Miquéias 5.2-5

Auxílio Homilético

24/12/2001

Prédica: Miquéias 5.2-5
Leituras: Mateus 1.18-25 e Atos 13. 16-25
Autor: Vanderlei Defreyn
Data Litúrgica: Véspera de Natal
Data da Pregação: 24/12/2001
Proclamar Libertação - Volume: XXVII
Tema: Natal

1. Introdução

Miquéias provinha de um meio rural e por isso conhecia muito bem as amarguras dos homens do campo humilde, submetido à exploração que vinha da capital Jerusalém e à prepotência dos grandes proprietários rurais, que “cobiçam campos, fazem violência a um homem e à sua casa” (2.2). Ele atuou durante os governos de Jotão (742-735 a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e de Ezequias (715-687 a.C.). Assim, sua atuação deve ter começado já antes da queda de Samaria, capital do Reino do Norte, em 722 a.C. Ele exerceu sua atividade em Judá (Reino do Sul), mas também dirigiu suas críticas a Israel, o Reino do Norte.

O livro de Miquéias está dividido em três partes principais:
1-3: predominam oráculos de natureza social, com denúncias contra Jerusalém e Samaria (representantes das classes governantes dos dois reinos). Em ambas se fomentava a maldade dos governantes e poderosos (3.1-3), a injustiça dos juízes (3.9-10) e a corrupção dos sacerdotes e profetas (3.5-7,11), de modo que por causa deles Jerusalém será destruída.
4-5: aqui predominam a esperança de um tempo final, com oráculos de salvação. Um tema importante é a esperança do fim das guerras, quando “espadas serão transformadas em relhos e lanças em podadeiras” (4.3).
6-7: dirige-se a Israel, onde é expressa a amargura pela infidelidade do povo e termina com a esperança que surge do amor de Deus por seu povo.

2.Considerações exegéticas

Existem muitas controvérsias a respeito do significado de vários elementos desta profecia de Miquéias. Não vou reproduzir aqui as diferentes opiniões, mas como o texto não é de fácil compreensão sem alguns esclarecimentos, creio que é necessário explicar alguns desses elementos. Dado que há controvérsias, é claro que tive a liberdade de, entre as explicações, escolher a que me pareceu mais convincente, ficando a cargo do leitor concordar ou não.

v. 2 – O fato de o Messias vir de Belém, cidade insignificante, revela a preferência de Deus pelo contrário da fortuna e grandeza humanas. É uma crítica à prepotência dos que governam a partir da capital Jerusalém e revela uma amargura em relação aos poderosos. O poder de Deus é enfatizado ao contrário das expectativas humanas. O “grupo de milhares de Judá” refere-se a uma forma de organização pré-monarquia (uma subdivisão das tribos). “O que há de reinar” traz consigo a crítica contra os que reinam no momento. “E cujas origens são desde os tempos antigos” é controverso. Pode ser uma alusão à efemeridade dos reis que aí estão em contraste com os planos de Deus, que já desde o início do mundo tem preparado um rei. Pode ser também uma compreensão de um tempo antes de Davi, cujo reinado representa uma era fundante, diferente da era atual.

v. 3 – “O Senhor os entregará” revela que o seu povo foi entregue aos inimigos pelo próprio Javé, no presente, mas durante um tempo apenas limitado. “A que está em dores tiver dado à luz” pode significar uma referência ao tempo do exílio e dispersão e ao nascimento como o fim do sofrimento, quando o povo restante retornar para Israel. (Em função disso, muitos autores afirmam que esta parte não é original de Miquéias.)

v. 4 – É feita uma descrição do reino. “Ele se manterá firme” indica que o seu reino irá durar , resistindo contra todas as mudanças e desafios da história. “Apascentar” indica uma forma de governar em que serão garantidas proteção e provisão para as necessidades básicas do povo (assim como o pastor de ovelhas cuida do necessário para seu rebanho). Ele irá governar na “majestade do nome do Senhor” e não por sua próprias forças.

v. 5a – “Este será a nossa paz”: é muito importante lembrar o sentido que a palavra paz tem em hebraico. É um sentido tão amplo, que em nenhuma outra língua pode ser expresso com uma só palavra. Shalom quer dizer “estar completo”, “estar são”, “estar bem em todos os sentidos”. Ela tem um sentido social e religioso. Não se trata apenas da ausência de guerras e conflitos entre as pessoas, mas também da reconciliação com Deus, que possibilita a paz com os nossos semelhantes. É uma paz com justiça, que gera total satisfação pessoal e coletiva.

3.Considerações hermenêuticas

O tema central é a promessa do rei que virá. Este rei esperado é de caráter político, e a idéia de que ele sempre existiu não deve ser interpretada com a teoria da preexistência. Como escreve G. Voigt (Die geliebte Welt, p. 46), não se deve logo imaginar que o profeta estivesse pensando em Jesus Cristo: o Messias esperado era de caráter político. No entanto, a “fé que compreende” entende que aqui existem ligações. Se para o profeta não estava claro qual o verdadeiro caráter do Messias que traria a paz, para Deus isto estava mais claro. E vale também para os profetas que eles não conseguem entender completamente os planos de Deus e só entendem para seu tempo. O ser humano necessita concretizar as promessas de Deus para sua realidade, mas isto não significa que elas vão acontecer do jeito que o ser humano as concretizou no seu imaginário. Por isso, não são as promessas de Deus que falham e sim as nossas expectativas sobrepostas às suas promessas. Nós, cristãos, somos privilegiados, porque podemos ver aquilo que o profeta não podia ver, ou seja, que a realização de tão grande paz iniciaria com o nascimento de Cristo (mesmo que ela ainda não se consumou!).

