Romanos 16.25-27

Auxílio Homilético

18/12/2005

Prédica: Romanos 16.25-27
Leituras: Samuel 7.8-11,16 e Lucas 1.26-38
Autor: Ivoni Richter Reimer
Data Litúrgica: 4º Domingo do Advento
Data da Pregação: 18/12/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXXI
Tema: Advento


Advento: tempo de recordar, esperar e firmar compromisso

O texto previsto para a pregação motiva-nos a celebrar esse quarto domingo de Advento trazendo à memória a atuação graciosa de Deus em nossas vidas. Com os anjos da história do nascimento de Jesus queremos glorificar a Deus. Dar-lhe glória significa honrá-lo com o nosso compro- misso de fé, a qual nos dispõe e capacita a fazer a sua vontade como res- posta a seu amor. Glorificar a Deus é afirmar que seu silêncio foi interrompido pela sua revelação por meio de Jesus Cristo. Glorificar a Deus é reconhecê-lo como Deus único em nossas vidas, cuja sabedoria está em nos fortalecer.

Para fazer a memória dos tempos salvíficos de Deus no mundo e em nossa vida, poderemos acender as quatro velas do Advento durante a pregação (veja sugestões).

1. Olhando para o texto

“Ao que tem poder de vos fortalecer conforme o meu evangelho, o querigma de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério que permaneceu em silêncio em tempos eternos, mas que agora tornou-se manifesto e através dos escritos proféticos, de acordo com a ordenança do Deus eterno, tornou-se conhecido para todas as nações para a obediência da fé, ao único sábio Deus, através de Jesus Cristo, seja a glória em tempos eternos. Amém!” (Rm 16.25-27, minha tradução).

Pregar sobre Rm 16.25-27, em época de Advento, parece não ser tarefa fácil. É de estranhar até a seleção de um texto assim para essa época do ano eclesiástico. O que tem essa perícope a ver com a mensagem e com o convite desse tempo de espera e preparação?

Pregar sobre esse texto parece não ser tarefa fácil também por causa do jeito do texto, do gênero literário. Trata-se de uma doxologia. Como tal, ela pertence à liturgia da igreja. Não é comum fazer uma homilia sobre alguma parte litúrgica, a não ser que se tenha por objetivo uma instrução comunitária específica sobre a questão.

Pregar sobre essa doxologia, enfim, parece não ser tarefa fácil porque se trata de um texto cuja originalidade apostólica é questionada na literatura exegética. Como tratar de um texto, junto à comunidade, na pregação pública da palavra, reconhecendo e até explicitando que esse texto pode não ter sido escrito pelo apóstolo Paulo? Como lidar, afinal, com essa (aparente?) tensão entre conhecimento acadêmico – para o qual cada pastora e pastor foram instruídos – e a prática pastoral?

2. As discussões sobre o texto

O final da carta de Paulo à comunidade judeu-cristã em Roma é, sem dúvida, bastante “truncado”. Os capítulos 15-16 contêm diversas saudações e recomendações finais, entrecortadas com uma perícope admoestativa (16.17-20), que, semelhante às cartas pastorais, está preocupada com a “sã doutrina”. Tanto a linguagem como o estilo remetem a um período pós- apostólico. Igualmente a doxologia final (16.25-27) é tida como acréscimo posterior. A conclusão exegética é que, em perspectiva redacional, alguém ou um grupo deve ter retrabalhado o final da carta de Paulo algumas décadas mais tarde. Vejamos alguns detalhes dessa discussão:

O papiro P46 (século III) sugere que 16.25-27 é adendo posterior a 15.33. Marcião exclui os capítulos 15-16, sendo que o final da carta seria 14.23. Nessas propostas de crítica textual, não apenas a doxologia, mas também a lista nominal de mulheres e homens que atuavam na diaconia, na missão e no apostolado não faria parte do escrito original...

