O Espírito Santo | João 15.26-27; 16.4-15

Domingo de Pentecostes

23/05/2021

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

hoje é o Domingo de Pentecostes. Hoje comemoramos o aniversário da Igreja Cristã. Após Jesus subir aos céus, os discípulos estavam reunidos em Jerusalém quando o Espírito Santo desceu sobre eles. Assim como Jesus só morreu e ressuscitou uma vez, também ó Pentecostes é um evento único na História da Salvação. O evento foi tão maravilhoso que, ao estarem reunidas pessoas de diversos povos, cada um pôde compreender a mensagem na sua própria língua. Daquele dia em diante, a mensagem de Jesus Cristo foi espalhada entre os judeus e não-judeus. Através do impulso do Espírito Santo, a mensagem do Salvador poderia ser proclamada até os confins da terra (cf. Atos 1.8).

Jesus havia prometido o Espírito Santo. Jesus faz seu discurso de despedida aos discípulos porque tinha clareza da sua missão. A cruz era, de fato, inevitável. Por mais horrorosa que a crucificação seja, ela não foi um erro de percurso, mas um ato que estava para se realizar na História da Salvação. Precisávamos ser salvos e a cruz foi a solução quando o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo – Jesus Cristo – foi sacrificado e moído para que nós sejamos inocentados.

Jesus iria morrer, ressuscitar e voltar aos céus. E então? O que aconteceria com os seus discípulos? O que aconteceria com a sua mensagem? Como o evangelho seria pregado se o próprio Evangelho em pessoa – que é o Senhor Jesus – não estaria mais entre eles? Jesus traz palavras consoladoras. Os cristãos – como depois fomos chamados – não ficariam órfãos. Os irmãos e irmãs não deveriam perturbar o seu coração, mas crer em Deus, crer em Jesus e esperançar nas moradas celestiais (cf. João 14.1-3); Ele é o caminho, a verdade e a vida e ninguém vai ao Pai senão por ele (cf. João 14.6). Antes de ir para a morte, o próprio Senhor Jesus prometeu: “Não deixarei que fiquem órfãos.” (João 14.18). Um órfão é alguém que se encontra perdido no mundo. Carrega somente um sobrenome com uma identidade que nem sabe de onde vem. Esse não é o caso dos cristãos: eles não estarão sozinhos! A identidade do cristão é preservada pelo Espírito Santo.

A promessa se cumpriu. Dez dias após Jesus subir aos céus e assentar-se à direita de seu Pai, o Espírito Santo foi enviado. Isso aconteceu cinquenta dias após a Páscoa, por isso o evento é chamado de Pentecostes. O Consolador vem para amparar a Igreja de Cristo em todos os tempos, épocas, alegrias e sofrimentos. O Espírito Santo é enviado pelo Pai e por meio do Filho. O Espírito Santo sempre existiu. Ele já pairava sobre as águas no ato da criação do mundo (cf. Gênesis 1.2). Agora, ele é derramado sobre a Igreja de Cristo para que ela seja impulsionada em sua missão.

Jesus revela quem é o Espírito Santo. Ele traz duas características no texto que ouvimos. São elas:

1 CONSOLADOR (v. 26a)

O ser humano destrói aquilo que Deus criou. Com isso, destrói também a si mesmo. Adão foi formado do pó da terra. Portanto, somos do mesmo “material” da Criação. Atentar contra a Criação de Deus é, no fim das contas, atentar contra a nossa própria vida. Isso não é outra coisa senão suicídio. Por causa do pecado original, cometemos pecados diariamente que prejudicam a Criação de Deus e a nossa própria vida.

A Criação não pecou, mas sofre por causa dos nossos pecados. Ela geme e sofre as dores de um parto (cf. Romanos 8.22). Deveríamos ser os jardineiros da Criação de Deus para cuidá-la e preservá-la, mas esquecemos que somos feitos do mesmo “material” que ela. Achamos que nós mesmos somos deuses sobre a Criação e por isso exploramos e destruímos a fim de lucrar acima de tudo. Temos devastado o belo jardim de Deus.

