Palavras são mais que palavras

01/12/1999

Palavras são mais que palavras

João Artur Müller da Silva

As palavras são um instrumento importante na comunicação entre os seres humanos. Desde os tempos remotos, elas foram integrando-se às relações humanas, contendo em si as mais diferentes mensagens. Desde o princípio da história da humanidade, as palavras exigiram intimidade de quem as pronunciava. Quanto mais íntimo alguém for das palavras, mais beleza, vigor e sentido poderá extrair delas. Palavra e ser humano precisam ser amigos. Intensidade e emotividade são sentimentos que preenchem palavras pronunciadas por nós.

Palavras são mais do que um agrupamento de letras. São mais do que uma seqüência frazal, do que um conjunto de parágrafos. Palavras são instrumentos que usamos para nossa comunicação. Necessitamos delas para falar conosco mesmos. Com elas falamos com Deus, com elas cantamos louvores e confessamos nossas falhas. Com elas falamos com nossos semelhantes e compartilhamos nossos sentimentos e vivências.

As palavras do poeta Kahlil Gibran soam como um alerta para nossos ouvidos neste final de milênio: ¨As palavras não têm tempo. Pronunciando-as, escrevendo-as tenha consciência de sua eternidade¨.

Neste breve recado encontramos inserido um conceito com o qual temos dificuldade de lidar: o compromisso. Sim, você leu corretamente: compromisso. Percebo uma certa indiferença e até aversão a esta palavra tão nobre e tão significativa: o compromisso. O compromisso da palavra, o compromisso com a palavra.

Jesus Cristo acrescenta à nossa reflexão um lembrete tão ou mais comprometedor: — Eu afirmo que no Dia do Juízo cada um vai prestar contas de toda a palavra inútil que falou. (Mateus 12.36) Ele reconhece a importância e o significado da palavra na comunicação humana. Ele também reconhece que a palavra tem poder. Lembremos a confissão de fé no livro bíblico de Gênesis, no primeiro capítulo: Que haja luz!... Que haja no meio da água... Que a água que está debaixo... Que a terra produza todo tipo... E assim aconteceu... Sim, a palavra que usamos cotidianamente também tem poder. Tem força. Tem magia. Tem energia. Tem vigor.

Jesus acrescenta um adjetivo ao substantivo palavra: inútil. E isto faz a diferença. A partir do momento que centramos nossa atenção neste adjetivo, precisamos reconhecer que ele está coberto de razão. E por quê? Simplesmente porque as palavras que saem de nossa boca nem sempre são palavras boas, edificantes, consoladoras, reconciliadoras, amorosas... Jesus conhece o íntimo do ser humano. De cada um de nós. Ele sabe que do interior das pessoas podem sair boas palavras, mas também podem brotar palavras ruins, más, perversas, destruidoras, palavras capazes de ferir e causar sofrimento ao nosso semelhante.

Quando Jesus se refere ao Dia do Juízo, ele está convidando seus ouvintes ao arrependimento. Vamos recordar a missão de Jesus: ele veio ao mundo para chamar os pecadores ao arrependimento. Ou não? Bem, ele o faz de várias maneiras. Nesta passagem bíblica, Jesus aponta para a palavra que usamos em nossas conversas cotidianas. E hoje, como também no passado, precisamos considerar que a palavra, tão forte, tão poderosa, deixa-se também manipular por pessoas que a usam para dominar, explorar, enganar os outros.

Quantas palavras mentirosas (olha aí o adjetivo!) ouvimos no noticiário da TV?

Quantas palavras mentirosas ouvimos nos discursos de senadores, deputados, vereadores e prefeitos?

Quantas palavras mentirosas lemos nos jornais?

Quantas palavras mentirosas lemos nas entrevistas de artistas globais?

Quantas palavras mentirosas ouvimos nos pronunciamentos do presidente da república e dos ministros de estado?

Quando Jesus acrescenta o adjetivo inútil ao substantivo palavra, ele quer alertar para o perigo que estamos correndo. Ele está dizendo que temos um compromisso com as palavras que pronunciamos, que escrevemos, que cantamos, que televisionamos. Gostemos ou não, Jesus deixa claro que Deus, o Senhor, vai exigir de nós uma prestação de contas sobre as palavras pronunciadas.

Isto o assusta? Se sua resposta é não, então, lhe digo: você ainda tem tempo para aprender a se responsabilizar por suas palavras. Se sua resposta é sim, então, lhe digo: você está no caminho do arrependimento. E isto é bom.

Quando Jesus pronunciou estas palavras, ele estava dialogando com os fariseus e escribas do seu tempo, que resistiam aos seus ensinamentos, que resistiam à conversão. O Novo Testamento quando se refere à conversão quer dizer uma só coisa: arrepender-se e crer no Evangelho. Esta é a atitude esperada por Jesus de todas as pessoas que reconhecem que muitas de suas palavras são inúteis.

Vale a pena ler de novo o apóstolo Paulo em Efésios 4.29: ¨Não digam palavras que façam mal aos outros, mas usem apenas palavras boas, que ajudem os outros a crescer na fé e a conseguir o que necessitam, para que aquilo que vocês dizem faça bem aos que ouvem¨.

Jesus é bastante enfático com seus companheiros de conversa, porque ele sabe que os fariseus e escribas usaram palavras para ferir e explorar pessoas. Então, ele anuncia que Deus vai cobrar de cada pessoa. Todos nós, inclusive você, prestaremos contas de todas as palavras, como também prestaremos contas do copo d'água oferecido ao sedento, da hospitalidade oferecida aos estranhos, da roupa compartilhada com os necessitados... (leia Mateus 25.31-46).

Convido você, leitor, leitora, do Anuário Evangélico, a firmar um compromisso: use a palavra para expressar alegria, promover união, estimular a auto-estima, defender a paz, construir a cidadania. E juntos, você e eu, vamos registrar na memória e no coração o compromisso de articular palavras que dignifiquem a vida. Combinado?


O autor é pastor da IECLB e gerente editorial da Editora Sinodal, e reside em São Leopoldo, RS


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Autor(a): João Artur Müller da Silva
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2000 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999
Natureza do Texto: Artigo
ID: 33093
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