Essa discussão teve e tem continuidade até hoje. Lutero, nas preleções sobre Romanos (novembro de 1515 a setembro de 1516), em Wittemberg, não se refere ao capítulo 16. O motivo disso não nos foi transmitido nem por ele tampouco pelo prefácio à sua obra, escrito por Eduard Ellwein, em 1927. Kümmel afirma que originalmente a carta era composta de 1.1-16.23 e que essa doxologia “não surgiu de Paulo e foi criada primitivamente para servir de conclusão logo em seguida a 14.23” (KÜMMEL 1982, p. 411). Para Käsemann, a doxologia final somente foi acrescida ao capítulo 16 durante a compilação final da literatura paulina, assemelhando-se ao estilo literário das cartas católicas ou deuteropaulinas (KÄSEMANN 1973, p. 403; veja Cl 1.26-27; Ef 3.1-13; 1 Tm 3.16; 2 Tim 1.9-10; Tt 1.2).

Os argumentos literários e de conteúdo fazem-me aceitar a perícope como parte de um processo posterior de compilação e organização da he- rança literária paulina. Não se trata, pois, de um texto escrito por Paulo. Mas isso não invalida sua motivação e sentido dentro do contexto e sua história traditiva. Entendo-o como parte de um texto enquanto conjunto e composição literária que, como tal, foi canonizado, sendo normativo para a instrução e a vivência da fé. Esse texto foi transmitido a nós e está nas mãos do povo. A questão é como, junto com nosso povo, podemos compreender esse texto.

Nesse caminho, é preciso considerar que Rm 16.25-27 é uma doxologia, tendo por objetivo glorificar a Deus (veja outras doxologias: Rm 11.36; Gl
1.5; Fp 4.20; 1 Tm 1.17; Jd 25; Ap 7.12). Seu lugar vivencial é litúrgico, que brotou da vivência da fé comunitária. Ela tem a função de fazer memória da história da revelação de Deus por meio de Jesus Cristo. Em sua forma, o texto apresenta características comuns desse gênero literário utilizado pelo judaísmo helenístico: nomeação de Deus (no dativo), motivo do louvor, menção de tempo e o amém. Essa forma ajuda a observar seu conteúdo, o que faremos a seguir.

3. Analisando conteúdos do texto

Quem é esse Deus? O texto apresenta alguns atributos que destacam a relevância desse Deus: poderoso (25a), único Deus sábio (27a). O poder de Deus constitui-se fundamentalmente em fortalecer a comunidade para que essa possa concretizar a vontade de Deus por meio da “obediência da fé”. Essa terminologia remete a um contexto em que perseverança e resistência da fé se fazem necessárias e indica para situações pré-escatológicas (veja 1
Ts 3.2-5,13). A comunidade enfrenta tentações e problemas, diante dos quais a fé precisa ser fortalecida para que as pessoas possam sobreviver com dignidade.

Por que glorificar a Deus? O texto destaca, então, o modo como e o meio através do qual Deus age, fortalecendo a fé: A sabedoria de Deus foi manifesta por meio da vida e obra de Jesus Cristo. Essa sabedoria de Deus é anunciada por intermédio do evangelho e de seu anúncio (querigma). Deus age e fortalece por meio de sua palavra, que foi revelada em Jesus de Nazaré e anunciada desde tempos antigos. Em Jesus não apenas se realizam as pro- fecias e promessas, mas nele Deus também rompeu com o seu próprio silêncio diante das dores do mundo. Em Cristo, o mistério de Deus está revelado a todas as nações. Nele, Deus foi revelado e está conhecido. Esse é o motivo da glorificação!

Qual o sentido dos tempos? O texto está permeado com a marca de tempos. Passado, presente e futuro. No v. 25 aparecem os tempos do passa- do, que estava mergulhado no mistério do silêncio de Deus; no v. 26 evidencia-se o tempo atual (agora), no qual Deus está revelado e pode ser conhecido por todos os povos; no v. 27, temos o tempo aberto ao futuro. É Jesus quem “amarra” os distintos tempos e mantém o seu conjunto e unidade. Jesus é o centro, motivo e finalidade da doxologia.

