Neemias 8.1-3, 5-6, 8-10

Auxílio Homilético

24/01/2010

Prédica: Neemias 8.1-3, 5-6, 8-10
Leituras: Lucas 4.14-21 e 1 Coríntios 12.12-31a
Autor: Odete Líber de Almeida
Data Litúrgica: 3º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 24/01/2010
Proclamar Libertação - Volume: XXXIV


1. Introdução

Neemias 8 é um texto que pertence a uma unidade maior, Neemias 8-10, que foi compilado com o objetivo de apresentar a renovação da aliança da comunidade restaurada no período pós-exílico. Como unidade, Neemias 8 é delimitado pela indicação da data (v. 1) e o v. 13, que continua a narrativa ao apresentar a frase inicial: “no segundo dia”. Além disso, apresenta uma unidade temática, isto é, a leitura e explicação da lei por Esdras ao povo de Deus, o qual, com boa vontade, respondeu às exigências que lhe foram feitas. A leitura da lei estabelece também a ligação com a segunda parte do capítulo (v. 13-18), a celebração da festa dos tabernáculos, que está subordinada a esse tema maior; os v. 13-15 relacionam-se com Esdras e a lei, enquanto os v. 16-17 mencionam a festa que foi observada pelo povo de Deus. Neemias 8 focaliza a leitura da lei por Esdras ao povo de Deus reunido. Tudo o que está envolvido no texto, incluindo os elementos litúrgicos dos v. 5-6, está subordinado à leitura da lei.

2. Considerações exegéticas

Neemias 8 é uma narrativa da reunião do povo de Deus para ouvir a lei na época de Esdras e Neemias. A razão para a reunião não é apresentada, mas se pode deduzir de Levítico 23.23-25 que eles se reuniram “no primeiro dia do sétimo mês”, por ser considerado dia do descanso consagrado ao Senhor, provavelmente o festival do Ano Novo. Levítico chama o primeiro dia do sétimo mês de “dia de completo descanso”, convocação santa para ser comemorada com sons de trombetas. O sétimo mês era também o tempo em que o altar tinha sido erguido e no qual a comunidade começava o culto do sacrifício (Ed 3.3).

A iniciativa para a leitura pública da lei veio de todo o povo de Deus, ou seja, toda a assembleia reunida, composta por mulheres, homens e, pelo menos, algumas crianças: “todos os que eram capazes de entender o que ouviam” (v. 2-3). Foi então construído um “púlpito de madeira” (ARA), o povo permaneceu em pé até que Esdras finalizasse a leitura da lei, que durou da “alva até ao meio-dia” (v. 3). Apesar de tempo tão longo, o povo permaneceu atento e ouviu com atenção o que estava sendo lido.

Esdras e os levitas aplicaram a lei à situação contemporânea. Os levitas eram responsáveis pela interpretação da lei, tendo aproximadamente o mesmo papel atribuído a eles em 2 Crônicas 17.7-9. Esdras também bendisse o povo, que respondeu “amém” duas vezes (Dt 10.17; Jr 32.18; Dn 9.4; Ne 1.5; 9.32). Não é fácil saber que textos foram lidos e o que foi acrescentado hermeneuticamente (8.14-18), mas a leitura da lei e sua explicação tiveram grande efeito sobre o povo de Deus, que se tornou consciente de seus pecados e chorou por causa deles. Em vez de uma reunião festiva, o povo chorou, uma reação que não está muito de acordo com o caráter do dia que deveria ser de alegria.

Esdras, contudo, exortou o povo a não chorar, embora eles tivessem essa reação ao ouvir a leitura da lei, provavelmente refletindo sua culpa por não observála atentamente. A leitura da lei levou o povo ao choro, mas Esdras não queria que o povo regressasse às suas casas naquela situação. Era necessário considerar que aquele dia era “santo” ao Senhor, além de estar relacionado com a promulgação da lei na renovação da aliança a cada sete anos (Dt 31.9-13). Esses dias de festa eram regularmente associados à alegria no Antigo Testamento (Dt 12.1; 16.11), talvez por estar ligados ao memorial da graça de Deus para com seu povo em seus atos históricos de redenção.

O povo foi enviado a suas casas para comer e beber, porque aquele dia deveria ser não de amargura, mas sim de regozijo. Era uma refeição de “ação de graças”, e porções dela foram enviadas aos que não tiveram a oportunidade – ou haviam se afastado – de se preparar para aquela celebração (Ne 8.12). Esdras disse também ao povo para não chorar ao partir, porque a “alegria do Senhor é a vossa força” (v. 10). “A alegria do Senhor” era a alegria que cada israelita sentia nesses festivais, à medida que se identificava com o povo de Deus e com a salvação e, de forma apropriada, em sua própria geração, com a salvação que fora dada aos antepassados. Nesse ato de identificação, que assumia a forma de uma alegre celebração, estava a proteção do povo, cuja força estava na “alegria do Senhor”.

