Números 21.4-9

Auxílio homilético

28/03/1982

Prédica: Números 21.4-9
Autor: Edmundo Grübber
Data Litúrgica: 5º Domingo da Quaresma/Judica
Data da Pregação: 28/03/1982
Proclamar Libertação - Volume:VII


I — Introdução

O texto de Nm 21.4-9 é previsto para servir de base para a pregação no 5° Domingo da Quaresma, ou da Paixão, denominado Judica. Com exceção do Domingo de Ramos, todos os outros domingos na Quaresma receberam o seu nome a partir de textos bíblicos e chamam-se: invocavit = Ele me invoca(SI 91.15); Reminiscere — Lembra-te, Senhor (SI 25.6); Oculi = Os meus olhos se elevam (Sl 25.15); Laetare - Regozijai-vos (Is 66.10) e Judica Faze-me justiça (S! 43.1). Os textos que deram origem ao nome desses domingos, são usa¬dos também como intróito na liturgia dos respectivos cultos. Judica — Faze-me justiça, expressa saudade. Saudade por tempos e situações do passado. Expressa o desejo e o pedido de que Deus intervenha e traga mudança, libertação da situação atual.

Também o texto de Nm 21.4-9 expressa, no fundo, o desejo por mudança, por libertação. O povo de Israel esqueceu todos os feitos de Deus em seu favor. Esqueceu como Deus o conduziu e protegeu, de uma maneira maravilhosa, até então. O povo vê apenas o agora, a sua situação atual, e lembra, com saudade, o tempo em que viveu no Egito, principalmente quanto à alimentação, pois se queixa: Por que nos fizeste subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há pão nem água?” (v.5) O povo está insatisfeito com a situação e de¬seja mudança, libertação.

Por essa razão o texto adapta-se perfeitamente ao significado do Domingo Judica.

II — O texto

Nm 21.4-9 tem muita semelhança com outras passagens que relatam a peregrinação do povo de Israel pelo deserto, desde a saída do Egito. Esses relatos sempre se referem à impaciência, ao descontentamento, ao murmurar, ao falar do povo contra Moisés, Arão, contra o próprio Deus (cf. Êx 16.2ss; 17.3; 32.1ss; Nm 11.1ss; 14.2ss e outros). As murmurações contra Moisés e Arão são, em última análise, sempre murmurações contra o próprio Deus, mesmo que isso não seja expressamente dito, pois os dois são enviados de Deus e cumprem suas ordens. O motivo do descontentamento, das murmurações, é a situação difícil que o povo encontra no deserto, ...não há pão nem água(v.5). Jaspers aponta que este murmurar é interpretado de várias maneiras: como falta de confiança em Deus(Êx 16.8), tentação a Deus (Êx 17.2, Nm 14.22), provocação e desprezo a Deus (Nm 14.11.23), levante ou revolta contra Deus (Nm 14.35).

Enquanto, na maioria dos casos em que o povo manifestava o seu descontentamento, Deus vinha ao seu encontro providenciando o que era reclamado (cf. Êx 16.4.12: 17.6), aqui neste texto ele envia castigo através das serpentes abrasadoras; em consequência, morrem muitos do povo de Israel (v. 6). Alarmado com o que estava acontecendo, o povo arrepende-se e solicita que Moisés interceda junto a Deus (v 7). Este, mais uma vez, vem ao encontro do povo e está disposto a perdoar, mas condiciona a libertação. Ordena que Moisés faça uma serpente de bronze e a coloque numa haste, afirmando que ... todo mordido que a mirar,: viverá (v. 8). A libertação da morte depende de fixar o olhar na serpente abrasadora.

De acordo com 2 Rs 18.4, encontrava-se exposto no templo de Jerusalém, por longos anos (até cerca de 700 a. C.), o Neustã, uma serpente de latão. À pergunta sobre o seu significado, sobre a sua origem, fazia-se referência a um acontecimento que tinha semelhança com o relato de Nm 21.4-9. Dessa forma a existência do Neustã, exposto e venerado pelos fiéis no templo de Jerusalém, era atribuída a Moisés e através deste ao próprio Deus, que dera a ordem para a sua confecção no deserto.

Não há, no entanto, indicação alguma de que a serpente abrasadora, feita por Moisés, tenha sido levada pelo povo, ao longo de sua peregrinação, até a sua fixação definitiva. É provável que o Neustã tenha a sua origem na religiosidade popular da época, sendo-lhe atribuída poder de proteger contra serpentes e as suas mordeduras. E compreensível também que o povo, para justificar a existência da serpente abrasadora no templo, procurasse relacioná-la com Deus.

Nm 21.4-9 não teria esta importância, não fosse o evangelista João relacionar esse conto com a crucificação de Jesus (Jo 3.14-15). Só por intermédio deste relacionamento o texto recebe valor e conteúdo para a pregação de hoje. E é só a partir de Jo 3.14-15 que ele pode e deve ser interpretado. (L.Fendt).