Ao mesmo tempo, sofremos com as consequências desta destruição. Com o aquecimento global, as calotas polares estão derretendo. Pesquisas muito competentes indicam que há muitos vírus e bactérias que estão congelados no Ártico. Uma notícia do site BBC afirma que “um estudo francês de 2014 pegou um vírus de 30 mil anos congelado no permafrost, e o aqueceu novamente em laboratório. Ele voltou à vida na mesma hora, 300 séculos depois”1. Permafrost é um tipo de solo encontrado na região do Ártico. É muito possível que também o coronavírus tenha sido liberado através do derretimento das calotas polares. Maltratamos a Criação e, fazendo isso, maltratamos a nós mesmos.

É por isso que o Consolador é enviado. O Espírito Santo age no mundo e na Igreja. O Consolador clama por humanos e organizações que, em toda parte, busquem auxiliar em favor da Criação. O Espírito Santo é o Consolador porque age com solidariedade para conosco e com a Criação. O Espírito quer preservar a Criação; nós, porém, a matamos por causa dos nossos próprios interesses pessoais ou institucionais.

O Espírito Santo é o Consolador do povo de Deus. Também em meio aos nossos gemidos, lágrimas e sofrimentos, o Consolador é enviado a fim de trazer a presença do Cristo a quem sofre. Na força do Espírito Santo, Deus, em Jesus Cristo, sente a nossa fraqueza. Através do Espírito Santo, somos lembrados que em Jesus Cristo Deus se fez pobre com os pobres e sofrido com os sofridos. Diante do medo da morte e do diabo, o Espírito Santo nos Consola ao nos lembrar daquele que já venceu a morte e não apenas o diabo, mas o inferno inteiro. O Espírito Santo não nos consola com palavras vazias, mas relembrando o amor-ação que Deus tem por nós. Em nossos gemidos, ele geme conosco e intercede por nós com gemidos inexprimíveis (cf. Romanos 8.26).

Além de ser o Consolador, ele é também o:

2 ESPÍRITO DA VERDADE (v. 26b)

No Espírito de Deus, não há mentira. É o Espírito Santo quem preserva a doutrina da Igreja. É através do Espírito Santo que a Verdade é conhecida. É na força do Espírito Santo que o Evangelho é ensinado corretamente de geração em geração. Onde o ensino é mentiroso e onde a doutrina bíblica não é correta, ali não pode estar presente o Espírito Santo, pois ele é o Espírito da Verdade. Onde há falsidade, mentira e calúnia, ali está a presença do diabo que é o pai da mentira (cf. João 8.44).

Após o derramamento do Espírito Santo, a primeira característica da Igreja Cristã lembrada por Lucas é que eles “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (Atos 2.42). O ensino era coerente e correto. O apóstolo Paulo alerta que “virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, se rodearão de mestres segundo as suas próprias cobiças; como que sentindo coceira nos ouvidos.” (2 Timóteo 4.3). E diz mais: “Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.” (2 Timóteo 4.4). Naquele tempo, pregar-se-á a doutrina correta, mas ela não será ouvida. Será preferido o ensino incorreto que agrada aos ouvidos do que o ensino correto que confronta a maneira como vivemos a nossa vida como cristãos e cristãs.

Agostinho, um pai da Igreja, diz no seu famoso livro “As Confissões”:

Como não admitem ser enganados, detestam ser convencidos do seu erro. Assim, odeiam a verdade porque amam aquilo que supõem ser a verdade. Amam-na quando ela brilha, e a odeiam quando ela os repreende.2

A verdade é amada quando brilha, mas odiada quando nos repreende! E Jesus afirma que o Consolador é o Espírito da Verdade por causa disso, pois somos consolados em nosso sofrimento, mas também confrontados quando andamos por caminhos de mentira, falsidade e calúnia. O apóstolo Paulo testemunha disso ao dizer: “Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito para sempre. Amém!”. (Romanos 1.25).