3. Sugestões para a prédica

O tema dominante de Neemias 8 é a leitura da lei de Deus, sua explicação e a consequente resposta do povo. O povo reunido ouviu a lei de Deus e respondeu às exigências feitas. A leitura da lei por Esdras e o ensino dos levitas ao povo de Deus levaram-no à compreensão do que fora lido e, portanto, à alegria. Num primeiro momento, a leitura da lei produziu tristeza, mas Esdras e os levitas asseguraram que a mensagem da lei envolvia também a graça e a salvação dispensadas não somente aos antepassados, mas também ao povo de Deus atual, transformando sua tristeza em alegria.

Há uma grande distância ente a teoria e a prática da autoridade da Escritura. A ortodoxia protestante geralmente sustenta que somente a Bíblia deve regular a fé e a conduta dos cristãos. Contudo, qual é o valor dessa autoridade se ela não é corretamente entendida? Além disso, o que acontece quando os textos individuais são entendidos de forma contrária ao ensino prevalecente da Escritura como um todo? Em outras palavras, o texto sem uma hermenêutica aceitável corre o perigo de tornar-se nada mais do que um objeto fossilizado de veneração.

Tanto no passado como hoje a palavra de Deus é orientação para nossas vidas. Há hoje, muitas vezes, um zelo puro e simples ou um mero discurso a respeito das Escrituras Sagradas, o que não é suficiente para a vida da igreja cristã, pois pode transformar-se numa ortodoxia sem entendimento, sem nenhuma relação com a vida da comunidade cristã como povo de Deus. As Escrituras de- vem ser, para nós, orientação de Deus e livro que conduz à vida. Lembremos que a palavra definitiva de Deus não é de exclusão ou julgamento, mas sim um convite de sua própria graça.

3.1 – Pistas práticas para a vivência na comunidade

Na época de Neemias, havia falta de identidade de fé, resultado da assimilação de outras práticas religiosas, de radicalismos na prática religiosa e de alianças por interesse econômico. O povo estava confuso, e Neemias evitou o fantasma da desintegração da comunidade. Ele mostrou como se enfrenta o desafio da reconstrução moral, social, econômica, política e religiosa de um povo angustiado, dividido e oprimido ao promover a solidariedade entre os irmãos e irmãs da comunidade judaica. Foi nesse contexto que a leitura da lei por Esdras assegurou ao povo que a mensagem da lei envolvia a graça e a salvação ao atual povo de Deus, o qual transformou e transforma a tristeza em alegria. Nesse sentido, Neemias contrariou e eliminou as tendências desintegradoras na comunidade, reforçou as antigas práticas e costumes tribais e religiosos e fez a comunidade redescobrir sua identidade em meio à adversidade.

Nossa sociedade desintegra-se dia a dia, e a comunidade cristã deve participar da reconstrução da comunidade de fé, propiciando identidade pessoal e comunitária. Manter a memória dos textos bíblicos, da lei, é contribuir para que mulheres e homens, ao se depararem com catástrofes e confusões, afluências e dor ou perturbações, saibam como lidar com essas situações (Dt 6.20-24). O senso de identidade se expressa na forma de histórias – vividas, contadas, recontadas e intersubjetivamente transformadas. Esse caráter “historiado” da identidade permite-nos referir-se a ela como identidade narrativa. As histórias contadas pelas pessoas são não somente uma prática social, mas também uma atividade de autoconhecimento: as pessoas se reconhecem e transformam ao engendrar novos significados e comportamentos e tomar posição frente a eles numa perspectiva ética e religiosa.

Esdras não mediu esforços para atingir seu objetivo, para que todos/as respondessem sim a Deus com um gesto público e solene. E ao responderem sim a Deus, encontraram sua identidade, sua história e vivenciaram sua fé. A fé é uma orientação da personalidade em relação a si mesma, ao próximo, ao universo; é uma resposta total; uma forma de ver as coisas e de lidar com as coisas com as quais se lida, quaisquer que sejam; uma capacidade de viver além do nível mundano; de ver, sentir e agir em termos de uma dimensão transcendente.