4. Considerações homiléticas

Apesar das muitas controvérsias exegéticas, o texto tem um cerne sobre o qual não há muito a discutir: a promessa de segurança, paz e justiça, que seria trazida por um líder que iria reinar contra a injustiça, o sofrimento e a angústia. Por isso, o texto é extremamente atual. Na pregação, não se deve esquecer o contexto social que está por trás da promessa, mas a ênfase do texto está na promessa, e isto deve ser lembrado, ainda mais que se trata de um texto que será trabalhado na véspera de Natal. Por isso, considero que o verso 5a deva ser enfatizado.

Paz e simplicidade

A paz só entende quem não a tem. E para vermos onde não há paz, basta olharmos para as nossas vidas, assim como fez Miquéias, que iniciou a partir do olhar para o povo oprimido. A esse povo Miquéias apresenta a majestade de Deus, que é contra esse estado de coisas. Deus não fica indiferente e vai cuidar para que os promotores da injustiça sejam aniquilados.

Creio que é valioso para nós o fato de que o que é prometido por esse rei não é prosperidade: é basicamente segurança e paz. Sua função será apascentar, ou seja, dar o que é necessário para a sobrevivência. Sabemos que atualmente a fonte de muita infelicidade não é a ausência do básico para sobreviver, mas sim a vontade de ter cada vez mais, alimentada pela indústria do consumo.

Quando se fala em falta de paz atualmente, não há como não pensar na relação com a globalização, que, além de uma forte exclusão social, gera uma fortíssima insegurança. No culto, estarão certamente muitos excluídos (quantas pessoas da comunidade, que perderam seu emprego que lhes dava um bom padrão de vida, não conseguem mais uma colocação?). No entanto, mesmo aqueles que estão “se dando bem” dentro do sistema sofrem de uma grande insegurança, expressa na máxima “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Vivem constantemente a angústia de perder o emprego ou de sucumbir diante da concorrência. É impossível ter paz assim!

Nossos adolescentes são seduzidos por parte da mídia a consumir. Os pais aproveitam o apelo consumista e incutem em seus filhos que para conseguirem consumir vão ter que estar aptos a competir, já que é certo que não haverá emprego para todos. Assim jovens têm cargas horárias massacrantes nas escolas. Para eles também não é fácil ter paz!

Qual a solução? Divertimento desenfreado para esquecer ou um psicólogo tem sido a solução mais comum. Cada um de nós poderia precisar disso e certamente faz uso. No entanto, se olharmos com os olhos da fé, de Miquéias, vem uma esperança mais duradoura: o tempo das dores daquela que vai dar à luz um dia vai acabar, e o salvador nascerá!

Ele não vai trazer prosperidade para todos e alto padrão de consumo. Muito melhor: ele vai apascentar o seu rebanho com segurança. Não haverá necessidade de sonhar com um sistema de segurança infalível. Não haverá necessidade de consumo irrefreado e nem luta desesperada para sustentar esse consumo: vai haver paz, reconciliação com Deus e com o próximo.

E não podemos esquecer a simplicidade dentro da qual essa promessa se realiza: o Salvador vem da pequena e insignificante Belém. E veio de um jeito muito simples: nasceu num curral! Sem grande marketing e exploração sensacionalista, de que somos vítimas atualmente. Não veio com um grande exército poderoso, mas surgiu na forma de uma criança. Por isso, é bom ter em mente: paz e simplicidade andam juntas!

Creio que é propício, por se tratar de um culto de véspera de Natal, enfatizar essa paz que o salvador nos traz, mas que está relacionada à simplicidade, a uma atitude de vida que não se deixa levar pela angústia do apelo consumista e que sabe valorizar mais as pessoas do que as coisas.

Na reflexão de Natal, seria importante aproveitar o sentido da palavra shalom e estimular as pessoas a desejarem shalom uma às outras.
Importante enfocar que, para sentirmos o shalom, devemos ter a capacidade de nos deixar “apascentar” por aquele que “é a nossa paz” e não deixar nossa vida ser guiada pelos valores da sociedade individualista.

Bibliografia:

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, edição revista e atualizada. Barueri : Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
FOHRER, G., SELLIN, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo : Paulinas, 1978. v. 2.
LELIÉVRE, A., MAILLOT, A. Atualidade de Miquéias, um grande profeta menor. São Paulo : Paulinas, 1980.
VOIGT, Gottfried. Die geliebte Welt : homiletische Auslegung der Predigttexte. Reihe III. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1980.
WOLF, Hans Walter. Mit Micha Reden. München : Chr. Kayser, 1978.


Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Vanderlei Defreyn
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal
Perfil do Domingo: Véspera de Natal
Testamento: Antigo / Livro: Miqueias / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 2 / Versículo Final: 5
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2001 / Volume: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 6993
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