Que assim seja! Na liturgia, a comunidade é convidada a glorificar esse Deus que, em Jesus Cristo, acabou com seu silêncio e ausência: ele está revelado e seu poder e sabedoria consistem em fortalecer a comunidade para a perseverança e obediência da fé. O amém é afirmação e confirmação dessa fé e dessa certeza.

Resumindo: Esse pequeno texto foi elaborado e anexado como doxologia final a essa carta de Paulo. Ele destaca, a partir de outra época e outra realidade, alguns elementos que foram importantes para a recepção da teologia paulina, para a compreensão do “corpo paulino” e sua repercussão na vida das comunidades. Nesse sentido, evidencia o caráter teológico da carta como teologia da revelação de Deus – e por isso destaca o evento crístico; esse conteúdo é evangelho e querigma, normativos para a comunidade de fé; esse evento-palavra fundamenta a universalidade do anúncio apostólico, que foi e deve ser proferido a todas as nações.

4. Reflexão sobre o texto na liturgia do culto

Os textos para leitura

O tempo de Advento marca uma espera ativa, mesclada de estupefação, alegria e disposição (como Maria, Lc 1.26-38), confiando que Deus reafirma sua aliança (2 Sm 7.8-11,16) também para conosco: com misericórdia prepara um lugar, criando espaços de paz em ausência de inimizade.

Alguns destaques possíveis na pregação de Rm 16.25-27

* A doxologia é um convite pedagógico para recordar a função memorial do “glória” cantado em nossas liturgias dominicais; seu contexto escriturístico é a história do anúncio e nascimento de Jesus (Lc 2.10-14). Assim, o nosso texto é profundamente pertinente a esse tempo litúrgico, fazendo memória da revelação de Deus por meio da vida e ministério de Jesus. Como sinal dessa memória, acender a primeira vela.

* Nomear e caracterizar esse Deus ao qual se glorifica (veja acima item 3) e destacar a sua ação em nosso favor = fortalecer! Somente por meio dessa atuação graciosa e poderosa de Deus é que poderemos ser obedientes em nossa fé, isto é, viver a sua vontade. Como sinal da fé nesse Deus que nos fortalece, acender a segunda vela.

* Refletir sobre os tempos do silêncio e da ausência de Deus na história humana (deus absconditus) e de como isso é interrompido por meio das profecias e da revelação em Jesus Cristo. Acentuar o agora da salvação: Deus está manifesto e se deu a conhecer em Jesus de Nazaré. Como sinal dessa graça de Deus por nós, acender a terceira vela

* Refletir sobre a questão de que somente glorificar a Deus não basta; é necessário que a comunidade diga o Amém! À atuação de Deus segue o imperativo pessoal-comunitário: viver de acordo com o que proferimos. Deus nos fortalece para andar segundo a sua vontade (obediência de fé), fazendo de nossas ações a expressão de seu amor (o grande mandamento do amor). Como sinal desse compromisso, acender a quarta vela.


Bibliografia

LUTHER, Martin. Vorlesung über den Römerbrief. 1515-1516. Übertragen von Eduard Ellwein. München: Chr. Kaiser Verlag, 1927. 514pp.
KÜMMEL, Werner G. Introdução ao Novo Testamento (original de 1973). São Paulo: Paulinas, 1982. 797pp.
KÄSEMANN, Ernst. An die Römer. Tübingen: J.C.B.Mohr, 1973. 407pp.
 


Autor(a): Ivoni Richter Reimer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 4º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 25 / Versículo Final: 27
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2005 / Volume: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18440
REDE DE RECURSOS
+
Ainda não somos o que devemos ser, mas em tal seremos transformados. Nem tudo já aconteceu e nem tudo já foi feito, mas está em andamento. A vida cristã não é o fim, mas o caminho. Ainda nem tudo está luzindo e brilhando, mas tudo está melhorando.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br