Identidade e fé implicam sempre um alinhamento do coração ou da vontade, um compromisso de confiança e lealdade. Significa que a comunidade de fé e as pessoas que dela fazem parte descobrem uma nova forma de vivenciar a palavra de Deus, porque colocam, sem qualquer equívoco, o coração “em”. E colocar o coração “em alguém” ou “em algo” requer que a pessoa tenha “visto” ou “veja o propósito de” aquilo a que ela é leal. A identidade e a fé, portanto, implicam visão. É um modo de conhecer, de reconhecimento, de manifestação da graça de Deus, que se antepõe a toda atividade humana tanto no plano social como individual/ pessoal. Uma pessoa ou uma comunidade comprometem-se com aquilo que é conhecido ou reconhecido e vivem lealmente, tendo sua vida e caráter moldados por esse comprometimento.

A vida é graça, e não conquista e mérito. A vida de cada pessoa reflete a vida de sua comunidade, de sua identidade e de sua fé.

4. Imagens para a prédica

Bússola – A bússola é um objeto com uma agulha magnética que é atraída para o polo magnético terrestre. A história nos diz que sua invenção é atribuída aos chineses. Uma enciclopédia chinesa descreve a fabricação de agulhas magnéticas, as quais previam os acontecimentos futuros. Mais tarde, essas agulhas passaram a indicar o caminho aos navegantes. Em poucas palavras, a bússola é um pequeno imã em forma de agulha que gira sobre uma rosa-dos-ventos. Afastada de qualquer imã, é um eficiente instrumento de orientação, uma vez que aponta sempre para o polo norte terrestre. Do mesmo modo, a palavra de Deus é orientação para nossas vidas. A mensagem da palavra de Deus traz a graça e a salvação não somente aos antepassados, mas também ao povo de Deus atual. Afinal, ela transforma toda a tristeza em alegria.

Cântico – “Tua Palavra na vida”: Tua palavra na vida
é fonte que jamais seca, água que anima e restaura todos que a queiram beber.

Tua palavra na vida
é qual semente que brota, torna-se bom alimento, pão que não há de faltar.

Tua palavra na vida
é luz que os passos clareia para que ao fim no horizonte se veja o reino de Deus.

5. Subsídios litúrgicos

Invocação:

Deus, Criador de todas as coisas, que nos fizeste à tua imagem e semelhança, invocamos a tua presença entre nós. Declaramos que dependemos de ti e de tua graça. Que a presença de Jesus, que se fez ser humano e esteve entre nós demonstrando seu amor eterno, e a presença do Espírito Santo nos anime e encoraje, para que possamos ser o povo que se identifica com o povo de Deus e a salvação que por ele nos é dada. Amém.

Confissão de pecados comunitária:

Deus, nós nos aproximamos humildemente para te pedir perdão. Perdão, Senhor, porque não temos sido povo cuja força está na “tua alegria”. Perdão, Senhor, porque não temos promovido a solidariedade entre os irmãos e irmãs desta comunidade e não temos vivenciado a tua palavra e nos afastamos de ti. Perdão, Senhor, porque esquecemos a tua vontade e pecamos contra a vida humana. Per- dão, Senhor, porque valorizamos a aparência e não a essência. Perdão, Senhor, porque valorizamos o ter e não o ser e, com isso, desrespeitamos o ser humano na sua totalidade, porque os tratamos como objetos descartáveis. Perdão, Senhor, porque ferimos as pessoas e não as respeitamos em suas diferenças. Perdão, Senhor, porque sua Palavra não tem sido orientação para nossas vidas. Perdão, Senhor, é o que te pedimos e te suplicamos. Concede-nos o perdão e fortalece a nossa fé para que nos animemos a agir de modo diferente! Perdão, Senhor!

Envio e bênção:

Conhecendo a graça de Deus em Cristo Jesus e atentos e atentas às palavras das Escrituras, orientação de Deus e livro que conduz à vida, que possamos lembrar, no decorrer da semana, que a palavra definitiva de Deus não é de exclusão ou julgamento, mas sim um convite de sua própria graça. Que sejamos conhecedoras e conhecedores de nós mesmos, com identidade e fé, e que a nossa vida seja um reflexo da vida em comunidade. Vão em paz e que Deus abençoe, guarde e fortaleça a todos vocês.

Bibliografia

FENSHAM, F. Charles. The books of Ezra and Nehemiah. Grand Rapid (Michigan): W. B. E. Publishing Company, 1982.
FOWLER, James. Estágios da fé: a psicologia do desenvolvimento humano e a busca de sentido. São Leopoldo: Sinodal/IEPG, 1992.
THE NEW INTERPRETER’S BIBLE. Nashville: Abingdon Press, 1999. WILLIAMSON, H. G. M. Ezra, Nehemiah. Word Biblical Commentary. Waco
(Texas): Word Book, Publisher, 1985.


Autor(a): Odete Líber de Almeida
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 3º Domingo após Epifania
Testamento: Antigo / Livro: Neemias / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2009 / Volume: 34
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18598
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