Onde o Espírito Santo está presente, ali se confessará a Jesus adequadamente. Olhemos com muita atenção o que o apóstolo João nos diz: “Amados, não deem crédito a qualquer espírito, mas provem os espíritos para ver se procedem de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído mundo agora. Nisto vocês reconhecem o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa isso a respeito de Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual vocês ouviam dizer que viria e que agora já está no mundo.” (1 João 4.1-3). Se o ensino não diz que Jesus se fez carne, ou seja, fraco, pobre, sofredor, então ali não pode estar o Espírito Santo de Deus. O Espírito Santo confessa a Jesus como o Verbo Encarnado que morreu e ressuscitou. Onde isso não é proclamado, ali não há a presença do Espírito Santo de Deus.

Por isso, a presença do Espírito Santo na Igreja quer alertar sobre a verdade, pois em todos os tempos e épocas surgem falsos profetas com falsos testemunhos a respeito da Palavra de Deus. O discernimento é concedido apenas pelo próprio Espírito Santo a partir do exame fiel das Escrituras. Por isso, é tarefa dos cristãos a leitura bíblica. É através do conhecimento bíblico que o Espírito Santo nos concede discernimento de ensinos. Quem não conhece a Bíblia pode cair facilmente em qualquer propaganda enganosa que é feita por aí.

Além da identidade do Espírito Santo que nós acabamos de ouvir (Consolador e Espírito da Verdade), Jesus também nos aponta as três obras do Espírito Santo que também precisamos ver e aprender:

1. Convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (v. 8): O Espírito Santo é quem nos convence de nosso pecado e que precisamos do Salvador. Ele faz com que estejamos cientes da nossa realidade pecaminosa para que corramos aos pés da cruz de Jesus. É o Espírito Santo quem faz a nossa consciência ficar pesada diante de Deus. Porém, ao invés de querermos fugir de Deus como Adão e Eva, o convite do Consolador é para irmos diante do crucificado em arrependimento sincero e dispostos a uma mudança e transformação das nossas vidas. Sem o agir do Espírito Santo, seríamos incrédulos por toda a eternidade e nunca seríamos iluminados pela Palavra de Deus para que pudéssemos ver a nossa própria sujeira.

A nossa natureza é inclinada ao pecado. Não há nada em nós mesmos que possa agradar a Deus. Não existe centelha divina ou de bondade no ser humano. Por isso, o Espírito Santo nos convence do nosso pecado para que possamos crer e vivermos diante de Deus e do mundo. Por isso, o Espírito Santo nos convence da justiça. Não apenas tomamos consciência da nossa pecaminosidade, mas também da graça de Deus. Deus nos torna justos por causa de Cristo. Através da obra de Cristo na cruz, Deus, como juiz, julgou os nossos pecados e os condenou no Filho oferecido para o nosso perdão. O Espírito Santo nos convence de que somente Cristo pode nos oferecer a justificação pela fé.

Assim, também somos convencidos do juízo. Se ainda não cremos e nem confessamos a Jesus Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador de nossas vidas, o convencimento do juízo leva ao desespero; do contrário, leva à graça. O diabo e seus anjos serão julgados e os verdadeiros crentes herdarão a vida eterna. Jesus diz: “Quem nele crê não é condenado, mas o que não crê já está condenado, porque não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” (João 3.18). O apóstolo João nos afirma: “Meus filhinhos, estas coisas escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. Ele é a oferta pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro.” (1 João 2.1-2). Portanto, se o inimigo quiser nos acusar e amedrontar com o juízo final, podemos dizer que temos um Advogado que nos defende: Jesus Cristo. Isso é obra do Espírito Santo, o Consolador.

2. Guiará em toda a verdade (v. 13): Já falamos desse aspecto anteriormente. Não precisamos aprofundar novamente. A segunda obra do Espírito Santo é a de guiar os fiéis pela verdade para que não caiam nas tentações do inimigo e nem na lábia dos falsos profetas deste mundo.

