Aos quatorze anos, quando li a Bíblia pela primeira vez, fui confrontado com várias surpresas. Estava acostumado a ouvir, por exemplo, que filhos deveriam obedecer aos seus pais e ponto final. Não sabia que na Bíblia havia uma palavra que, tratando deste assunto, ia além. O apelo claro para que pais não irritem seus filhos, faz sentido. Filhos que só ouvem cobranças, não chegam a entender o que é amor, não conseguem respirar harmonia e não curtem a paz e muito menos obedecerão aos seus pais.
Esta semana fui confrontado com um texto do teólogo católico Hans Küng, da Suiça, intitulado O Cristianismo irrita muita gente!. Mais uma vez uma surpresa, e por que não dizer, um choque?! Küng é conhecido como um teólogo polêmico, mas o alerta deste homem, quando olharmos para tudo o que é dito e feito hoje em nome da fé cristã, faz muito sentido. O ser e o agir dos cristãos deveria agradar às pessoas que estão à procura de sentido para as suas vidas; que estão à procura de solução para os seus problemas, muitas vezes de sobrevivência; que estão à procura de referências para as suas lutas num mundo onde a corrupção parece querer se impor de forma definitiva. O testemunho cristão deveria apontar para a fraternidade, a vida honesta e a completa observância da vontade de Deus.
Muitas são as denominações religiosas que pregam aos quatro ventos e o número de seguidores por enquanto ainda cresce. Mas dói demais ver a palavra de Deus ser deturpada diariamente na televisão, nos templos e nas ruas. De um lado ainda temos quem pregue a infalibilidade de suas autoridades hierárquicas e de outro, pregadores que já não ensinam o repartir, mas tão-somente um teologia da prosperidade. Para prosperar de forma vertiginosa, de forma que qualquer pobre possa tornar-se rico da noite para o dia, não sobra mais espaço para o repartir, para o contentar-se com apenas uma sandália e uma túnica.Ou seja, a vida simples e a prática da humildade, eixos básicos da conduta propalada pelo Mestre, isso não tem mais nenhum espaço.
Não sabemos até que ponto os seguidores destas religiões conseguem subir na escala socio-econômica. Sabemos, isso sim, que os donos de tais igrejas prosperam muito. O dinheiro constrói mansões, compra canais de televisão, patrocina campanhas políticas milionárias, enfim, o dinheiro coloca tais líderes no centro do poder deste mundo. É isso que Küng denuncia. É legítima tal busca por poder? Pode isso ser feito em nome do cristianismo? Muitas são as pessoas que ainda não foram alcançadas pela fé cristâ, ensejando um revigoramento da nossa ação missionária. Mas quando o que se vê sobre o cristianismo destoa fortemente daquilo que foi pregado por Cristo, esta investida pode facilmente encontrar portas fechadas.
O cristianismo que está na mídia, de fato, irrita muita gente. Inclusive eu me sinto irritado e ferido quando ouço discursos feitos em nome da fé que professo, como sendo a real vontade de Cristo para os dias de hoje. O farisaísmo e a ganância, tanto questionados e denunciados por Jesus, parecem ter tomado conta de muitos agentes que erguem a bandeira do cristianismo.Não, cristianismo autêntico nunca poderia irritar ninguém, a não ser aos tiranos deste mundo, que são desmascarados pela ação profética dos cristãos, pela ação missionária e pela vivência qualificada do Evangelho. Não é hora de calar sobre a mensagem de Cristo ao mundo. A busca pela imitação de Cristo é sempre um bom recomeço!
Luiz Artur Eichholz
Representante Sinodal no Conselho de Igreja
Sínodo Planalto Rio-Grandense
