Pai. A resposta mostra a integralidade de fé e vida. Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede de Deus.

Na segunda tentação, o diabo levou-o à cidade santa, sobre o lugar mais alto do templo. Um lugar aparentemente de Deus. Ali não deveria mais haver espaço para o tentador, mas tem, e Jesus vai até lá para mais uma vez dizer que a palavra de Deus é um todo. O tentador faz uso da palavra de Deus. Atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenarás a teu respeito que te guardem; e eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. Aparentemente o lugar ideal, no sentido humano, para uma demonstração de poder e receber o aplauso e a simpatia das massas. Estaria aí a oportunidade para o poder e resolução de alguns problemas pessoais e particulares? E a vontade de Deus? A resposta também está escrita: Não tentarás o Senhor, teu Deus.

Na terceira tentação, o tentador vai ao assunto sem rodeios, não faz mais uso da palavra de Deus, sem máscara e sem rodeios, em um monte muito alto, mostrando todos os reinos e a glória deles... Afirma: Tudo isto te darei se prostrado me adorares. A resposta de Jesus é definitiva: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.

A resposta de Jesus mostra a vontade de Deus; tem ascendência sobre nós, mas quer pela fé e pelo amor, e não pelo domínio, pela opressão, pelo poder da grandeza e do material. Deus quer vida, e para todos ele quer o reino. Não se trata nesse texto da luta pelo pão, mas da afirmação de que o reino de Deus é o presente para a nova vida sem males. Isso é que importa. O caminho percorrido por Jesus é da obra de Deus que se completa com a morte na cruz, ressurreição e envio. A graça de Deus é revelada, seu amor, e a transformação pela fé, que é a sua obra em nós. Ele se dá para que assim possamos resistir ao diabo, ao tentador e a todas as forças de morte.

5 Fome com dispensas abarrotadas

Há muita fome nos dias de hoje, há carência de pão, conforme a explicação de Martim Lutero sobre a petição do Pai-Nosso: “O pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Significa que Deus, na verdade, também dá o pão de cada dia sem a nossa prece a todos os homens maus. Suplicamos, porém, nessa petição que nos faça reconhecê-lo e receber com agradecimento o pão de cada dia.

Que significa o pão de cada dia? Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida, como: comida, bebida, vestes, calçado, casa, lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, empregados bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, amigos leais, vizinhos fiéis e coisas semelhantes. Deus dá o pão para todos. E diante de Deus somos todos maus e dele por sua graça recebemos o perdão e o pão de cada dia de graça.

Deus dá o pão a todos; Satanás quer que as pessoas pensem e vivam o contrário. Pão só para alguns. Deus dá e quer pão e sua palavra, sua bênção para todos. Não importa se posso trabalhar, se trabalho ou não, todos recebem de Deus o pão, e esse deve ser alimento para todas as pessoas e para todos os seres vivos.

A humanidade organizou diferentes sistemas econômicos, poderíamos dizer sistemas de vida, mas também de morte. Pois sistemas que aceleram e aumentam a sede do ter mais, do consumir mais, do acumular mais, além da necessidade, são sistemas que não brotam do Triúno Deus.

Nos dias de hoje, sabemos que há alimento e condições de vida para todos, mas falta a palavra de Deus, falta viver sob e da graça de Deus. Falta a espiritualidade para pobres e ricos, para governantes e governados, para trabalhadores/as e superiores... Onde a palavra de Deus está ausente, as pessoas iludem-se achando que podem viver somente de pão e não do Pão que Deus dá, que abrange o ser humano como um todo. Para as pessoas que confiam em Deus acima de tudo, a palavra e o pão nosso são inseparáveis. Onde pessoas se agarram a questões materiais e são vencidas pela tentação do poder e do acúmulo, há vazio existencial. A fome de vida plena mais cedo ou mais tarde se apresenta.

Ao analisar a sexta petição do Pai-Nosso, Martim Lutero diz: “Deus, em verdade, não tenta ninguém; mas suplicamos nessa petição que nos guarde e preserve, para que o diabo, o mundo e a nossa carne não nos enganem, nem nos seduzam a crenças falsas, desespero e outras grandes infâmias e vícios; e ainda que tentados, vençamos afinal e retenhamos a vitória”. Somos facilmente aliciados sem o poder Deus, como alimento do dia-a-dia da vida. Somente em Deus, em Cristo e pela força do Espírito Santo conseguimos vencer as tentações.

A tentação é inevitável, mas oramos para que Deus nos dê forças para vencer as tentações. Somente Ele pode fazer o que pedimos: “Não nos deixe cair em tentação”. Até podemos ser tentados, mas não nos deixe cair, sucumbir. Em Cristo nos é dada a vitória. Ele resistiu e venceu. As três tentativas que o texto apresenta mostram o poder de Deus e o caminho dos que confiam nele. Dizer não para as tentações somente é possível com a força de Deus.

O atrativo e a força aliciadora do poder, do ser mais, do ter mais e poder dominar sobre os outros arrastam muitas pessoas para a busca de riquezas, o acúmulo de bens materiais, afastando da verdadeira riqueza que vem de Deus. Em Mateus 6.19-21, Jesus fala e alerta para não acumular tesouros na terra, onde traça e ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam, mas ajuntai tesouros no céu... Pois onde está o teu tesouro, ali estará também o teu coração.

Deus em Cristo nos dá a vitória sobre as tentações. Somos animados, chamados para vigiar e orar continuamente. Deus quer que por sua força e pela fé sejamos mais do que vencedores/as, que saibamos dizer não e sim no momento certo e sejamos herdeiros/as de seu reino.

6 Sugestões para a pregação

A pregação deve ser um convite para viver sob a graça e o amor de Deus. A palavra de Deus apresenta um reino de irmãos e irmãs, de amor a Deus e justiça entre as pessoas. E isso é o que há de mais essencial para a vida, vale mais do que todas as necessidades materiais. Lembremos, no entanto, que a afirmação de Jesus “nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” foi empregada somente como arma de defesa contra o diabo e jamais como ataque contra os pobres. Quando Ele esteve com famintos, não só os consolou, mas lhes deu pão e os cativou para que aceitassem o evangelho como pão da vida.

A palavra de Deus, o evangelho, é fundamental e traz à nova realidade sem fome e sem sede. Nenhuma fome e nenhuma sede – esse é o desejo de Deus. Mesmo que a tendência do nosso tempo seja enfatizar o material, o poder. Faz-se necessário anunciar que Deus não quer o acúmulo, a ganância e o apego às coisas materiais. Deus quer ser o único Deus. Quer que o nosso coração confie plenamente e totalmente nele.

Mostrar a evolução de ofertas que acontecem nas três tentações. Elas são tudo o que a gente poderia desejar. A resposta é a palavra de Deus. Quais são as tentações hoje? Como elas são apresentadas? Como resistir? Jesus disse não com a palavra de Deus:
1 – “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”;
2 – “Não tentarás o Senhor, teu Deus”;
3 – “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto”.

Nossas forças não vencem Satanás, mas a palavra, o Verbo eterno o vencerá (HPD 97, versos 1a 4. Hino de Lutero).

Bibliografia

BONHOEFFER, Dietrich. Tentação. Porto Alegre: Metrópole, p. 31-55.
KUNERT, Augusto E. 1º Domingo da Quaresma. In: HOEFELMANN, Verner;
DA SILVA, João A. M. (eds). Proclamar Libertação, v. 27. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 70-79.
VOIGT, Gottfried. Homiletische Auslegung der Predigttexte. Reihe I. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1978.
 


Autor(a): Silvia Beatrice Genz / Dalcido Gaulke
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 1º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 24201
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