Relações de gênero

19/10/2013

Relações de gênero

Pa. Dra. Claudete Beise Ulrich1

Introdução

Quando falamos sobre “relações de gênero”, a respeito do quê mesmo estamos falando? Na verdade, nos referimos a uma categoria de análise, da mesma forma quando utilizamos as categorias classe, raça/etnia, geração/idade. Quando fazemos uso da gramática na língua portuguesa e buscamos uma palavra, perguntamos se ela é do gênero masculino ou feminino. A linguagem é uma construção sociocultural que influencia na forma como entendemos o ser homem e ser mulher. De acordo com Joana Maria Pedro:

Em português, todos os seres animados e inanimados tem gênero. Entretanto, somente alguns seres vivos têm sexo. Nem todas as espécies se reproduzem de forma sexuada; mesmo assim, as palavras que as designam, na nossa língua, lhes atribuem um gênero. E era justamente pelo fato de que as palavras
na maioria das línguas tem gênero, mas não tem sexo, que os movimentos feministas e de mulheres, nos anos oitenta, passaram a usar a palavra “gênero” no lugar de “sexo”. Buscavam, desta forma, reforçar a ideia de que as diferenças que se constatavam nos comportamentos de homens e mulheres não eram dependentes do “sexo” como questão biológica, mas sim eram definidos pelo “gênero” e, portanto, ligados com a cultura. 2

Definição do conceito “relações de gênero’’ Esse conceito nasce a partir do movimento das mulheres em sua luta por igualdade e justiça. É dentro desse contexto de lutas sociais que ele é gerado. Segundo os estudos das ciências humanas e sociais, o conceito de “relações de gênero” se refere à construção sócio-histórico-cultural do sexo anatômico e foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão social. Isto significa, concretamente, que, na espécie humana, há machos e fêmeas, porém, a maneira de ser homem e de ser mulher é determinada pelo contexto histórico-cultural. Assim, gênero aponta para o
fato de que homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia dos seus corpos. Nós somos pessoas educadas para sermos mulheres ou para sermos homens, dentro de um determinado contexto ou realidade.3

Joan Wallach Scott afirma em seu texto Gênero: uma categoria útil de análise histórica, publicado no Brasil, em 1990, que: “O núcleo essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder.” Para a autora, portanto, o conceito “relações de gênero” é constituído por relações sociais e estas estão baseadas nas diferenças percebidas pelos sexos, fortalecendo relações de poder.4 O que motivou esta autora a teorizar sobre “gênero” foi “apontar e modificar as desigualdades entre homens e mulheres.” Ela pretendia propor uma análise sobre “como as
hierarquias de gênero são construídas, legitimadas, contestadas e mantidas”5, vencendo, dessa forma, o determinismo biológico que afirma: assim
é uma mulher e assim é um homem. O uso da categoria de análise de gênero permite que se focalize e reflita sobre as relações entre homens e mulheres, mas também sobre as relações entre homens e homens e entre mulheres e mulheres.

Entendendo o uso da categoria de análise de gênero em nosso cotidiano

Certamente, você já ouviu pais e mães dizendo para uma criança, do sexo masculino, que homem não chora. Isto tem consequências na forma de como este menino vai se tornar, no futuro, um homem. Quando trabalhei como pastora tanto no oeste de Santa Catarina, na cidade de Cunha Porã, em meio a famílias da agricultura, e também em Jaraguá do Sul, em meio a famílias operárias, percebia, especialmente, nos momentos difíceis, que os homens seguravam suas emoções, dificilmente choravam, por exemplo, no sepultamento de um familiar ou de alguém muito próximo. “Homem que é homem não chora, aguenta!” Foi
o que eles ouviram desde crianças e, desta forma, também não podiam demonstrar a dor e o sofrimento. Esse tipo de educação machista é fruto de uma construção social. É isso que o conceito de gênero aponta: certas atitudes não são naturais do ser humano, mas foram construídas no decorrer dos processos históricos, fortalecendo um jeito cultural de ser.