III — Meditação

A história se repete. Ela comprova o que está escrito em Gn 8.21b: o desígnio do homem é mau desde a sua mocidade. O ser hu¬mano, desde a sua criação, está insatisfeito, reclama, murmura. Adão e Eva estavam insatisfeitos. Queriam ser iguais a Deus. Desde então, acompanhando a história da humanidade, vamos, sempre de novo constatar essa tendência nas pessoas.

O povo de Israel no Egito gemia sob o jugo da escravidão. Clamava por libertação. Quando esta vem, canta aleluia. Mas diante de di¬ficuldades que a nova situação lhes traz, a maravilhosa ajuda e intervenção de Deus está esquecida e passa-se a reclamar e a criticar as circunstâncias atuais, e a lembrar, com saudade, somente os bons momentos dos tempos passados. Esquecido está o sofrimento e o jugo da escravidão, e são lembradas apenas as panelas de carne (Êx 16.3). Esquecida está a liberdade conquistada, e é vista apenas a dificuldade atual. não há pão nem água (v.5).

Deus, no entanto, é misericordioso e tem paciência com o povo, apesar de tudo. Mesmo quando decide castigá-lo, permite e oferece uma saída para aquele que se arrepende. O nosso texto o comprova com muita clareza. Aparentemente a paciência de Deus parece estar no fim. Tantas e tantas reivindicações ouviu e atendeu, que o povo já deveria confiar mais em Deus. O povo já deveria ter notado, já deveria saber que Deus quer o seu bem, que está ao seu lado e não o deixara só, também não no deserto. Mas, nada!

Aí Deus resolve castigar sua gente através das serpentes abrasadoras. Arrependido, o povo pede a Moisés que interceda por ele junto a Deus. E Deus, atendendo a oração de seu servo, encontra e oferece novamente uma saída para ajudar o seu povo. Ordena que Moisés faça uma serpente de bronze e a erga numa haste, afirmando ... todo mordido que a mirar, viverá(v.8b). E diz o texto: Fez Moisés uma serpente de bronze, e a pôs sobre uma haste; sendo alguém mordido por alguma serpente, se olhava para a de bronze, sarava.(v.9)

Mas a história de Deus com a humanidade não terminou aí. Ela continuou e continua. E, nessa continuação, ela tem muita semelhança com a história do povo de Israel no deserto. Continua a desobediência, o desprezo a Deus. Mas continuou e continua também o amor de Deus para com o seu povo. Este amor, em seu auge, é manifestado no envio e no sacrifício do próprio Filho. Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo3.16) Assim como a serpente abrasadora de bronze, erguida por Moisés no deserto, representava vida para todo aquele que tinha sido picado, desde que a fitasse, assim Deus dispôs que Jesus, erguido numa cruz, se tornasse a vida para todo aquele que nele cresse. Do modo por que Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, paia que todo o que nele crê tenha a vida eterna. (Jo 3.14-15)

Deus, pois, pagou um alto preço pela nossa libertação do pecado, do mal e da morte. Urge que o reconheçamos! Urge reconhecermos que ... não foi mediante cousas corruptíveis, como prata e ouro, que fostes resgatados... mas pelo precioso sangue de Cristo. (1Pe 1.18-19)

Aceitar e viver a libertação que Deus nos oferece em Jesus Cristo, implica uma nova visão das coisas. Implica que o velho Adão um nos deve ser afogado diariamente com todos os pecados e maus anseios. através do arrependimento, e sair e ressurgir um novo homem que vive em pureza e justiça perante Deus eternamente (Lutero). Implica ruptura com o velho homem, abandono do velho homem. E isso significa sofrimento. Um tumor em nós só pode ser eliminado através di! uma intervenção cirúrgica, que é dolorida.

É engano pensar que libertação seria a transformação imediata e radical da dificuldade em facilidade. É engano pensar que libertação seria a eliminação do sofrimento e da morte, e que, em consequência, a vida seria um mar de rosas, uma vida sem problemas. Ao contrário, libertação significa luta contra novas dificuldades e adversidades, muitas vezes maiores do que as anteriores, mas que valem a pena serem enfrentadas por causa da liberdade.

O povo de Israel foi libertado da escravidão no Egito. Mas durante a peregrinação enfrentou inúmeras outras dificuldades, privações e tentações. Em retrospecto, vencidas todas as adversidades. pode-se, no entanto, dizer que valeu a pena enfrentar todas aquelas provações, considerando-se o resultado, o alvo final da peregrinação: a terra prometida.