3. Ele me glorificará (v. 14): A obra mais importante do Espírito Santo é glorificar Jesus. O Senhor Jesus Cristo é o Deus-Filho, a Segunda Pessoa da Trindade e está no centro da Trindade. O missionário e professor Dr. Euler Renato Westphal diz: “O Espírito supera a relação Eu-Tu de Pai e Filho, introduzindo o Nós. A lógica do Espírito Santo é a união entre as Pessoas divinas”3. Ele diz também: “é fundamental considerar o Espírito como elo de amor dentro da Trindade. O amor entre as Pessoas da Trindade é o próprio Espírito”4.

O Espírito Santo sempre glorificará e apontará para Jesus. A obra do Espírito Santo é fazer a ponte entre aquilo que aconteceu a quase dois mil anos atrás na cruz e atualizar a obra de Cristo para nós como se Jesus tivesse morrido e ressuscitado hoje. A obra do Espírito Santo é a de testemunhar de Jesus. Sua obra é que creiamos na loucura e na vergonha do Deus que foi humilhado na morte e morte de cruz. O Espírito Santo não irá apontar para nenhum outro senão somente e exclusivamente para Jesus morto e ressurreto. “O Espírito emerge com a missão se ser memória que atualiza permanentemente o significado da encarnação, da prática e da mensagem de Jesus. O Espírito conserva a continuidade entre o passado e o presente da história”5. Aliás, a concepção de Maria aconteceu através do Espírito Santo. A Encarnação de Jesus é obra do Espírito Santo, pois a obra do Espírito Santo é glorificar a Jesus.

Amados irmãos, amadas irmãs,

hoje é Pentecostes. É dia de celebrar o Consolador, o defensor da verdadeira fé, aquele que nos convence do pecado, da justiça e do juízo e que glorifica a Jesus. Sem o derramamento do Espírito Santo, não haveria a Igreja. Através do Espírito Santo, Deus está presente entre nós em nossas dúvidas, angústias e sofrimentos. Não estamos órfãos, mas temos o Consolador. Também não estamos perdidos, pois há o Espírito de Deus que quer nos fazer encontrar a verdade sobre seu único Filho.

O Espírito Santo intercede pela Criação que geme e também por nós em nossos gemidos e sofrimentos; diante dos nossos pecados que querem tirar a nossa paz, o Espírito Santo aponta para Jesus que revelou o rosto misericordioso e amoroso de Deus; em meio às nossas fraquezas, o Espírito Santo intercede por nós com gemidos inexprimíveis; o Espírito Santo é quem nos convence através da leitura e pregação correta da Palavra de Deus; o Espírito Santo é a presença de Deus no mundo; ele é o Vento que sopra onde quer.

Termino citando a explicação do Reformador Martinho Lutero para o Terceiro Artigo do Credo Apostólico. Lutero diz:

Creio que por minha própria inteligência ou capacidade, não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem chegar a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, reúne, ilumina e santifica toda a Igreja na terra, e em Jesus Cristo a conserva na verdadeira e única fé. Nesta Igreja ele perdoa, cada dia e plenamente, todos os pecados a mim e a todas as pessoas que creem. E, no último dia, ressuscitará a mim e a todos os mortos e dará a vida eterna a mim e a todas as pessoas que creem em Cristo. Isto é certamente verdade.6

Amém.


DOMINGO DE PENTECOSTES | VERMELHO | TEMPO COMUM | ANO B

23 de Maio de 2021


P. William Felipe Zacarias


1 SMEDLEY, Tim. “De gases a vírus, o veneno que é espalhado pelo derretimento das geleiras”. Londres, BBC: 26. jul. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-52971813>. Acesso em: 21. mai. 2021.

2 AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. Vol. 10. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2018. p. 210.

3 WESTPHAL, Euler Renato. O Deus cristão: um estudo sobre a Teologia Trinitária de Leonardo Boff. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 108.

4 WESTPHAL, 2003. p. 109.

5 WESTPHAL, 2003. p. 112.

6 LUTERO, Martim. Catecismo Menor. 16. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2011. p. 11.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 26 / Versículo Final: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 62586
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Arrisco e coloco a minha confiança somente no único Deus, invisível e incompreensível, o que criou o céu e a terra.
Martim Lutero
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