Da mesma forma, como no exemplo do homem, também se pode apontar para as mulheres. Quando elas são mais firmes e decididas acabam, muitas vezes, sendo chamadas de mandonas, sapatonas, etc... Também isto é construção de um modelo cultural: sempre foi ensinado que as mulheres são emotivas e precisam cuidar da casa e da família. A ideia de “inferioridade” feminina foi e é socialmente construída pelos próprios homens e pelas próprias mulheres ao longo da história. Muitas vezes, elas também não são solidárias com outras mulheres, especialmente quando estas estão em cargos de chefia. Frequentemente, inclusive, no atuar da mulher no cargo de chefia, repete-se um modelo masculino de atuação, no qual a solidariedade e o cuidado com a outra pessoa, como ser humano, não têm lugar.

O conceito de gênero é uma ferramenta de análise importante para buscarmos relações mais justas e solidárias em nossas famílias, comunidades cristãs e sociedade. Existem diferenças, sim entre nós, seres humanos, mas elas precisam ser respeitadas e cada pessoa deve ser encorajada a vivenciar a humanidade em sua completude. Como afirma Paulo Freire: nós somos seres inacabados. Estamos sempre em processo. Fico feliz quando percebo que também um novo homem vem surgindo entre nós, mais sensível, que reparte as tarefas da casa, que brinca e cuida das crianças, que não tem medo de mostrar as suas emoções.

Proposta de estudo6

Material necessário:

Objetos diversos de uso comum das pessoas, tanto de referência masculina quanto feminina (domésticos, de higiene pessoal, ambiente de trabalho, jogos...); caixa de papelão ou outro recipiente para depositar os objetos.

Dinâmica:

1. Reunir, em uma caixa, diversos objetos de uso comum das pessoas (objetos pensados culturalmente para utilização de homens e mulheres). No início do estudo, esta caixa deve ser colocada no centro do local onde o grupo estiver reunido, podendo estar coberta ou não.

2. Solicitar às pessoas que escolham um dos objetos da caixa e reflitam sobre sua utilidade.

3. Passados alguns minutos, cada pessoa é convidada a colocar o objeto em um local previamente identificado, com um M, para masculino, ou F, para feminino.

(até este momento sugere-se que a atividade seja feita sem trocas de informações entre os e as participantes, num exercício pessoal e silencioso, de introspecção).

4. Após a colocação dos objetos nos polos M e F, convida-se o grupo para partilhar:

- Qual é a utilidade do objeto?

- Quem, costumeiramente ou culturalmente, o utiliza?

- Por que a opção do polo M ou F?

5. A pessoa que coordena a atividade apresenta a palavra ‘IDENTIDADE: nos constituímos conforme o contexto cultural em que vivemos’, comentando que damos utilidade aos objetos não só por sua utilidade em si, mas também por aquilo que aprendemos em nossa sociedade como sendo de uso M
ou F, como consequência da cultura apreendida em nosso dia a dia.

6. Para encerrar, pergunta-se ao grupo se alguém tem o desejo de trocar seu objeto de polo e se há a necessidade de criar um polo de uso comum dos objetos utilizados por mulheres e homens. Cada troca, preferencialmente, deve ser justificada.

* É importante deixar as pessoas expressarem suas impressões acerca dos objetos e de sua utilização... Reservar alguns minutos para a partilha sobre como a definição das “utilidades dos objetos” foi aprendida ao longo da vida, bem como de que maneira isso se refletiu na constituição do ser masculino
e feminino de cada pessoa.

Notas:

1. Dra. Claudete Beise Ulrich: pós-doutorado júnior em História Contemporânea e Gênero, doutorado em teologia - Religião e Educação, bacharel
em Teologia e Pedagogia. Pastora. Coordenadora de Estudo. Hamburgo – Alemanha

2. PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria de gênero na pesquisa histórica. História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 77-98, 2005. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/his/v24n1/a0v24n1.pdf>. Acesso em 29 jun. 2008. p. 78.

3. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 21.

4. SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, 16 (2): 5-22, jul/dez. 1990. p. 14.

5. Idem, p. 14.

6.Proposta elaborada pelo Catequista Ms. Claudio Giovani Becker: mestrado em Teologia - Educação Comunitária com Infância e Juventude, licenciatura
em Letras - Português e Literatura, bacharel em Teologia/Educação Cristã. Professor. São Leopoldo/RS.

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Autor(a): Claudete Beise Ulrich
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Estudos de Gênero / Ano: 2013
Natureza do Texto: Artigo
ID: 25312
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