Libertação significa ruptura com o passado, significa abandono de situações anteriores. Para o povo de Israel significou o abandono de fartura em alimentação, a desistência das panelas de carne (Nm 11.5; Êx 16.3). Para os discípulos de Jesus significou o abandono de das profissões, redes e embarcações (Mt 4.20, Mc 1.18; Lc 5.11). Para Zaqueu significou o abandono da exploração e a devolução, em quatro vives mais, daquilo em que tinha defraudado alguém (Lc 19.8).

Cristo conquistou na cruz a nossa libertação. Aceitá-la significa não mais viver preso ao velho Adão, ao antigo padrão de vida, mas viver a vida nova que Cristo nos oferece. Pois ... se alguém está em Cristo, é nova criatura, as cousas antigas já passaram, eis que se fizeram novas.' (2Co 5.17)

Por isso, libertação significa para nós, luta árdua e constante contra o egoísmo, orgulho, comodismo e medo. Mas esta luta vale a pena, quando temos em mente que somos peregrinos em direção ao alvo, em direção ao Reino de Deus. E, estamos aptos para esta luta, somente quando mantemos o nosso olhar fixo em Cristo. Somente com o nosso olhar fixo em Cristo, somos capazes de viver a nova vida que nele nos oferece, e que se manifesta no relacionamento com os outros em amor.

IV — Sugestão para a prédica

Seguir o caminho desenvolvido na meditação é uma possibilidade, com destaque para os seguintes tópicos:

a) A história se repete.

b) Deus pagou alto preço por nossa libertação.

c) Aceitar a libertação implica uma nova visão das coisas. Implica ruptura com o velho Adão. Aqui é importante uma análise do velho na comunidade, que deve sofrer transformação. Libertação exige e possibilita um novo comportamento perante Deus, e se concretiza no nosso comportamento perante os homens.(Lein)

d) Só com os olhos voltados para Cristo é possível viver a nova vida.

V — Subsídios Litúrgicos

1. Confissão de pecados: Eterno Deus e Pai. Nesta época da Paixão, quando somos novamente lembrados do sofrimento e da morte de Jesus, teu Filho, sentimos quão grande foi e é o teu amor para conosco e para com todas as pessoas. Sentimos também quão grande é a nossa culpa. Sentimos e reco¬nhecemos que estamos presos ao nosso eu: sentimos e reconhecemos que no dia a dia de nossa vida estamos por demais atarefados e preocupados conosco, esquecendo-nos da responsabilidade que, como cristãos, lemos também por aqueles que estão ao nosso lado. Reconhecemos, arrependidos. Senhor, que na maioria das vezes, só te confessamos com os nossos lábios, sem que a nossa vida diária reluta algo dessa confissão. Mas, confiantes em teu amor e em tua misericórdia, manifestados desde os primórdios da humanidade, pedimos-te perdão. Aproximamo-nos, portanto, humildemente e clamamos: Tem piedade de nós. Senhor!

2.Oração de coleta: Senhor, nosso Deus Estamos reunidos aqui para louvar e adorar-te com nossos hinos e nossas orações, e para ouvir a tua palavra. Dá, Senhor, que nada nos perturbe e faça divagar os nossos pensamentos. Ajuda-nos para que concentremos toda a nossa atenção em tua palavra. Concede-nos o teu Santo Espírito para que possamos ouvir e entender corretamente o que nos tens a dizer. Fala, Senhor, os teus servos ouvem. Amém

3 Leitura bíblica: 1 Pe 1.17-25.

4. Assuntos para oração final: agradecimento a Deus pelo amor com que nos ama, agradecimento pela paciência que Deus teve e tem conosco e a humanidade; agradecimento por nossa libertação em Jesus Cristo; intercessão por todos os que vivem em escravidão, no mais amplo sentido (psicológico, físico e econômico): marginalizados, explorados, oprimidos, etc.: súplica para que possamos viver a libertação que Jesus Cristo trouxe, no dia a dia de nossa vida; súplica pelo Espírito Santo, para que possamos ser agentes de libertação para todos que vivem em escravidão.

VI — Bibliografia

- CRAMER. K. Grundriss des Alten Testaments. Altenburg, 19/1
- FENDT, L. Die neuen Perikopen. In: Handbuch zum Neuen Testament. Vol.23. Tübingen, 1941.
- LEIN, W. O futuro já começou. Vida nova. In: Curso de Formação Teológica para Líderes, Tema 8.(Panambi) 1975.
- MACKINTOSH, C. H. Estudos sobre o Livro de Números. Lisboa (1965).
- NOTH, M. Das vierte Buch Mose. In: Das Alte Testament Deutsch. Vol. 7. Göttingen, 1966.
- AYLE, J. C. Comentário expositivo do Evangelho Segundo João. São Paulo, 1957.


Autor(a): Edmundo Grübber
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 5º Domingo na Quaresma
Testamento: Antigo / Livro: Números / Capitulo: 21 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1981 / Volume: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13161
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